Mariene de Castro é arte e legado. Quando ela sobe no palco, a cantora evidencia não só a voz, mas uma conexão direta com o sagrado. Uma verdadeira força da natureza. Força essa que, segundo a própria a artista, vem da mais pura essência ancestral. Ancestralidade, inclusive, é palavra de ordem na vida da artista.
Atabaques, acordeon, cavaquinho e demais instrumentos embalam os espetáculos que fazem arrepiar. As apresentações iniciaram, oficialmente, em 1997. Sons de Keto - maior nação do candomblé -, de Jeje - candomblé influenciado por Daomé e também tradicional em Angola -, emocionam o público desde então. É o samba de roda raiz, tradicional e a cultura Yorubá - oriunda da Nigéria -, em cena.
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De pés descalços, calmaria e potência, a artista dá voz aos que não têm. São canções que exaltam caboclos, caboclas, orixás, músicas de matriz africana. Em uma trajetória de 25 anos recém-completadas, a artista teve atuação marcante ao lançar seis discos e emplacar sucessos atemporais como "Abre Caminho", "Ponto de Nanã", "Ilha de Maré", "A Deusa dos Orixás", "Oxóssi", "São Cosme e São Damião", entre outros.
"Eu me lembro exatamente dos meus primeiros passos na música. Peguei um caderno e escrevia as minhas coisas, o que eu queria, quais instrumentos [...] se eu olhar para trás, eu não me arrependo de nada. Sempre tive meus pés nos lugar. Os olhos da minha alma falavam o tempo todo. Tenho muito orgulho de tudo o que eu vivi. Sou intensa e mergulho e entrego tudo aquilo que faço".
O renomado compositor baiano, Roque Ferreira, afirma que ela é a maior intérprete das canções dele. Mariene traz uma Bahia sem vícios, da qual não se ouve falar - e cantar -, desde Dorival Caymmi. A soteropolitana conseguiu de forma genuína romper as barreiras e hegemonias do axé music e pagodão baiano.
Antes de mostrar todo o potencial nas terras brasileiras, ela encantou para além das fronteiras após performar o espetáculo "Iluminada", em 20 cidades da França. Foi comparada, pela crítica local, com a consagrada cantora, compositora e atriz, Édith Piaf (1915-1963).
Artistas que a avó lhe apresentava quando criança e, posteriormente, a voz de Marisa Monte, foram referências que moldaram a arte e o jeito de Mariene cantar. Nascer e crescer na Bahia também foi necessário para ela ser quem é, isso sem contar na guiança da rainha da água doce, cachoeiras e rios - Oxum, orixá que a rege.
Régua e compasso
O multi-instrumentista Carlinhos Brown também tem parcela significativa em todo esse sucesso. Ele a convidou, em 1996, para ser backing vocal no projeto "Alfagamabetizado". O convite se estendeu para o verão, onde ela integrou o grupo Timbalada naquela época. Foi uma rápida passagem.
Experiências em trios elétricos também foram vivenciadas ainda cedo, quando ela fez parte da banda Cheiro de Amor, comandada por Márcia Freire na época. A artista, no entanto, não demorou muito para despontar como solista.
Com um trabalho de "formiguinha", como é dito pela própria Mariene, ela conquistou uma plateia de 50 pessoas, 100, 200...e assim foi crescendo até chegar a lotar um espaço que cabia pouco mais de 15 mil.
Em 2016, ela se apresentou para mais de 50 mil pessoas presentes no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, na final das Olímpiadas. Foi sob a voz da baiana que o espetáculo do esporte foi finalizado. Na ocasião, ela interpretou, ironicamente, a canção de uma das maiores referências dela: Marisa Monte, chamada “Pelo Tempo Que Durar”. A música traz também os vocais de Adriana Calcanhotto.
Vídeo: Reprodução / Redes sociais
Carreira premiada
Mariene de Castro tem uma carreira artística consolidada. Ela já foi indicada, em cinco oportunidades e em diferentes categorias, ao Prêmio da Música Brasileira. A cantora também foi indicada ao Grammy Latino 2020, na categoria "Melhor Álbum de Músicas de Raízes Em Língua Portuguesa", com o projeto "Acaso Casa Ao Vivo". O disco foi feito em parceria com o cantor pernambucano Almério.
Com o "Abre Caminho", o primeiro álbum, a baiana recebeu o Prêmio Tim de Melhor Disco na categoria "Regional", e o Prêmio Rumos do Itaú Cultural.
Ela também já teve uma das canções como destaque da novela da TV Globo "Lado a Lado", em 2012, escrita por João Ximenes Braga e Claudia Lage. Chamada de "Isto é Bom", a composição de Xisto Bahia foi incluída na trilha sonora.
"Eu sou uma pessoa proativa, não sou uma pessoa de ficar esperando cair nada do céu. Com 13 anos eu já estava indo pra lida, cantar. A minha história vem do trabalho. Eu sempre fui uma menina muito madura, essa responsabilidade veio muito cedo. Eu cresci com isso de ter uma família grande e nunca ter faltado nada".
Bênçãos do Cacique Brown e J. Velloso
Em conversa com o iBahia, o cantor e multi-instrumentista Carlinhos Brown, e o cantor e produtor artístico J. Velloso destacaram como conheceram a artista e o quão grandiosa é toda a arte de Mariene de Castro.
"Primeiro é dar parabéns pelos 25 anos de trabalho com música. Conheci Mariene [de Castro] através de Saul Barbosa em um aniversário meu. Ela chegou calada, e quando começou a cantar todo mundo parou e prestou atenção, é um tipo de voz que vem de dentro, com verdade, acima do timbre de voz e afinação", disse J. Velloso, que é ex-marido da cantora. Os dois são pais do primogênito da baiana, João Francisco, de 24 anos.
"Ela tem uma força a mais, que poucos intérpretes possuem. Com o tempo, ela foi seguindo o caminho do samba, se tornou uma das grandes sambistas do Brasil. Ela faz parte da história da Música Popular Brasileira. Parabéns, Mariene", completou.
Brown, por sua vez, demonstrou orgulho de ter a potência da voz da artista baiana marcada na história da Timbalada. "Fazer 25 anos de carreira é certificado de uma grande competência. Mariene tem um caminho de muita originalidade. Ela é ponte de inspirações. Ela colocou e recolocou o samba de forma muito mais evidente. É a rainha da 'Enxaguada'", disse Brown.
"E que oportunidade Deus me deu de ter chamado ela em 1995, muito no início da Timbalada. Poucas pessoas não sabem que ela fez parte do movimento. Ela sempre esteve preparada para grandes saltos. Mas o que eu quero dizer é que Mariene está muito bem colocada no Olimpo da grandeza de quem respeita a arte, a música", celebrou o cacique.
AUTOR
Lucas Sales
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Lucas Sales
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