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Tabus, Tretas e Troças

Garçom do Karma de Cuca veio cobrar seu pecado original

Treinador parece ainda não ter entendido que violação do corpo feminino é um crime

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Silvio Tudela

01/05/2023 às 9:00 • Atualizada em 02/05/2023 às 12:33 - há XX semanas
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					Garçom do Karma de Cuca veio cobrar seu pecado original
Foto: Divulgação

O assunto deveria ser outro, como a manipulação de resultados por apostadores na Série A ou a recente pesquisa que aponta a predominância de torcedores de clubes do Rio de Janeiro e de São Paulo no Nordeste. Mas, é impossível não falar de Alexi Stival, mais conhecido como Cuca, treinador e ex-jogador brasileiro. Seu nome esteve num verdadeiro furacão desde que foi anunciado como técnico do Corinthians, time no qual ficou por sete dias incompletos.

Se, por um lado, é inquestionável o seu valor e currículo vitorioso enquanto técnico, a sua condenação por estupro de uma menina de 13 anos enquanto excursionava pela Suíça como atacante do time do Grêmio, em 1987, é vergonhosa. A história contada em Tabus, Tretas e Troças em janeiro deste ano, novamente voltou à tona e da forma mais avassaladora possível, pois envolveu um dos clubes brasileiros em que a defesa de valores como democracia, direitos humanos e igualdade são até, para a maior parte de sua torcida, mais importantes que os resultados em campo e a possibilidade de conquistar títulos.

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Nem mesmo o fato de ser um dos três técnicos (ao lado de Luiz Felipe Scolari e Abel Ferreira) que conquistou a clássica Tríplice Coroa (Libertadores da América, Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil) por um mesmo clube brasileiro, feito que obteve dirigindo o Atlético Mineiro, e por ter dirigido mais de 20 clubes conseguiu aplacar a fúria de grande parte da torcida corintiana com a sua contratação.

A desastrosa escolha do presidente corintiano Duílio Monteiro Alves, filho do criador do movimento conhecido como Democracia Corintiana nos anos 1980, rachou a diretoria, jogadores, torcedores e uniu praticamente a totalidade de comentaristas esportivos. Em poucos dias, a imprensa foi a fundo nas contradições entre o que o técnico disse em sua apresentação ao clube e o que aparecia nos relatos da época, como nunca havia feito até então.

É evidente que todo ser humano tem o direito a uma nova chance e a reconstruir sua vida após erros gravíssimos, mesmo com o passar de tanto tempo. E Cuca não parece ser uma má pessoa, muito pelo contrário.

Talvez seu grande pecado tenha sido o de não admitir que o que fez foi muito grave e condenável. Mesmo com a gritaria geral após o anúncio de sua contratação (o que ocorreu também em outros clubes por onde passou), o problema foi se avolumando quando o treinador afirmou, em sua primeira entrevista à frente da equipe paulista, com fala mansa e tranquila, que não manteve nenhum tipo de contato com a garota, pois estava numa espécie de quarto conjugado com os atletas (Henrique Arlindo Etges, Fernando Luís Castoldi e Eduardo Henrique Hamester) que participaram da violência sexual.

Sem pestanejar, disse que a vítima não o reconheceu durante a investigação e que foi julgado e condenado à revelia pelo estupro coletivo. Jornalistas foram a fundo no assunto que ficou conhecido como o Escândalo de Berna e conseguiram, com o advogado da vítima, evidências que havia sêmen do treinador na adolescente, que ele foi reconhecido por ela e que advogados do Tricolor Gaúcho participaram da defesa e do julgamento. Pior ainda foi ter dito, ao final da entrevista, que não tinha que pedir desculpas a ninguém.

Foi um acinte e uma falta de empatia com a vítima, pois, mesmo que não tivesse participado, o então jogador poderia ter impedido que o crime acontecesse. Sua declaração soou também como uma agressão contra a imensa torcida feminina do time e com todas as mulheres do país que registra um estupro a cada oito minutos.

É evidente que nada poderia mudar o passado, mas seria de bom tom que o treinador admitisse sua omissão ou participação, que dissesse estar arrependido de uma ação cometida há 36 anos, que gostaria de se desculpar perante a vítima e de atuar na causa da defesa do corpo da mulher, sempre massacrada pela nossa cultura machista. Nada disso aconteceu e Cuca perdeu a chance de um ato de grandeza, de assumir sua falta de letramento quanto à violência cometida contra a mulher, de redimir-se pelo ocorrido e de tentar melhorar, pois ambiente no clube haveria para tal iniciativa de redenção.

Das seis grandes e tradicionais torcidas organizadas do clube, todas manifestaram seu repúdio com a contratação, à exceção da maior delas, a Gaviões da Fiel, que preferiu o silêncio e, conta-se, foi consultada antecipadamente sobre a contratação, refletindo um traço inquestionável de como nossa sociedade tem ainda muito a evoluir. Uma avalanche de protestos ganhou forma nas redes sociais dos torcedores e até mesmo os adversários arquirrivais começaram a questionar se os valores pregados pelo clube realmente eram autênticos ou peças de marketing, uma vez que a instituição estava fazendo exatamente o oposto do que prega ao criar campanhas como #RespeitaAsMinas. Até o campeoníssimo time feminino alvinegro manifestou sua rejeição e engrossou o caldo com um manifesto público.

No jogo decisivo pela terceira fase da Copa do Brasil, contra o Remo, o treinador foi vaiado quando sua foto apareceu no telão da Neo Química Arena. E mesmo com a classificação obtida de forma sofrida nos pênaltis e um abraço coletivo dos atletas ao fim da partida, Cuca pediu demissão logo após o jogo, colocando-se como vítima por conta da pressão que ele e sua família vinham sofrendo devido a sua condenação por abuso sexual à vulnerável, em 1989.

Das reflexões que ficam - e são infinitas -, uma que vem à tona é não confundir diretores e donos de times com torcedores e suas visões antagônicas quanto aos interesses e valores do clube. Por sete dias, a vergonhosa gestão preferiu dar de ombros para o crime de estupro cometido, passar pano para a condenação sem o cumprimento da pena pelo treinador, e apostar que os primeiros bons resultados em campo apaziguariam a torcida e acontecesse o mesmo que houve em dezenas de outros clubes por onde Cuca passou: o esquecimento.

Este tipo de estratégia até funcionou na imensa lista de times que Cuca treinou nos últimos 25 anos e destacados aqui em ordem alfabética, como Atlético Mineiro, Avaí, Botafogo, Brasil de Pelotas, Coritiba, Criciúma, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Gama, Goiás, Grêmio, Inter de Lages, Internacional de Limeira, Palmeiras, Paraná, Remo, Santos, São Caetano, São Paulo, Shandong Luneng (China) e Uberlândia.

Se demonstrasse estar mais disposto a entender que o mundo mudou e que as pautas identitárias são muito mais combativas hoje em dia e que Nossa Senhora da Internet não deixa que certas coisas caiam no oportuno esquecimento, Cuca poderia ter dado muito certo no Corinthians e feito história. Mas quando confrontou os princípios de um clube que se vangloria deles, a casa caiu e talvez leve um tempo para se reerguer. Ou não, pois há sempre passadores de pano para quem traga resultados imediatos.

Para a equipe, que em 112 anos de história, já colecionou glórias e fracassos, jejuns de títulos, conquistas mundiais e um triste rebaixamento, essa contratação seguirá para sempre como um desvio de percurso e uma ferida difícil de ser cicatrizada. Talvez da mesma forma que ainda é para a vulnerável menina de 13 anos abusada num hotel em Berna...


				
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