Os 33º Jogos Olímpicos da Era Moderna chegaram ao fim e agora tudo é lembrança. Do atentado ao sistema ferroviário francês, exatamente no dia da cerimônia de abertura, em 26 de julho, ao seu término, em 11 de agosto, Paris-2024 já entra para a História por, justamente, fazer história e contar tantas outras desconhecidas até então, mostrando personagens que retornaram e outros que foram apresentados ao mundo pela primeira vez, cada um com um enredo, um drama e um destino que foi sendo revelado durante as competições.
Com o slogan “Ouvrons grand les Jeux” (Jogos para Todos), Paris-2024 contou com 206 países participantes e 10.714 competidores - incluindo os Atletas Individuais Neutros (AIN) e os esportistas da Equipe Olímpica de Refugiados (EOR). Os 329 eventos distribuídos por 32 esportes ocorreram na capital francesa, principal anfitriã, em 16 outras cidades espalhadas pela França Metropolitana, e numa subsede no Taiti, país ultramarino na Polinésia Francesa.
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Este momento mágico em que tantos povos se encontram com um mesmo objetivo vai muito além das competições esportivas em si, pois revela a complexidade do mundo em que vivemos e expõe as inúmeras diferenças sob o olhar atento de todo o planeta. Diversas questões foram colocadas à prova, como nacionalismos, globalismos, diásporas, laços entre Colônias e Metrópoles, alinhamentos, parcerias, mágoas, ressentimentos, traições, interesses e disparidades econômicas, políticas públicas e de defesa dos direitos humanos, preocupações ambientais e de segurança internacional, terrorismo, violência de gênero, intolerância religiosa, perseguição a minorias, entre tantos outros.
Por si só, a descentralização da cerimônia de abertura já demonstrou isso. Considerada como a mais ousada em todos os tempos por ter sido realizada fora de uma arena esportiva, a solenidade simultânea no Jardins du Trocadéro e às margens do Rio Sena, com a pira olímpica em forma de um balão sendo acesa no Jardin des Tuileries, foi vista como lindíssima para uns, caótica para outros e longa demais para a grande maioria. Realizada sob uma chuva torrencial que afastou o público real e pareceu agradável somente para quem assistiu pela televisão, a cerimônia de abertura, que é o momento em que o país-sede se apresenta ao mundo, reafirmou os históricos valores franceses de igualdade, fraternidade e liberdade, e atualizou sua missão ao trazer conceitos como sororidade, diversidade e inclusão.
Era evidente que esse upgrade civilizatório não passaria despercebido e, por questões de pura ignorância e de desconhecimento histórico sobre o conceito pagão dos Jogos
Olímpicos, algumas apresentações foram alvo de irados discursos de ódio de fundamentalistas religiosos e de movimentos políticos ligados à Extrema Direita. Nem bem havia acabado a solenidade e as redes sociais já estavam inundadas por conteúdos que não se conformaram com o multiculturalismo apresentado, a presença de imigrantes no lugar de franceses, e drag queens e pessoas com orientação LGBTQIAPN+ sendo celebradas no maior palco do mundo naquele momento. Até mesmo os atletas de altíssimo nível e ícones de edições passadas dos Jogos Olímpicos que levaram à chama olímpica pelo Rio Sena foram criticados por serem estrangeiros, como Carl Lewis, Rafael Nadal, Nadia Comaneci e Serena Williams.
Ignorantes e mal-intencionados confundiram e manipularam símbolos pagãos e obras artísticas clássicas com uma iconografia religiosa a fim de reforçar seus posicionamentos retrógrados. Houve polêmica se a apresentação da norte-americana Lady Gaga foi ao vivo ou pré-gravada e protestos contra artistas não vistos como franceses genuínos. Última apresentação artística do evento e a mais aguardada de todas, a canadense Céline Dion, afastada da cena musical por graves problemas de saúde, parece ter sido a única a conseguir ser uma unanimidade e passar ilesa a tantas críticas. Irrepreensível, da Torre Eiffel, soltou sua voz para o mundo cantando “Hymne A L'Amour”, imortalizada por Édith Piaf, a maior de todas as cantoras francesas.
A audiência local e planetária questionou a participação de Israel em meio à guerra que trava contra o Hamas e a delegação israelense chegou a ser alvo de vaias e de protestos do público pró-Palestina, principalmente nos jogos da seleção sub-23 no futebol masculino e na cerimônia de abertura. A participação de Israel soou também como uma contradição à suspensão da Rússia e da Bielorrússia por violarem a Trégua Olímpica devido à invasão e ao conflito na Ucrânia. Com as suas delegações banidas, atletas russos e bielorrussos só puderam competir como "Atletas Individuais Neutros" (AIN), sem identificação nacional e desde que não fizessem qualquer manifestação de apoio à guerra. Invisibilizados, não foram considerados como uma delegação durante a cerimônia de abertura e nem apareceram no quadro de medalhas.
Os Jogos Olímpicos também marcaram o retorno da Coreia do Norte, que havia sido suspensa nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022 após a desistência de participar em Tokyo-2020, por causa de temores com a pandemia de Covid-19.
Como forma de protesto contra os próprios franceses, os atletas da Argélia, ainda em meio à solenidade de abertura, lançaram rosas vermelhas no Rio Sena durante o desfile das delegações. A manifestação foi uma homenagem aos milhares de argelinos mortos durante a sangrenta Guerra de Independência Argelina contra o domínio francês e àqueles que tiveram seus corpos lançados no mesmo rio em um dos ataques em Paris no ano de 1961.
Num momento que lança seu olhar para o futuro, não se sabe ainda se Paris-2024 cumpriu a promessa de ser a primeira edição dos Jogos a ser 100% sustentável e se conseguiu reduzir a produção de carbono pela metade, de acordo com a Agenda Olímpica 2020+5 e o Acordo de Paris. Mas o que se viu foi que a sonhada despoluição do Rio Sena fracassou e foi criticada por atletas e delegações estrangeiras, após diversas competições terem sido adiadas e surgirem casos de adoecimento de esportistas.
Enfim, em Paris-2024, como em todos as outras edições olímpicas, o que aconteceu fora das competições continua a fazer parte do incrível jogo geopolítico que é disputado todos os dias e será atualizado em Los Angeles, daqui a quatro anos.
Silvio Tudela
Silvio Tudela
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