*Texto escrito em baianês, por conta do aniversário de 467 anos da cidade de Salvador
Ô, Bê... Deixe de onda que dendê, aqui em Salvador, dá pra usar em um bocado de coisa. Vou largar logo o doce - literalmente: brigadeiro é de longe a mais diferente. Mas na lista de receitas dessa Tia Nastácia imaginária que mais parece com a quituteira Dadá tem ainda pão e pipoca.
E digo mais: não digo é nada! Brinks! Vou dizer porque é bafão: sabia que delícias gringas como Nutella, Kit Kat, Twix e Oreo levam o óleo de palma - nome metido a besta do azeite dendê - em sua composição? Pois é... O mundo todo não se aguenta com um dendêzinho. Mesmo quem não tem ideia do quão crocante é um acarajé de Regina frito na hora. Deve ser por isso que não há quem não pire com um caruru de sete meninos...
Se ligue, viu Muzenza!Guloseimas como Nutella, Kit Kat e Oreo levam óleo de palma, vulgo dendê (Fotos: Divulgação) |
Tem dendê no chocolate. Ou melhor, óleo de palma, que é o nome chique. Tá lá nos ingredientes da Nutella, do Kit Kat, do Twix e do Oreo. Com o creme de avelã mais vendido do mundo, o ingrediente enrustido veio à tona com a notícia da crise na produção de avelãs em 2014. E corresponde, de acordo com a fabricante Ferrero Rocher, a 20% da fórmula.
Mas nem tente conferir nos rótulos do Brasil. “A rotulagem é questão de legislação. Aqui ela é mais frouxa e as empresas colocam algo genérico, como "gordura vegetal"”, diz a nutricionista Katja Gonzalez. Em países com leis mais retadas, como os da Europa, dá para ler nas letrinhas: “palm oil”.
Mas isso não necessariamente significa um barril alimentar. “É uma substituição da gordura trans, então é boa alternativa, pois hoje ninguém mais quer ter gordura trans no rótulo. O negócio é que os alimentos aos quais o óleo é acrescido já são bem calóricos”, afirma a nutricionista.
Se do ponto de vista nutricional não há quizila, pelo lado da ecologia tem um um bocado de problema. Que o diga a ministra do meio ambiente da França, Ségolène Royal. Numa entrevista na TV francesa, a bonita convocou um boicote à Nutella. Isso porque o óleo de palma usado pela Ferrero Rocher vem da Malásia e da Indonésia, maiores produtores do mundo.
O problema é que, para cultivar a palmeira da qual o óleo é extraído, estão derrubando florestas. Na Indonésia, isso ameaça espécies e leva à extinção os orangotangos de Bornéu. O grupo ambientalista Greenpeace, que é boca de zero nove, fez, em 2010, uma campanha com vídeo e ações na porta de escritórios da Nestlé para pressionar a marca a não comprar mais de quem desmata.
A dotôra falôDois fatos nutricionais do dendê, de acordo com a tabela Taco, da Unicamp |
Não é nem esse barril todo. “O dendê tem ácidos graxos em igual proporção, saturados e não-saturados. O ácido palmítico dá uma propriedade não-hipercolesterolêmica”, informa a nutricionista Katja Gonzalez. Trocando em miúdos, ele reduz o colesterol ruim e aumenta o bom. “Em comparação com outros óleos, é o que tem mais vitaminas A e E, que são antioxidantes”, conta ela. E a temperatura de saturação não é das mais baixas. Encurtando a conversa: pra pegar murrinha você tem que esquentá-lo mais do que boa parte dos óleos no mercado.
EU SOU NEGÃOA origem do dendezeiro (Elaeis guineensis) e os lugares onde ele se sentiu em casa, primariamente, de acordo com o Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT), foram o oeste e o centro da África. Mais ou menos do Senegal até um pouco depois de Angola. Aliás, no país que também fala português há um doce tradicional chamado dendéns em calda.
Fora da África, só mesmo no Brasil e na América Central. “Veio para cá com os africanos, que já usavam há centenas de anos” pontua o antropólogo Raul Lody, idealizador do Museu da Gastronomia Baiana e autor de livros como Tem Dendê, tem Axé, Santo Também Come e Bahia Bem Temperada.
Alguns dos livros do antropólogo Raul Lody |
Segundo pesquisador, o consumo de dendê no país se distribui entre a Bahia e estados do norte, como Pará e Maranhão. “É mais presente no recôncavo e amplamente nas comidas do candomblé, como o amalá, acarajé, omolocum. Mas também usa-se muito na região amazônica”, conta o pesquisador.
Nem de comer não éPire ai . “Do dendê utiliza-se tudo para diversos fins. Principalmente em cosméticos”, afirma Raul. Tem até xampu metido a besta com óleo de palma na composição. É o caso do Bain Oléo-Relax, da Kérastase Paris. Na loja de cosméticos Via Paris, no Salvador Shopping, o preço do frasco de 250 ml é R$ 115. “Isso se eu tivesse ainda, viu binho? Porque já esgotou”, conta, por telefone, a vendedora que nunca me viu na vida.
O xampu Bain Oléo-Relax, da Kérastase Paris: óleo de palma na fórmula |
Os países que mais produzem dendê no mundo são Indonésia e Malásia. “O segundo tem mais de 5 milhões de hectares plantados”, diz o pesquisador. No Brasil, o maior produtor é o Pará, com mais de 150 mil hectares de plantação, segundo a Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas do Pará.
Até pra encher tanque de moto e carro querem botar dendê. A Embrapa Agroenergia, ramo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária dedicada à pesquisa de processos para a obtenção de produtos agroenergéticos, já está estudando a produção de biodiesel a partir do dendê.
DICAS DE QUEM ENTENDE DO BABADOConversamos com os chefs Tereza Paim (Casa de Tereza), Matheus Almeida (Cais na Rede), Andrea Nascimento (Solar Gastronomia) e Maria Beatriz Vaz (Poró). Confira o que eles disseram: |
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O brigadeiro de dendê do chef Matheus Almeida fica bem com coco ralado, amendoim triturado ou nibs de cacau (Fotos de Angeluci Figueiredo) |
Preparo
É o preparo comum de um brigadeiro. Apenas substitua a manteiga pelo dendê. Junte os ingredientes numa panela e mexa até começar a desgrudar do fundo da panela. Espere esfriar e enrole. O chef sugere três opções de cobertura: coco ralado, nibs de cacau e amendoim triturado.
A pipoca à baiana, da chef Bela Gil, une dendê e pimenta |
Preparo
Esquente o azeite de dendê em uma panela. Coloque a pimenta (opcional), o milho da pipoca, tampe e deixe em fogo médio. Quando os grãos pararem de estourar, desligue o fogo e aguarde alguns minutos para retirar da panela.
O pão do Restaurante Poró leva dendê de pilão na massa |
Preparo
Misture tudo e sove bastante. Deixe descansar por 20 minutos. Separe as baguetes e deixe crescer por 15 minutos. Asse no forno por cerca de 30 minutos ou até dourar.
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