Há sete anos, quem tentasse falar com Andrea Martins, então vocalista da banda de rock Canto dos Malditos na Terra do Nunca, ouviria respostas meio tímidas de uma menina “bicho do mato”, como ela mesma se descreve. Hoje, aos 26 anos, com o EP Soldier Of Love pronto - ela concebeu das letras em inglês até a execução e gravação de cada instrumento - tem muito pra dizer. “Eu meio que me cansei de precisar de gente pra fazer tudo. Peguei o baixo, a guitarra, programei uma levada de bateria e gravei a voz, tudo aqui no quarto”, explica Andrea, enquanto dá play em Close To The Sun, canção pop que ganhou aura praieira com o videoclipe feito pelos amigos cineastas Alexandre Guena (direção), Petrus Pires (direção de fotografia) e Pablo Oliveira (montagem e finalização).
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Andrea Martins lança novo trabalho, gravado em Salvdor |
A cantora Andrea Martins lança hoje o clipe Close To The Sun, do seu primeiro EP gravado em casa “Só não filmei o clipe eu mesma porque ia sair com um ângulo só”.
Gravadora Quem ouviu a Canto dos Malditos, em 2005, reparou na banda liderada pela garota bonita, emburrada e de voz rouca que cantava o hit Olha a Minha Cara. No festival Claro que É Rock, no mesmo ano, um produtor da gravadora Warner também se interessou e “rolou um flerte” com o grupo. “Fechamos com a Warner e pegamos a ‘úlltima raspa’ dos investimentos em bandas desconhecidas”, diz Andrea. Nessa época, os downloads de internet e a pirataria começavam a ditar as novas regras da indústria da música. "As gravadoras perdiam dinheiro e os contratos já não eram tão favoráveis”, explica. Depois que a Canto gravou um disco, a Warner quis apostar numa Andrea em carreira solo. “Mas a banda não acabou”, salienta.Na época, gravou Luz do Sol com Nando Reis no Luau MTV e mantinha conversas com a gravadora, mas, segundo a artista, a Warner não desenvolveu um projeto para ela e a parceria foi desfeita. “Era sempre o papo de que estavam esperando o momento certo para me lançar”.
Em casa “Fui morar em São Paulo, arranjei emprego numa produtora e comecei a trabalhar com captação de áudio”, revela. Mas não se afastou da música. Nos shows que fez por capitais como Rio e Manaus, levou o repertório da Canto (todo de sua autoria) e outras músicas que, mais tarde, virariam o Soldier. Nos últimos dois anos em São Paulo, juntou o que aprendeu na produtora com os softwares pesquisados na internet e começou a gravar. Só que em casa.
"(A gravadora Warner) estava sempre esperando o momento certo para me lançar" |
De volta à Bahia há três meses, Andrea arrumou os rascunhos e gravou o EP Soldier Of Love, de quatro músicas, no quarto de casa. Mesmo tendo gravado todos os instrumentos, ela pede pra não ser chamada de multi-instrumentista. “Eu não toco, só arranho no baixo, na guitarra. O som que eu quis fazer não era nenhum rock fenomenal que pedia um solo de guitarra ou um naipe de sopro. É esse, é a minha essência, e realmente ficou do jeito que eu queria”, define. Este já é o segundo EP “feito à mão”. O primeiro, Art-Empenada, é uma parceria com o produtor e guitarrista Julio Abbud. “Resolvemos regravar canções que nunca estouraram de artistas como Jorge Mautner, Alceu Valença e Djavan”, explica Andrea.
Reinvenção A ideia é usar as plataformas digitais para espalhar o conteúdo tanto do Soldier Of Love quanto do Art-Empenada. Ambos estão no Soundcloud, plataforma que permite que músicos profissionais e amadores compartilhem suas composições. Para Andrea, a música precisou se reinventar, meio na marra, por causa do que a internet possibilitou. “Hoje não existe essa de apostar numa nova banda, fechar contrato e fazer como antigamente. O caminho é outro: é esperado que você chegue com um trabalho já meio adiantado”, explica sobre a relação com as gravadoras. “A rapidez de hoje também não combina com o formato dos lançamentos de antes. Se você lança um disco duplo, mês que vem as pessoas já querem novidade”, diz. Poucas músicas Andrea conta que a ideia era mesmo conceber um projeto que fosse divulgado aos poucos, sempre com três ou quatro músicas, menos por estratégia planejada de divulgação do que por um contato com o que a artista insiste em chamar de essência da criação. “Eu componho no meu tempo, lanço no meu tempo, aos poucos. Às vezes coisas mais pro rock, às vezes mais pop, como o Soldier Of Love”, revela. “Eu faço minha música pra aliviar meu estômago. Se aliviar o estômago de mais gente, melhor ainda”. A inspiração para esse tipo de gravação veio também do prazer de escutar o que seus cantores favoritos faziam de maneira não profissional. “Sempre busquei vídeos mambembes e gravações meio lado B dos artistas que eu mais gosto”, conta, citando um vídeo amador em que o cantor Pete Doherty canta e toca no violão uma música para a então namorada, a modelo Kate Moss.
"Não é a técnica o que te toca. A técnica te impressiona, o que te toca é a essência" |
“Não importa se é imperfeito, não é a técnica o que te toca. A técnica te impressiona, o que te toca é a essência”, divaga. “Você quer ouvir a gravação de estúdio, mas também quer saber o que o cara fez dentro de casa, no celular, na madruga, ou numa guitarra empenada”, acredita. Ruim para ela é a “falta de incentivo” para as mulheres no ramo da música. “Com exceção de cantoria e composição, mulher não participa de quase nada na gravação de um disco. Isso acontece porque o pai ainda dá uma guitarra de presente para o filho, mas uma boneca de presente para a menina. Você quer que a mulher toque tanto quanto o homem como, se ninguém apoia?”, critica. “Não sou feminista, não tenho bandeira nenhuma, mas quero que as meninas se inspirem em mim e façam o mesmo sim”, provoca.
Artistas relatam experiências no mercado de música independente É cada vez mais comum artistas bancarem um trabalho fonográfico. É o caso de Vandex, 41 anos, vocalista da banda Úteros em Fúria nas décadas de 1980 e 1990. Em 2007, ele se lançou em carreira solo com o clipe da música Erasmo de Rotterdam, dirigido por Isabel Machado. A produção lhe rendeu uma dívida de R$ 3 mil. “Estava tão empolgado que estourei o limite do cartão”, confessa. Em 2010, com o patrocínio da Funarte, ele fez seu primeiro trabalho solo, Ironia Erótica. Agora se prepara para lançar Dialético Dionísio, produzido em casa com a ajuda de softwares que programam os sons dos instrumentos. Lívia Nery, 30, também decidiu trilhar o mercado independente. Depois de 10 anos cantando na noite, bancou seu primeiro disco, um EP com previsão de lançamento para o início de 2014. “Comecei a me equipar para fazer um estúdio caseiro. À medida que ia compondo, ia gravando no computador”, explica Lívia, que juntou R$ 20 mil para tocar o projeto, que envolve desde escolha do repertório ao registro das canções. Sobre esse assunto, Márcia Bittencourt, representante da filial baiana da União Brasileira de Compositores (UBC), explica que o artista pode procurar uma das nove associações que existem no país. O músico também tem a opção de registrar a música (melodia e/ou letra) na Biblioteca Pública do Estado, localizada nos Barris. Eduardo Francisco e Rangel Querino.