É quase impossível pensar em Salvador e não imaginar, ao mesmo tempo, o cheiro que vem dos tabuleiros das baianas de acarajé. Andar pelas ruas da primeira capital do Brasil é se encantar com a maravilhosa comida baiana nas praças, nas feiras, nas esquinas e nos restaurantes.
Mas, para além do sabor único dos pratos, as comidas típicas de Salvador guardam história, cultura, ancestralidade e religião. Talvez, justamente por isso, os sabores da gastronomia baiana sejam tão marcantes, envolventes e inesquecíveis.
De acordo com o antropólogo e professor da Universidade Federal da Bahia, Vilson Caetano, a construção do conceito da expressão ‘comida baiana’ se deu através de um sistema culinário particular e restrito a cidade de Salvador, que por muito tempo foi chamada Bahia, e se estendeu para alguns ritos culinários do Recôncavo.
“A culinária baiana nos permite perceber o protagonismo de hábitos alimentares ou dietas dos povos indígenas e dos africanos ao lado das preferências dos portugueses. Na cidade de Salvador, por exemplo, no fim do século XVIII, a primeira informação sobre a presença destas comidas nas ruas foi registrada em uma famosa carta escrita por um professor denominado Vilhena. No documento, ele não escondia a sua repulsa por nossas comidas. Ao lado dos quitutes baianos, ele cita o mocotó, descrito por ele como pés ou mãos da vaca”, explicou o antropólogo.
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Vilson pontuou que a culinária, apesar de ter majoritariamente pratos com dendê, não pode ser restrita à comidas ‘de azeite’, já que essa cozinha é complexa e diversificada onde a ausência do ingrediente é tão importante quanto à sua presença.
“Ainda hoje este sistema culinário baiano é atravessado por preconceitos através da expressão 'comida pesada'. Esta visão preconceituosa das comidas de origem africana e indígena é fortalecida pelo discurso médico produzido no século XIX pela Escola Baiana de Medicina. É apenas no final de 1930 que estas comidas que se reportavam à Bahia vão aparecer em matérias de jornais de forma positiva”, relatou o professor.
Origem dos pratos baianos mais conhecidos e onde saboreá-los
Em entrevista ao portal iBahia, Iuri Barreto, @Soteropobretano, e Larissa d'Eça, do @AsMelhoresCoisasdeSalvador, indicaram quais são os seus restaurantes e bares favoritos que servem os mais tradicionais pratos da culinária baiana. Além disso, o antropólogo Vilson Caetano deu alguns detalhes sobre a origem destes pratos baianos. Confira!
- Acarajé, Abará e Caruru Completo
De acordo com Vilson, muitos estudiosos afirmam que não temos uma cozinha africana no Brasil, o que, para o antropólogo, não é uma verdade. “Na Nigéria, por exemplo, come-se as mesmas iguarias que são encontradas em Salvador, como o acarajé e o abará”.
Os pratos, que hoje são conhecidos internacionalmente, têm a sua essência fundamentada nas religiões de matrizes africanas, pois são oferendas sagradas para os orixás.
Ainda segundo Vilson, o acarajé, por exemplo, no século XVII, era vendido nos mercados por africanas em situação de escravidão. Nos terreiros, este alimento representa a própria orixá Oyá.
Vilson explicou também que a presença dessas africanas e das suas descendentes nas ruas é antiga. O hábito servia de renda para dar a essas mulheres liberdade, joias, imóveis e também para pagar coisas referentes a sua vida nas religiões afro-brasileiras.
"Já que o mercado e a venda são sagrados, os filhos de santo iam para as ruas para venderem as comidas dos seus orixás. A partir disso, começou a criar uma associação da figura de baiana de acarajé com Iansã", explicou o antropólogo.
Melhores lugares para se comer Acarajé, Abará e Caruru Completo por Iuri e Larrissa
Acarajé
Acarajé da Carmem - Estação da Lapa - Mais informações
Acarajé Dária e Laura - Pituba e Boca do Rio - Mais informações
Abará
Abará da Vovó - Santo Antônio Além do Carmo - Mais informações
Abará do Original - Imbuí - Mais informações
Caruru Completo
Restaurante do Senac - Pelourinho - Mais informações
Dona Mariquita - Rio Vermelho - Mais informações
- Feijoada
Vilson explicou que a feijoada é outro prato que nos remete ao nosso passado africano, mas não somente por ter sido elaborada nas senzalas a partir das sobras desprezadas pelos senhores.
“A feijoada ficou amplamente conhecida através de negros e negras a partir do final do século XVIII, quando o hábito de comer feijão passou a impor-se sobre ao de comer farinha”, detalhou.
Melhores lugares para se comer feijoada por Iuri e Larissa:
Aconchego da Zuzu - Garcia - Mais informações
Kombi 4 Rodas - Amaralina - Mais informações
- Cozido
De acordo com o antropólogo, cozido era o nome de uma preparação e não de um prato. "Mas, dentre nós baianos, o prato não apenas nos remete a várias verduras, mas ao pirão sob o qual se deita as carnes e as verduras. O pirão é nosso, é indígena. A base de mandioca ou de milho aparece descrita por cronistas", explicou.
Melhores lugares para se comer cozido por Iuri e Larissa:
Bar do Jonas - Costa Azul - Mais informações
Reunião Bar e Restaurante - Pernambués - Mais informações
- Malassado
“Prato caro, ora pela carne que sempre foi item escasso até o início do século XX, ora pela técnica de produzir uma crosta por fora da carne e deixá-la macia por dentro. Há preparações semelhantes na cozinha da África Ocidental”, explicou o professor.
Melhores lugares para se comer malassado indicados por Iuri e Larissa:
Café CGC - Praça da Sé - Mais informações: (71) 3321-0074
Caxixi - 2 de julho - Mais informações
- Maniçoba
“Certamente, a maniçoba é de origem indígena, mas africanos também comiam folhas da mesma maneira. Isso gerou confusão em alguns autores quando disseram que essa prática seria a origem do caruru indígena. Hoje já sabemos que o nome do prato feito à base de quiabos ou de folhas do mesmo nome é quimbundo, portanto é uma comida africana”, detalhou o antropólogo.
Melhores lugares para se comer maniçoba indicados por Iuri e Larissa:
Bar do Jorge - Pituba - Mais informações
Restaurante A Venda - Mais informações
- Moqueca
Vilson pontuou que quando se fala sobre a preparação de um determinado prato, é difícil falar de origem, pois a comida pode ter nascido da contribuição de elementos e técnicas culinárias de várias culturas.
Desta forma, segundo o antropólogo, a ideia de acordo cultural é muito importante. O acordo cultural é a maneira como um determinado grupo concebe uma comida.
“O exemplo disto é a moqueca baiana que se diferencia da moqueca capixaba que não leva azeite de dendê, além de ter outros ingredientes diferentes. Assim tem-se reivindicado que moqueca sem dendê não é moqueca. A palavra moqueca pode até ser de origem indígena, mas a prática de moquear também é uma técnica largamente empregada pelos africanos. Na colônia, todo peixe era moqueado para ser conservado. Talvez tenha surgido daí a expressão moqueca. Antes do contato com os portugueses, os povos indígenas já faziam o seu moquém (local para assar peixes). Todavia, a forma como é construído o prato e os ingredientes que entram na sua composição nos permitem relacioná-lo às muitas iguarias afro-brasileiras”, explicou.
- Melhores lugares para se comer moqueca indicados por Iuri e Larissa:
Restaurante Axego - Pelourinho - Mais informações
Restaurante Recanto da Tia Maria - Pedra Furada - Mais informações (71) 3314-7136
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Redação iBahia
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