Qual a melhor forma de se dar bem no mercado cultural? Até a década de 80, empreender os próprios projetos era privilégio de poucos. Os meios de produção, distribuição e consumo de produtos culturais estavam concentrados em grandes empresas do eixo Rio-São Paulo. Com a virada do século e a reconfiguração do mercado da música, artistas e produtores independentes sentiram a necessidade de empreender de forma criativa como um meio de furar o bloqueio do mercado. Nessa nova cartografia da produção e do consumo cultural, de um lado estão artistas e produtores à margem dos grandes conglomerados da Indústria Cultural e do outro o Estado enquanto órgão regulador de políticas públicas de incentivo à cultura. Embora não haja fórmula pronta, muita gente começa a realizar ações culturais sem qualquer tipo de apoio financeiro ou orientação profissional. No entanto, é fundamental que estes produtores em potencial busquem suporte em órgãos de consultoria a exemplo do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
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Vince Athayde |
Empreender pressupõe coragem - Vince Athayde era somente músico antes de se aventurar no papel de produtor cultural. Enquanto músico, sua maior dificuldade era ter que vender seu produto, convencendo produtores e potenciais patrocinadores que seu trabalho era interessante. "As pessoas não têm curiosidade de ver o que está acontecendo e você tem que bater na porta de quem não tem curiosidade para tentar encaixar seu trabalho no projeto de outra pessoa", observa o ex-vocalista da banda Lampirônicos e atual integrante do RadioMundi Ssa. "Acabávamos tocando sempre nos mesmos lugares", conta. Incomodado com barreiras impostas pelo mercado, que já demonstrava sinais de desmoronamento, a alternativa para o impasse foi tentar empreender seus próprios projetos e eventos. Em 2006, com a intenção de preencher as lacunas que havia no cenário da produção cultural baiana, especialmente em relação à música que estava sendo feita aqui, o artista decidiu arriscar e fundou a Maquinário Produções, produtora responsável por trazer o projeto musical 'Conexão Vivo' para a Bahia. Ocupando atualmente o cargo de diretor geral da empresa, Vince já contabiliza mais de 300 eventos realizados, entre shows e palestras, além de desenvolver diversos projetos culturais como é o caso do 'Futurama - Música e Intervenção Ambiental, Intercenas Musicais' e do 'Zona Mundi - Circuito Eletrônico de Som e Imagem', que realiza nos dias 9, 10 e 11 de janeiro, em Salvador, sua quarta edição. Premiado em edital voltado para a Economia Criativa na categoria 'Empreendedorismo e Negócios Criativos' do Ministério da Cultura, Vince admite que trabalhar com cultura em Salvador não é tarefa fácil, especialmente porque as diretrizes que orientam a política cultural do Estado nunca foram bem definidas. "Há dez anos, esse segmento que a gente atua, que eu não chamo nem mais de alternativo, mas de circuito preferencial, não contava com políticas públicas, leis de incentivo, e se tinha eram benefícios restritos a poucos produtores e outras pessoas articuladas à iniciativa privada", pontua. "A cultura no Brasil não é autossustentável e sente muita falta quando o poder público não injeta dinheiro a fim de oxigenar uma economia que gira em torno dali", acrescenta. Vince explica que o dinheiro público acaba sendo um capital complementar, que vai bancar a estrutura que o produtor mensura quando pensa um projeto e os custos do próprio evento, entre cachê dos artistas e demais profissionais. Articulado a uma rede de produtores associados a microempresas e empreendedores individuais, Vince, em parceria com outros profissionais, implantou uma série de ações culturais no estado. A primeira iniciativa foi a criação da Incubadora de Festivais e Mostras de Música (Ifem), que realizou festivais em cidades consideradas polos de cultura na Bahia, como Salvador, Ilhéus e Vitória da Conquista. Ex-curador da Fundação Nacional Das Artes (FUNARTE), o produtor também é sócio-fundador do Commons Studio Bar, uma multiplataforma de eventos, concebido para receber de shows musicais a encontros corporativos. "Todo produtor, antes de pensar na planilha, sente a vontade de fazer", declara.
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Localizada no bairro mais boêmio da capital baiana, o Rio Vermelho, a casa, em menos de um ano de existência, já colocou em média 70 artistas locais para tocar e hoje emprega 12 pessoas. Aberto em fevereiro de 2013, o espaço responde a um conceito específico, o que segundo Vince é ainda mais desafiador em virtude da ausência de políticas de estímulo a um empreendimento que obedeça a esse perfil. Por não haver uma figura jurídica que represente aquilo que Vince considera que a empresa seja de fato, o próximo passo do produtor é usar o Commons como plataforma comercial para a criação de uma associação, que terá como foco o desenvolvimento de projetos culturais na área de informação. A ideia é gerar conteúdo para diversas mídias, produzir programas de web TV, além de projetos na área gastronômica. Além da colaboração de microempreendedores, a cooperativa surge da parceria de três empresas: o Commons, a Maquinário Produções e a Imagina, uma agência de comunicação. Longe do circuito comercial, o microempresário defende que não há outra saída senão empreender para poder se entender dentro do mercado. "Aprendi muito fazendo meus próprios eventos. Nenhum artista que está começando a trabalhar vai conseguir se inserir dentro do mercado, porque ele não vende ingresso. Então, resta ao próprio artista ou banda começar a empreender seus projetos", pontua Vince. Com a experiência, o produtor percebeu que para ampliar seu negócio como músico e artista, precisava gerar mercado para outros profissionais e ajudar a formar produtores que pensassem como ele.
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Clara Marques |
Empreender para crescer - A também produtora cultural Clara Marques, por outro lado, acredita que os empreendedores do setor não podem depender exclusivamente de editais públicos e utilizá-los como bengala para sustentar os próprios projetos. Para ela, ter proatividade é fundamental: "Os editais são uma forma de fomentar a cultura, mas não pode ser a única. As pessoas também devem tentar fazer seu projeto se tornar interessante e rentável para o público e para os patrocinadores, para pessoas que queiram pagar o ingresso e comprar o CD." No ano de 2010, Clara idealizou o 'Guia de Produção do Rock', site que busca mapear os prestadores de serviço atuantes em diferentes segmentos da cena rocker e da música independente de Salvador. Pensado inicialmente como um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), o Guia reúne mais de 400 contatos e informações de profissionais e empresas. "Às vezes, eu sentia dificuldades de encontrar alguns contatos, como designers, técnicos... todos esses profissionais que às vezes dependemos da indicação de amigos, por exemplo. Foi aí que tive a ideia de criar um espaço onde pudesse haver todos esses contatos acessíveis para todo mundo", afirma Clara. Embora o site ainda não lhe proporcione um retorno financeiro, a produtora tem planos para torná-lo um negócio rentável, agregar outras pessoas à equipe e continuar crescendo e ampliando as finalidades do projeto. Por mais que seja cautelosa ao mencionar os editais do Governo, Clara reconhece a importância dos mesmos, e até pensa em valer-se de algum deles para profissionalizar o seu empreendimento. "Acho que uma das formas de obter lucro são editais e anúncios publicitários no site, mas nada que interfira no seu funcionamento livre e gratuito".
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Com o crescimento do mercado, a profissionalização é um diferencial. Formada em Produção Cultural pela Universidade Federal da Bahia, Clara Marques reconhece a importância de algum tipo de orientação ou respaldo teórico para quem deseja empreender. A produtora cita as ações de cursos superiores e de capacitação, e de órgãos como o Sebrae. "Já temos o curso de Produção Cultural na UFBA há mais de 10 anos e muita gente que trabalha na área, em aparelhos culturais, nunca ouviu falar do curso. E se a formação do curso já não é tão completa, imagine sem nada", diz. No entanto, Clara não se absteve de criticar a precariedade dos cursos de formação atualmente oferecidos pelas universidades, que proporcionam um conhecimento superficial sobre o mercado: "O curso de Produção Cultural é basicamente de Comunicação. A grade é 75% voltada para o jornalismo e as matérias não ajudam tanto. Também sinto falta de termos contato com as outras escolas de arte da UFBA, como o IHAC, a Escola de Música e a Escola de Belas Artes".
A oportunidade é de transformação - A empresária e produtora cultural Piti Canella trabalhava como coordenadora de esporte e lazer em um hotel quando resolveu empreender. Ao lado de duas sócias, montou a 'GG Produções da Bahia', uma pequena empresa de produção de eventos. Após o desligamento de uma das sócias, a empresa, que se tornou a renomada 'Gil & Canella Produções', já trouxe para a capital baiana grandes projetos como o 'Conexão Vivo' e o 'Tropicália 2', evento musical que contou com shows de Gilberto Gil e Caetano Veloso.
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Piti Canella |
Entretanto, ser empreendedora da área cultural nunca foi o sonho da vida de Piti. "Comecei 'brincando' de produtora 20 anos atrás. Trabalhava em um banco na área de T.I., mas surgiu uma vaga no setor de promoções e fui. Então comecei a gostar dessa coisa de produzir eventos, feiras... Quando saí desse banco, um antigo cliente da agência estava de sócio em um show do A-ha, e eu fui convidada pra trabalhar nos bastidores do evento. Depois disso não parei mais", é a história que conta. A longa trajetória e o seu indiscutível sucesso levaram Piti, no início de 2013, ao cargo de gerente de eventos da Itaipava Arena Fonte Nova. Para ela, não apenas os seus anos de experiência foram os responsáveis pelo convite, mas, sobretudo, o fato de ser uma empreendedora do setor cultural: "Acho que quando os executivos da Arena Fonte Nova resolveram me convidar, sabiam o que estavam fazendo ao trazer uma pessoa experiente para o cargo. Alguém que já trabalhou com eventos grandes, como o Festival de Verão. Fiz três réveillons e tive a sorte de trabalhar com Gilberto Gil, Margareth Menezes, Daniela Mercury, entre muitos outros".
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A produtora admite, no entanto, que esse percurso de 20 anos sempre foi permeado por muitos obstáculos. A carência de orientação e de uma formação específica são empecilhos para os jovens produtores e empreendedores iniciantes, que se veem lançados à própria sorte. "Quando comecei como produtora, não existia o curso de Produção Cultural, que hoje existe na Universidade Federal da Bahia. Muitos produtores mais velhos não tiveram a oportunidade de estudar porque não havia curso superior para isso. Aprendemos na prática", analisa Piti. Ela defende que esse cenário evoluiu consideravelmente, oferecendo hoje um leque de possibilidades no quesito aprendizado e aperfeiçoamento profissional. "Hoje acho até mais fácil ser produtor, com tantos recursos e oportunidades", acredita.
- Piti Canella dá dicas de como empreender no mercado de produção cultural:
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Empreender exige confiança, coragem, determinação e paciência - Empreendedores têm em comum, além da iniciativa, as mesmas dificuldades, que vão da dificuldade de distribuição e de manter a continuidade dos projetos à necessidade constante de visibilidade e falta de credibilidade no mercado. A tese é que problemas comuns podem ter soluções também comuns. Ao identificar as soluções encontradas por empreendedores culturais bem sucedidos em suas empreitadas é possível elencar um conjunto de estratégias que favorecem o empreendedorismo seja na área cultural ou nos demais setores sociais e empresariais. Cooperação, criatividade e ampliação do conceito de recursos para além do financeiro, são alguns dos ingredientes fundamentais do Empreendedorismo Cultural. Por isso, estar atento ao mercado e às práticas da área é muito importante para quem atua no setor.