A Câmara dos Deputados está na iminência de criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar esquemas de manipulação de resultados em jogos da última rodada da Série B do ano passado. A proposta de instalação da CPI vem ganhando força em Brasília após a operação "Penalidade Máxima", deflagrada pelo Ministério Público de Goiás, apontar indícios de que um apostador online teria cooptado jogadores do Sampaio Corrêa, Tombense e Vila Nova para cometerem pênalti no primeiro tempo de seus jogos. Se comprovada e a depender de sua extensão, a fraude pode ter criado uma legião de milionários e levado alguns clubes ao inferno do rebaixamento, com perdas financeiras enormes.
Para quem acha que isso é algo inédito, basta relembrar o Campeonato Brasileiro de 2005, paralisado pelo escândalo conhecido por Máfia do Apito, e que teve 11 jogos anulados e posteriormente refeitos. Por trás do esquema com a arbitragem havia a suspeita de que as fraudes ocorriam em conluio com apostadores em sites de jogos baseados no Reino Unido.
Porém, a relação promíscua entre futebol, apostadores e casas de apostas é muito mais antiga do que parece e tem seus primeiros relatos vindos há mais de 100 anos.
O pesquisador Bill Murray conta em "Uma História do Futebol" que, na Grã-Bretanha, por volta de 1930, ao contrário do que já ocorria na Europa Central e Meridional, o individualismo era desaprovado e o talento dos atletas era menos louvado que a garra. Não se permitia que os jogadores desenvolvessem um orgulho excessivo e os craques recebiam o mesmo salário que os outros jogadores menos brilhantes.
Naquele momento em que o profissionalismo avançava pelo mundo do futebol, os dirigentes britânicos deixaram em segundo plano a possibilidade de libertar os jogadores das restrições financeiras, que os confinavam a um salário humilde e proibiam ganhar dinheiro fora do clube, e passaram a se preocupar com mais urgência quando o esporte se viu ameaçado pela mácula do dinheiro com uma possível “fonte de corrupção”: a loteria esportiva.
Nem mesmo a questão moral de disputar partidas contra fascistas ou nazistas causou tanto drama de consciência entre dirigentes e torcedores.
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"Tornando-se coqueluche nos anos 1930, em alguns países, os sonhos de fortuna dependiam da loteria de números; e, na Grã-Bretanha, da combinação de resultados de jogos de futebol. Para muitas pessoas era um passatempo inofensivo", segundo Murray. O autor explica que muitos vieram a se interessar pelo futebol apenas por causa da loteria.
Muito populares, as apostas em resultados de alguns jogos já aconteciam com restrições a jogadores e funcionários dos clubes desde 1890. Embalados nessa onda, os jornais impressos vendiam cartelas e ofereciam prêmios aos seus leitores até 1928, quando o governo britânico interveio e tentou colocar o serviço postal no páreo. Neste período, casas lotéricas ganhavam dinheiro, o governo arrecadava muito em tributos e os correios se expandiam com a venda de vales postais.
Os dirigentes de futebol tentaram contra-atacar ainda em 1936, pondo fim às suas ligas esportivas para derrubar o esquema de milhões de libras apostados na loteria. Mas, nesta queda de braço, acabou vencendo o jogo de azar. Isso porque, além do apoio dos jornais, a prática gerava uma grande quantidade de empregos, principalmente para mulheres que conferiam os cartões de apostas.
Com as apostas liberadas, de acordo com Bill Murray, "o público britânico estava então livre para se preocupar com as ‘crises menores’, como as contínuas atrocidades de Benito Mussolini na Etiópia e a reocupação da zona desmilitarizada do Vale do Reno por Adolf Hitler.
Para o autor, nem a liderança política britânica mostrava-se muito interessada em tais assuntos. Ele conta que, em setembro de 1938, o conservador Neville Chamberlain, primeiro-ministro do Reino Unido entre 1937 e 1940, falou que o povo da Grã-Bretanha “não tinha que se preocupar com a sorte de povos de terras distantes, dos quais pouco se sabia”, referindo-se ao desmembramento da Tchecoslováquia, fato que apontava para o início da Segunda Guerra Mundial.
Voltando ao Brasil e aos dias de hoje, o Governo Federal parece simpatizar com a CPI, pois a discussão sobre a necessidade de regulamentar as apostas esportivas interessa ao Ministério da Fazenda, que está prestes a soltar uma MP nesse sentido. Segundo dados da própria imprensa, acredita-se que o setor possa pagar entre R$ 6 bilhões e R$ 9 bilhões em tributos anuais aos cofres públicos.
Ou seja, questão de grana e de aposta por todos os lados!
Silvio Tudela
Silvio Tudela
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