Participante da 15ª edição 'Big Brother Brasil', Adrilles já fez uma crítica indireta ao programa. Em um blog que tinha, o escritor fez uma análise e a intitulou de 'A Cultura do Coitadinho', onde mostrava seu posicionamento sobre quem participava do reality. Confira o texto completo:
Foto: Gshow/TV Globo |
"No Brasil, talento nunca foi quesito imprescindível para acesso à fama e ao reconhecimento. A celebridade do tipo 'big brother' é um fenômeno muito mais antigo e arraigado que o próprio programa infame. Mas há um fenômeno particularmente afeito aos costumes da terrinha: a apologia do coitadinho, do humilhado, que inexoravelmente se converte em herói nacional. E notem bem, o fenômeno não se limita às celebridades vazias. Muita gente de peso e de talento pega carona neste viés.
O exemplo mais recente é o do escritor Carlos Heitor Cony. Um dos mais renomados e talentosos homens de letras do país, Cony adora proclamar a sua paixão pelo que ele chama de “homem derrotado’’, e que o sucesso e a vitória não lhe interessam. Claro que ele não deve se interessar muito pela própria vida, uma vez que ele é um dos mais célebres, bem sucedidos e respeitados escritores do país. Cony diz peremptoriamente que é um homem infeliz. Recentemente, o escritor abocanhou uma pensão de mais de vinte mil reais, por ter sido julgado como “vítima da ditadura’’. Cony nunca foi torturado, sempre trabalhou em respeitados órgãos de imprensa do país e sempre disse o que queria dizer em toda a sua carreira. Mas se julga um coitadinho. Este é seu maior orgulho: o de ser um homem bem sucedido, mas infeliz. Um pobre coitado, enfim.
O exemplo de Cony é representativo, mas abundam outros. Reparem como, por exemplo, todo morto célebre se converte instantaneamente em santo. Não importa o passado da figura, mas a morte, a derrota final, lhe dá todas as bênçãos e perdões que ele tem direito. No Brasil, morto é herói vitalício. Desde Luis Eduardo Magalhães até os mamonas assassinas. Os mortos são sagrados ícones tupiniquins. Fico imaginando o dia da morte do sr. Paulo Maluf, quando proclamarão os seus nobres serviços à nação e as injustiças a que ele foi sujeito em vida. Imagino seus parentes, em tom emocionado, bradando a plenos pulmões, repetindo o patriarca em vida: “ele nunca teve conta no exterior!’’
Já os vencedores não têm vez no Brasil. Machado de Assis, a despeito do seu gênio, é sempre lembrado, com requintado e discreto prazer sádico, pela sua condição de gago e epilético (alguns politicamente incorretos não cansam de salientar que ele era um “mulatinho que veio do morro’’). Não adianta: o sucesso no Brasil nunca é consumado sem que o sujeito tenha um pé no fracasso. Ou pelo menos uma paixão pela coisa. Que o diga Walter Salles jr., que a cada filme seu, parece pedir desculpas por ter nascido rico e filho de banqueiro. Um estrangeiro que vê os filmes de Salles deve pensar que o Brasil é uma grande favela de bons moços. A vitória não tem vez no Brasil. Não se perdoa o sucesso aqui na terrinha.
Imagino que esta peculiar situação brasileira se deva a um certo ranço deturpado do cristianismo no país, a uma certa cultura do ''crucificado'', do derrotado, que é entranhada no brasileiro. Quanto mais belo o fracasso, mais bela a ''ascese''. Mas isto não quer dizer que seja uma característica nobre e generosa de um bom cristão que estende a mão aos perdedores. Ao contrário, é um cristianismo deturpado, em que a generosidade e a compaixão se transmutam em inveja do sucesso alheio. É um sinal trocado. Amor se converte em ódio mal dissimulado. As sutilezas da mesquinharia são muito pouco evidentes. Nada mais fácil que transformar um vício em uma virtude. Assim é o caso do medíocre que se faz indignado e furioso com a mediocridade, assim o ignorante que torce o nariz para o ‘’pedantismo’’ da intelectualidade, assim o fracassado que esnoba o sucesso alheio.
Claro que no Brasil (e no mundo, aliás) as condições que levam alguém ao sucesso são mais que torcidas e esculhambadas. A minha ênfase não é o merecimento ou não do sucesso em si, mas algumas sutilezas do nosso querido país, que tanto proclama suas boas intenções e generosidade aos quatro ventos".
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