Já em Salvador e a poucos dias do jogo entre Brasil e Uruguai pelas Eliminatórias, Marcos Aoás Corrêa (Marquinhos), zagueiro do PSG, pediu que ninguém desista da Seleção e que não a deixem de lado, não importando a fase que a equipe esteja. O apelo sincero do jogador foi em parte atendido pela torcida, o que mostra que quem abandonou a Seleção Brasileira foi a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e não o torcedor, seja ele quem for.
Para deixar claro, a 22ª passagem da Seleção Brasileira por Salvador não foi das mais memoráveis e, muito pelo contrário, trouxe frustração e ressignificações sobre a conexão dos torcedores com a equipe e o perfil daqueles que puderam pagar para assistir ao jogo contra o Uruguai na Arena Fonte Nova. A grande expectativa e a enorme rivalidade que ronda um dos maiores clássicos do futebol mundial entre duas das mais grandiosas seleções nacionais prometia muito, mas o resultado do confronto mais que centenário e que já decidiu torneios internacionais, Copa América (inclusive em Salvador) e até uma Copa do Mundo decepcionou a torcida.
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A começar pelo período de treinos realizados no Estádio Manoel Barradas, onde os torcedores inicialmente foram impedidos de ver os treinos e demonstrar o seu carinho aos jogadores que vestem o uniforme verde e amarelo. Contato mais próximo mesmo somente na chegada ao hotel.
Se nos preparativos para o jogo contra o Uruguai o clima já não era dos melhores, em função do momento vivido pela Seleção, ele acabou ficando mais frustrante quando os valores exorbitantes dos ingressos foram revelados. O impacto foi sentido nas arquibancadas, pois os setores mais caros (entre R$ 400 e R$ 800 a inteira) ficaram praticamente vazios e os mais baratos (R$ 100 e R$ 200 a inteira) não chegaram a ser totalmente preenchidos. A CBF disponibilizou cerca de oito mil lugares com "ingressos solidários" (R$ 100) mediante a doação de dois quilos de alimento.
Com capacidade máxima em torno de 50 mil lugares, a Arena Fonte Nova recebeu 41.511 torcedores, mas os grandes espaços vazios foram destacados nas transmissões dos jogos e se tornaram motivos de comentários negativos de praticamente toda a imprensa esportiva que, inclusive, clamou à presidência da CBF para que abaixasse os valores dos ingressos. Foi realmente melancólico ver um dos mais bonitos estádios do Brasil com anéis vazios para receber um jogo de tamanha importância para o futebol mundial. Ao perceber a forte repercussão negativa na imprensa e nas redes sociais, a CBF informou que não determina o preço dos ingressos e que segue sugestões das Arenas, mas admitiu que pretende assumir a administração e determinar os preços a partir da próxima Data FIFA.
O jogo na Fonte Nova também vem comprovando um fenômeno muito curioso com relação ao estado de ânimo e o perfil dos torcedores que passaram a frequentar as modernas arenas que foram construídas para a Copa do Mundo de 2014. Com o alto preço praticado nos ingressos, nos serviços oferecidos no estádio e nos estacionamentos, por exemplo, não é de hoje que vem se discutindo o avanço do processo de gentrificação dos torcedores da Seleção Brasileira e dos clubes nacionais e o afastamento das camadas mais populares do espaço esportivo.
O que se viu nas arquibancadas da Fonte Nova, ao menos pela televisão antes do jogo começar, foi uma torcida artificial que levantava pequenas bandeiras sem nenhuma mensagem, parecendo uma imitação das antigas e elitistas torcidas uniformizadas de meados do século passado e das plateias ensaiadas de programas de auditório. Um grande estandarte reverenciando alguns dos principais heróis pretos na história da Seleção Brasileira foi sendo desenrolado em frente às câmeras de TV que faziam a transmissão antes da bola rolar. Mas a beleza e a importante homenagem geraram numa atmosfera melancólica, tendo ao fundo uma triste imensidão de cadeiras vazias.
Golaço contra o racismo
Na véspera do Dia da Consciência Negra, o jogo marcou a primeira implementação do Gesto Antirracismo da FIFA no Brasil, no qual os jogadores podem agora sinalizar ao árbitro atos de abuso racial com o gesto específico de cruzar os braços à frente do peito. O ato poderá levar à interrupção imediata da partida, suspensão temporária do jogo em caso de reincidência e até cancelamento definitivo se os incidentes persistirem.
Bola fora nas redes sociais
A influencer Duda Fournier, que se denomina nas redes como “cristã, esposa e mãe de dois príncipes” e é casada com Lucas Paquetá, jogador do West Ham, viralizou ao aparecer em um vídeo que vazou por amigos comentando seu medo de ser assaltada em Salvador e de ter sua orelha arrancada no Pelourinho e no Farol da Barra.
A repercussão foi tão grande que chegou aos veículos de comunicação e autoridades do Poder Público, o que fez jornalistas e vereadores citarem o panorama da violência no Rio de Janeiro, terra de Lucas Paquetá, e o fato do jogador ser investigado por envolvimento na manipulação de resultados em jogos de futebol, por receber cartão amarelo para ganhar suposta comissão de casas de apostas.
Torcida apoiou, fez festa para o Olodum, mas vaiou a Seleção
Apesar da frieza da torcida no pré-jogo, houve bastante festa para a Seleção Brasileira ao som dos tambores do Olodum, mas o que se viu em campo também não agradou, pois a Celeste Olímpica saiu na frente, criou uma armadilha tática que encurralou o Brasil, que com muita dificuldade conseguiu empatar e manter o tabu de nunca perder em Salvador. Entre amistosos, jogos da Copa América, Copa das Confederações e Eliminatórias, são agora 22 partidas da Seleção Brasileira na capital baiana, com 15 vitórias e sete empates desde 1934.
Ao fim do jogo, os atletas brasileiros demonstraram mais uma vez que parecem não ter clareza e isenção com o que acontece em campo e estão desconectados com a leitura da torcida brasileira. De forma ríspida até, alegaram que jogaram muito, que entregaram o máximo e que fizeram uma grande partida, algo que ninguém viu porque a Seleção saiu mais vaiada que aplaudida ao final. O empate, que deixou o Brasil na quinta colocação nas Eliminatórias, reacendeu a dúvida sobre a qualidade técnica e o comprometimento dos jogadores e lançou novos questionamentos sobre o trabalho de Dorival Júnior à frente da equipe.
Sílvio Tudela
Sílvio Tudela
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