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DIA DA MULHER

43 anos de história e resistência: conheça as Filhas de Gandhy, primeiro bloco feminino de afoxé da Bahia

Para além do Carnaval, o Afoxé Filhas de Gandhy tem como propósito manter viva a tradição da cultura negra e o respeito pela ancestralidade

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Bianca Andrade

08/03/2023 às 8:00 - há XX semanas
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					43 anos de história e resistência: conheça as Filhas de Gandhy, primeiro bloco feminino de afoxé da Bahia
Foto: Afoxé Filhas de Gandhy

O dom de encantar, com um mistério que bate no coração, e brilho que parece o sol derramado, "um céu prateado, um mar de estrelas", faz jus a beleza plural encontrada no Brasil, mas o 'Ijexá', cantado por Clara Nunes, uma composição de Edmilson De Jesus Pacheco, tem destinatário certo, o tradicional tapete branco pintado pelos Filhos de Gandhy.

Por anos, mais especificamente 30 entre 1949 e 1979, o único pensamento ao sentir o perfume da lavanda na avenida era esse, "lá vem o Gandhy com a patuscada".

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O passo para mudar a história, que ainda carece de visibilidade, mas é rica em potências, foi dado em 1979 quatro anos após a Organização das Nações Unidas instituir o dia 8 de março como 'Dia Internacional das Mulheres', por quem desejava se sentir parte de um verdadeiro movimento, em meio a todas as dificuldades e olhares tortos da sociedade. Ali, surge a Sociedade Recreativa e Cultural Afoxé Filhas de Gandhy.


				
					43 anos de história e resistência: conheça as Filhas de Gandhy, primeiro bloco feminino de afoxé da Bahia
Foto: Afoxé Filhas de Gandhy

"Nós somos o primeiro bloco de mulheres afoxé da Bahia. A 50 anos atrás, o Carnaval era mais dos clubes, na época era um Carnaval mais privatizado, elitizado. E aí vem os blocos de periferia, e surge os Filhos de Gandhy. Algumas mulheres já faziam parte, contribuíam um pouco com a organização, mas não tinha direito a voz. E parte das mulheres que faziam parte da cultura de Salvador, através da dança, através dos candomblés, mães de santo, através de conversas, decidiram de formar o Filhas de Gandhy, com apoio dos Filhos", conta Cherry Almeida, diretora do Afoxé Filhas de Gandhy.

Nesse grupo de mulheres entra Gliceria Vasconcelos, Iarobá de Iroko, filha do Ilê Axé Omim Yamassê, o famoso Terreiro do Gantois, que é diretora do coletivo desde a fundação; a professora, compositora, etnomusicóloga e folclorista Emília Biancardi Ferreira, fundadora do grupo folclórico Viva Bahia; e a dançarina, cantora e produtora cultural Silvana Magda.

"Minha irmã, Gliceria Vasconcelos, tomou essa responsabilidade de tocar o bloco, e de lá para cá, nós vivemos nessa luta, nessa perseverança e resistência de manter um bloco de mulheres pretas, mulheres pardas, mulheres de terreiro, do axé, espíritas, que quer inclusão das mulheres não só no dia de brincar, mas também na construção de um bloco de Carnaval, nos bastidores da festa."

Pintando a avenida de branco, com um toque feminino

Em entrevista ao iBahia, Cherry Almeida faz um pedido, o de reforçar o propósito do bloco Afoxé Filhas de Gandhy: "Nós da Filhas de Gandhy, mantemos as nossas tradições, de respeitar as mulheres antigas, as nossas Ekedis, Yabás, nós respeitamos o que é ser um afoxé. Porque nós viemos do terreiro, somos frutos do terreiro. Respeitar o terreiro, a nossa história, nossa ancestralidade e a forma como queremos colocar nossa cara na rua. Não somos um bloco que muitas pessoas se identificam, mas as que se identificam com as Filhas de Gandhy, se identificam com a nossa cultura e nossa história."

Na organização do Carnaval, o Afoxé Filhas de Gandhy desfila na avenida atrás dos Filhos de Gandhy. A ordem foi um pedido para dar mais proteção ao bloco das mulheres, e antes de iniciar o desfile, os rituais são os mesmos feitos no bloco masculino.


				
					43 anos de história e resistência: conheça as Filhas de Gandhy, primeiro bloco feminino de afoxé da Bahia
Foto: Max Haack/Ag Haack

"Os blocos de afoxé acabam sendo uma extensão dos terreiros. Então antes de sair nós fazemos o padê, que é uma referência ao orixá, solicitando a abertura da estrada para que as nossas associadas brinquem em paz, é uma mediação entre o céu e a terra. Nós fazemos o ritual."

Para o desfile, roupas brancas, assim como os Filhos de Gandhy, ojá e alfazema, a diferença pode estar nas cores do colar e na cor da alfazema borrifada na avenida. Em 2023, o Afoxé Filhas de Gandhy teve como tema a Lagoa de Abaeté.

"O cheiro é o mesmo, mas a cor fica um pouco diferente. A deles é aquela verde, e a nossa ficou um pouco rosa, é só para identificar mesmo que é das mulheres. Às vezes usamos colares com contas rosa, mas a proposta é a mesma. Às vezes nós conversamos, pedimos para não cortar a roupa, nós não somos um bloco de Carnaval para fazer é customização do abadá, nós temos um manto que é a nossa história."

"Não sabia que vocês existiam"

Os quase 44 anos de luta ainda não deram o resultado necessário para que o bloco Afoxé Filhas de Gandhy tenha o mesmo reconhecimento que a versão masculina do bloco. Ao site, Cherry conta que colocar o bloco na rua e manter o projeto vivo, com todos os serviços que elas ofertam para além do Carnaval, é uma tarefa árdua, mas que não deixará de existir.

"Uma resistência que nós temos é justamente a sociedade que vivemos. É uma sociedade, capitalista, machista, preconceituoso e discriminatória. Quando criamos um projeto, nós não temos força, de estar na mídia o tempo inteiro, de fazer um grande lançamento e quando nós fazemos isso as pessoas não vão. Porque o poder da sociedade ficou com um sexo, e ele é masculino. Essa necessidade que esse sistema tem de excluir as mulheres negras é muito forte, não é só um discurso, é a prática é você sentir da pele", conta Cherry.

Neste ano, o bloco não foi contemplado pelo edital Carnaval Ouro Negro, da SecultBA. "Embora, nós tivéssemos 70 pontos nós não fomos aprovados no Ouro Negro, então que dificultou mais as coisas ainda. A verba para trio, para roupa, cordeiro, lanche, cantora, banda, é toda uma estrutura que tem que ser montada para o bloco sair".

Sem o espaço dentro e fora do Carnaval, o Afoxé Filhas de Gandhy acaba tendo também os serviços ofertados para a população invisibilizados.

"Quando nós chegamos no balcão para colocar nossos abadás, 'Filhas de Gandhy? Eu não sabia nem que vocês existiam'. Fomos fazer uma apresentação no Mercado Iaô e as pessoas não sabiam que existíamos a mais de 40 anos. Nós temos Universidade para Todos, fazemos cursos de informática, cursos de turbante, para aprender a tocar atabaque, agogô. Ao longo de todo o ano", pontua.

De Filhas para Filhas

A tradição é passada de geração para geração, e com o Afoxé Filhas de Gandhy não é diferente. Desde Gliceria para Silvana, mãe e filha, para outras tantas mulheres que desejam perpetuar a história do primeiro bloco feminino de afoxé da Bahia.


				
					43 anos de história e resistência: conheça as Filhas de Gandhy, primeiro bloco feminino de afoxé da Bahia
Foto: Afoxé Filhas de Gandhy

Para isso, o movimento pretende criar o projeto 'Gandhynhas', que incentivará mães a levarem suas filhas para o desfile e os serviços ofertados.

"Estamos chamando as mulheres que desfilam com a gente para que tragam suas filhas, suas netas para esse projeto, 'As Gandynhas', um núcleo infantil das Filhas de Gandhy, porque nós queremos continuar vivas, continuar existindo. Queremos trazer as crianças para que elas aprendam a trançar o cabelo, tocar o atabaque, o agogô, que elas entendam a importância de um bloco de afoxé, queremos formar essas crianças para que no futuro elas mantenham essa luta acesa".

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