O filho de Erasmo Carlos, Alexandre Pessoal, 40 anos, o Gugu, era extremamente apegado ao pai - como ele, também resolveu seguir a carreira de músico. Orgulho da trajetória do pai, Alexandre diz em uma carta que escreveu em julho de 2008 e nunca antes divulgada que chegou a achar que o Hino Nacional homenageava a sua família.
A carta foi divulgada nesta quinta-feira (15) pelo Extra. Alexandre, que morreu depois de sofrer um acidente de moto no Rio de Janeiro, foi sepultado na tarde de hoje.
Ordem cívica
Ser criança é ser pleno, é ser desprovido de todas as vaidades e preocupações com a inocência que só Deus poderia criar. Algumas delas têm a real noção disso? Claro que não. E eu, como todas, também não tinha.
Era o tempo de escola: recreio, lancheira, bola de gude, as primeiras namoradas, futebol em todas as suas formas e a cabeça lotada de brincadeiras sem fim, mas ao menos uma vez ao dia me via obrigado a fazer a formatura cívica. Todas as crianças se sentiam num momento de suplício, enfileiradas e quietas (ou quase) marchando, cantando e decorando não só o Hino Nacional, mas também o da Bandeira, do Soldado, da Independência, da Proclamação da República e qualquer outro hino possível, mas que provavelmente hoje não povoa as mentes daqueles que daquilo participavam.
Eu era sempre o mais empolgado e chegava a demonstrar uma alegria inexplicável com aquele momento que, para todos, era uma pena a ser cumprida, mas que para mim era uma felicidade maior e motivo de mais orgulho.
As crianças e as mães já me tinham como diferente e essa visão tinha dois lados, afinal eu sabia que em “boca pequena” ecoava pelos corredores do colégio “lá vai o filho do Erasmo”, quando era bom, e “lá vai o filho daquele roqueiro”, quando sentia no ar certo preconceito. Então, em uma ideia geral, eu já era diferente somente pelo fato de ser filho de artista, então todos deviam pensar “por que cargas d’água ele age assim?”.
Mas nada disso importava, pois o ápice da formatura era a passagem do Hino Nacional no qual se cantava “Verás que um filho teu não foge à luta”. Ninguém me segurava naquele momento em especial e eu olhava para todos com muita pompa e um certo desdém, mas que na maioria das vezes não era correspondido no olhar e confesso que não entendia o porquê, já que aquele momento era meu.
Nascia ali uma das maiores decepções da minha vida. Um belo dia chego do colégio mais empolgado que o normal querendo dividir com meu pai aquele momento que tanto me orgulhava e fui logo dizendo: “Papai, adoro aquela parte do hino que fala da gente!”. Meu pai então disse: “Que hino, meu filho?”. E eu prontamente respondo: “o do Brasil!”. Meu pai para, pensa e subitamente fala: “Como assim, meu filho? Que hino que fala da gente?”, pergunta, curioso. “O do Brasil, papai...”. Começo então a pensar: “não é possível que o meu pai não saiba disso ou nunca ninguém tenha lhe falado, pois uma homenagem daquelas jamais passaria em branco!”.
Ele então, com um sorriso meio de lado, me pede para que eu cante essa passagem do Hino Nacional e eu, muito nervoso - afinal, ia cantar pela primeira vez na frente do meu pai e ele ainda por cima era o Erasmo Carlos - começo a cantarolar até que chega a fatídica parte e eu, digo em alto e bom som: “Erasmo um filho teu não foge à luta...”. Ele, de imediato, começa uma gargalhada sem precedentes e que não acabava, e eu com aquela cara de “será que ele não gostou?”. Depois de alguns minutos de muita curtição comigo ele revela a verdade e meu mundo cai: “Filho, não é ‘Erasmo um filho teu não foge à luta’ e sim ‘verás que um filho teu não foge à luta’”.
Depois de muita tristeza, superei tudo e hoje canto todas as letras, do início ao fim. A palavra “pai” é única para cada um e meu pai é único para mim. Te amo, pai”.Matéria original: Correio 24h Em carta, filho falou de Erasmo Carlos: "Único para mim"; leia
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