A garota que impactou a cena roqueira neste novo século, consolidada como uma das maiores artistas da sua geração, soa dócil ao telefone. A voz, de menina, ecoa um tanto diferente daquela empostada, que canta o bom e velho rock’n’roll. Aos 36 anos e lançando seu quarto álbum, Sete Vidas (Deckdisc), Priscilla Novaes Leone se apresenta ao público apenas como Pitty.
“Tô muito apaixonada pelo disco, meio boba ainda”, confessa ela, que assina todas as 10 faixas. “Na real, é um disco muito doído. Mas um disco de resiliência também”, pontua, em referência ao ano de 2013 que, nas palavras de Pitty, foi complicado, marcado por fortes processos de transição. “Muita coisa morreu, muita coisa renasceu e esse processo é dolorido. Foram muitas situações de superação, pessoais e externas. Tem uma coisa de alquimia, de que, pra se transformar em ouro, tem que passar por outras fases”, reflete. “Mas é um dia de cada vez e tá todo mundo feliz e realizado em relação ao disco”. Dentre os acontecimentos que balançaram a cantora, a morte do músico Peu Souza, seu amigo desde a adolescência e com quem tocou no início da carreira, e a turbulenta saída do baixista Joe da banda, com direito a processo judicial. “É uma pena que tenha sido assim. Não tô a fim de ficar falando muito pra não transformar em algo maior do que já é. A vida segue e o que importa, pra mim, é que eu sei pra onde vou: pra frente”, contemporiza, convicta. RefinamentoCompanheiro de Duda (bateria) e Martim (guitarra) - que formam a banda base de Pitty - em outros projetos, o baixista Guilherme chegou para acrescentar mais refinamento aos arranjos, segundo a cantora. “A grande lição que tiro disso tudo é que, mesmo o que parece ruim, no final das contas vem pro bem. E o resultado é que a minha banda nunca foi tão boa”. O álbum foi gravado ao vivo, com os quatro em estúdio, tocando simultaneamente. “Gosto desse tipo de gravação. Exige uma concentração maior e demora um pouquinho mais, porque é uma coisa coletiva muito forte, sempre a busca pelo melhor take válido pra todo mundo”. Mas, pra garantir apuro e um certo ar de sofisticação, o disco contou com a minúcia do inglês Tim Palmer, que já trabalhou com bandas como U2 e ficou à frente da mixagem de Sete Vidas. “Gravamos um som bem garagem mesmo e precisávamos dessa finalização elegante pra não ficar tosco, com som de fita demo. E a presença dele foi superessencial, acrescentou muito nos processos”, endossa. O refinamento, entretanto, não ousa tirar o peso das baquetas de Duda ou da guitarra distorcida de Martim, que ascendem ao longo do disco – o primeiro de inéditas desde Chiaroscope, de 2009. Boa notícia, portanto, para os fãs que estavam carentes da veia mais roqueira de Pitty. Nos últimos três anos ela se dedicou ao Agridoce, projeto que encabeça ao lado de Martim, em formato voz, piano e violão. “Como instrumentista, foi um desafio, me trouxe outra visão de mim mesma. Mas eu nunca saí do rock, na verdade, apesar de entender que, em termos artísticos, pode ter significado isso pra maioria das pessoas. RenovaçãoO primeiro e homônimo single de Sete Vidas explora um lado mais melancólico da baiana, que escolheu o rock por essência. “Eu me identifiquei, não é tão racional, é o que é mesmo; o discurso, a postura, a sonoridade”. O refrão insiste que “só nos últimos cinco meses, eu já morri quatro vezes, ainda me restam três vidas pra gastar”, em alusão às múltiplas vidas dos felinos. “Eu tô cercada de gatos por todos os lados; é o meu bicho”, conta. A começar pela capa do disco, que estampa sua gata Preta, falecida pouco tempo depois da sessão de fotos. “Montei todo cenário, apertava a câmera, ia pra posição da foto e, toda vez, ela chegava pro meu lado. Depois, fez todo sentido; ela estava querendo se despedir”. O flerte com a vida real fica evidente também na segunda música de trabalho, Boca Aberta, escrita originalmente como poema. “Fala sobre ansiedade e em como a gente, às vezes, fica tentando preencher esse vazio da alma com coisas que, quando passam do ponto, vira obsessão e não é legal”, pondera.
De fato, Sete Vidas vai destrinchando esse momento atual da banda e as transformações, desde a saída de Joe aos maremotos citados por Pitty, ao longo do ano que passou. “O disco conta essa história e a ordem das músicas é nesse sentido. Para mim, é que nem capítulo de livro. E tudo é um pouco autobiográfico, sim, porque só consigo escrever a partir das minhas experiências ou, pelo menos, da minha visão de mundo”. SonoridadesSete Vidas também transporta as experiências pessoais para a mistura sonora. À essência roqueira —indiscutível— soma-se a africanidade latente de elementos percussivos bem presentes na Bahia de Pitty, que já mora em São Paulo há 11 anos. “Eu sinto saudade dos meus amigos, mas pude exercer muito mais a minha profissão depois que vim morar aqui”, afirma. Esquecer o passado, entretanto, está fora de cogitação. “O que passei aí, no underground, foi o que fez a base da coisa toda. Devo muito a isso”, ressalta, em tom de certeza. E foi justamente dessas origens que surgiu a vontade de acrescentar batidas afros ao seu som. “No disco inteiro, busquei, deliberadamente, uma aproximação com essa questão rítmica ligada ao candomblé e à parte afro”. A mistura fica evidente em Serpente, ritmada com agogô e caxixi. “Minha busca é tentar incorporar isso de um jeito bem orgânico, de uma forma que não fique macumba pra turista”, ratifica. Já em Lado de Lá, o namoro é com a música erudita. “Tem um coral ali no meio, achei que cabia mesmo”, diz Pitty, que toca piano na faixa. O álbum chega às lojas terça-feira, mas já está disponível para pré- venda na Saraiva e em versões digitais no iTunes, Deezer e Rdio (links disponíveis no site oficial pitty.com.br/setevidas/). Cantora e banda já deram início à turnê, mas ainda sem previsão de shows por aqui. “Com esse lance das redes socais, a galera daí me escreve direto, querendo show, e espero que role a oportunidade o quanto antes. Tocar em casa, com esse show, com essa alma revigorada, será massa”. O set list ainda intercala as inéditas com consagradas, como Admirável Chip Novo, Teto de Vidro, Equalize, Máscara, Anacrônico e Me Adora. “Minha grande preocupação é continuar fazendo isso para o resto da vida; gravando discos cada vez melhores, e me aprimorando como cantora e compositora”, sentencia Pitty, serena e realizada. Matéria original: Correio* Com nova banda, Pitty lança o autoral Sete Vidas, seu quarto álbum
A baiana Pitty em sessão caseira de fotos para o álbum Sete Vidas, o primeiro de inéditas desde 2009. São dez faixas, com direito a elementos de percussão afro-baiana em meio ao rock |
Duda, Martin, Pitty e Guilherme, o novo baixista: banda renovada e satisfação com o trabalho. ‘Minha banda nunca foi tão boa. E tá todo mundo feliz e realizado em relação ao disco’ |
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