Olhe, tá pra nascer alguma coisa que seja mais gostosa em Salvador que o rango que a gente serve aqui. Tem de um tudo. Claro que a gente pensa logo no acarajé, no abará, naquela moqueca servida em panela de barro que chega vem borbulhando. Só que tem uns pratos que não levam nem uma gota de dendê, mas tem certidão de nascimento de Salvador, sabia? Você pode até não saber que eles são daqui, mas tá rebocado quem nunca ouviu falar no pãozinho delícia, nem na torta búlgara, duas receitas que nasceram aqui e, hoje em dia, correm o mundo.
Torta Búlgara (Foto: Angeluci Figueiredo) |
Como um é salgado e outro bem doce, é difícil encontrar quem não seja apaixonado pelos dois. A atriz Jell Oliveira, de 25 anos, é uma dessas pessoas. Ela nasceu em Brasília, morou em Salvador a partir dos três anos, mudou para Aracaju quando tinha 11, viveu no Rio de Janeiro dos 19 aos 24 e voltou a morar aqui. Conheceu o pãozinho quando era criança. “Era clássico, adorava, era a alegria da festa”, lembra rindo. Hoje em dia ela só tem uma queixa: o pão daquela época era donzelo.
Jell é apaixonada por torta búlgara: |
O encontro com o pãozinho repaginado e recheado também rolou quando ela voltou a morar aqui na capital. “Achei bem melhor e mais gostoso, mais molhadinho. Hoje em dia, quando compro sem, já levo o recheio à parte”, explica. Ela conta que já chegou a provar recheios dos mais gourmetizados. “O pão delícia mais requintado que eu comi foi um que vinha com patê de queijo brie”, lembra. Rapare, todas as reportagens deste especial de aniversário têm um tchan a mais no ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO DE SALVADOR
A delícia surge Mesmo que o pãozinho recheado tenha grande aceitação entre a galera que come, ele nasceu mesmo foi sem recheio, pelo menos é o que conta Laila Eliazigi Abboud, de 89 anos, uma das possíveis criadoras da receita que virou clássico das festas de família. Descendente de libaneses, ela diz que a receita nasceu depois de um curso que fez na Escola Kate White. Fizemos um pão lá, mas achei muito duro. Quando cheguei em casa fui mudando a receita”, explica. Ela conta que trocou a água por leite, a gordura vegetal por manteiga e foi chegando aos poucos ao pãozinho delicioso que nós conhecemos. “Cada vez que a gente faz vai se aperfeiçoando”.
A aposentada Laila Eliazigi Abboud criou uma receita de pãozinho depois de participar de um curso de massas (Foto: Angeluci Figueiredo) |
Dona Laila fala que os pães fizeram tanto sucesso que as vizinhas começaram a fazer encomendas. De repente, a parada ficou tão estourada que ela criou uma marca com seu nome e começou a vender para os Supermercados Paes Mendonça. Além dela, a cozinheira Elibia Portela também tem fama de ter inventado a receita. “Não criei o primeiro, aqueles de aniversário. Criei novas massas, mais fáceis, que qualquer pessoa pode fazer”, afirma. É, porque segundo ela, a receita original, que ela aprendeu com a mãe era mais difícil. “A vezes demorava 4 horas para virar pão, porque demorava para fermentar”, diz. Ela simplificou a receita, mas continuou um pão cheio de nove-horas para fazer. O segredo é não colocar a farinha de trigo de uma vez, não deixar a massa ficar dura demais nem passar muito tempo no forno.
Búlgara da Bahia A origem da torta búlgara é muito mais incerta que a do pãozinho. “Ninguém sabe quem criou realmente, mas antes dela surgir nas confeitarias, Dadá já tinha em seu restaurante uma sobremesa chamada Negão da Dadá, muito parecida”, explica a confeiteira Larissa Carvalho.
O Negão da Dadá foi uma homenagem que a quituteira fez a um ex-marido, pouco tempo depois que o casamento acabou, há cerca de 10 anos. “Teve uma tarde que eu estava tão apaixonada, bateu uma vontade de comer um doce, mas não queria repetir minhas receitas antigas”, conta sobre o dia em que o Negão nasceu. Ela decidiu criar uma receita nova, misturou achocolatado em pó, gemas de ovo e açúcar, colocou no fogo em banho-maria e esperou. Estava pronta a sobremesa, que ela serve acompanhada com creme de leite e calda de chocolate.
Apesar da certidão de nascimento ser daqui, ela ganhou nome de estrangeira, mas ninguém sabe quem foi que batizou nem o porquê. Larissa acredita que a ideia foi para pegar carona no em outras sobremesas de origem europeia. “Na época em que foi lançada tinha a torta holandesa e a alemã que faziam muito sucesso”, diz.
A receita baiana extrapolou os limites geográficos e tem gente de até de fora do país que quis aprender a receita (Foto: Angeluci Figueiredo/Arquivo CORREIO) |
Daqui pra lá Como tudo que é bom e gostoso se espalha, as receitas pularam os limites do estado (e até do país) e foram parar em outros lugares. “Já vi a torta lá no Rio de Janeiro, não lembro se com o mesmo nome”, conta Jell. Já Larissa, enquanto fazia um curso de confeitaria no Canadá, fez questão de apresentar a um professor dela, que não entendia nada quando ela falava sobre a iguaria.
O pãozinho também ultrapassou esses limites. A viajada Jell afirma já ter visto essa gostosura no Rio de Janeiro e em Aracaju. Uma das culpadas por essa migração das receitas é Elibia Portela. A cozinheira ensina há muito tempo como fazer um bom pãozinho. “Tenho tido muitos alunos de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Bolívia, Espanha, Itália, Estados Unidos”, diz.
Glossário
Donzelo: sem recheio Rango: comida
Rebocado: duvido
Parada: qualquer coisa que não tenha nome definido
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