Nesta terça-feira, 19 de julho, se comemora-se o Dia Nacional do Futebol. A data foi escolhida em 1976 por ser o dia da fundação do time mais antigo do Brasil ainda em atividade, o Sport Club Rio Grande (RS), criado em 1900. Na sequência, vem a Ponte Preta (SP), fundada no mesmo ano, o Fluminense (RJ) e o Vitória (BA), ambos considerados com o nascimento em 1902. Apesar do clube baiano ter sido fundado em 1899, foi somente três anos depois que ele disputou a sua primeira partida de futebol e para aumentar as divergências dos pesquisadores não é considerado o pioneiro no futebol brasileiro.
Já os campeonatos estaduais mais antigos do Brasil são o Paulista (1902), composto inicialmente pelo São Paulo Athletic (primeiro campeão), Internacional, Mackenzie, Germânia e Paulistano – todos extintos; e o Baiano (1905), que reuniu três dos quatro fundadores (Clube Internacional de Cricket, primeiro campeão, Sport Club Victoria, atual Esporte Clube Vitória, e Sport Club Bahiano), além do São Salvador, que entrou na liga pouco tempo depois para disputar a competição, após a desistência do fundador São Paulo Club.
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Nos primórdios do futebol brasileiro, pode-se dizer que os clubes pipocaram em diversas regiões do país, ainda no modelo amador e elitista apenas para seus associados, e com restrições às classes populares. É claro que, com a popularização do futebol, este perfil foi mudando com o tempo e recebendo interferências de todos os tipos até o final da década de 1950.
Mas o que chama a atenção é que, a partir de um certo momento, clubes ligados a determinados estados (com maiores populações e, consequentemente, consumidores, prosperidade financeira, influência política e um forte aparato midiático composto pelo rádio inicialmente) começaram a obter claramente melhores resultados que outros em termos de conquistas de títulos nacionais e internacionais de expressão. E essa realidade, com pequenas exceções, começou a ser moldada a partir da conquista do primeiro título mundial da Seleção Brasileira, lá na Suécia, em 1958.
- Números que não mentem
Como maiores vencedores do Campeonato Brasileiro Unificado, via fax pela CBF, com a Taça de Prata e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa (disputados no final dos anos 1950 e toda a década de 1960), desde 1959, temos o estado de São Paulo com 32 títulos, Rio de Janeiro com 17, Minas Gerais com 06, Rio Grande do Sul com 05, Bahia com 02, Paraná também com 02, e Pernambuco com um. Houve anos com mais de um campeonato disputado simultaneamente.
Levando-se em conta a Copa do Brasil, disputada em sistema de eliminação direta desde 1989, o estado de São Paulo novamente aparece à frente com 10 conquistas, Minas Gerais com 08, Rio Grande do Sul com 07, Rio de Janeiro com 05, Paraná, Santa Catarina e Pernambuco com um título cada. Cada vez mais inflada desde a sua origem e antes da adoção do modelo atual, que permite a entrada dos clubes que disputam a Libertadores da América nas fases finais, os tímidos e valentes Criciúma (SC), Juventude (RS), Santo André (SP) e Paulista (SO) conseguiram avançar às finais, furar o bloqueio dos grandes favoritos e faturar o título contra equipes mais tradicionais, mas esta possibilidade vai se tornando cada vez mais difícil.
Na principal competição continental, os brasileiros somam 21 títulos da Libertadores da América: os paulistas têm 10 triunfos, gaúchos 05, mineiros e cariocas 03 cada, desde 1960. No torneio secundário atualmente em disputa desde 2002 e apelidado pejorativamente de Série B do continente, paranaenses têm 02 títulos da Copa Sul-Americana, paulistas, gaúchos e catarinenses contam com 01 cada. Este último torneio veio sendo gestado sem muito profissionalismo desde a criação da Supercopa Sul-Americana, em 1988, na qual mineiros levaram 02 taças e paulistas uma. Com a sua extinção, foi criada a Taça Conmebol, realizada de 1992 a 1999, na qual paulistas e mineiros ganharam duas edições cada e os cariocas uma. Mais um racha por questões de gestão e surgiu a Copa Mercosul (1998-2001), em que cariocas faturaram 02 títulos e paulistas um, e uma Copa Merconorte no mesmo período, mas que não teve a participação de clubes brasileiros por razões geográficas e intercâmbios econômicos.
E quando se chega ao topo do mundo com a junção do Torneio Intercontinental, que reunia os campeões da América do Sul e da Europa desde 1960, e do Mundial de Clubes da Fifa, a partir de 2000, com os vencedores de cada confederação e o atual clube campeão nacional do país-sede, times paulistas mantém a hegemonia com 07 campeonatos mundiais, gaúchos com 02 e cariocas com um título isolado.
- Fim de um sonho?
Num futebol mais que centenário no Brasil e arrebatador de paixões autênticas do maior ao menor clube, com as torcidas mais e menos empolgantes e fanáticas, ficou evidente e frustrante que aqueles que amam o Tuna Luso (PA), o Moto Clube (MA), o Luverdense (MT), o Brasil de Pelotas (RS) e o São Bento de Sorocaba (SP), por exemplo, ficaram cada vez mais apartados dos gigantes das séries A e B brasileiras, e que o êxito maior, anteriormente possível, parece cada vez mais distante.
As razões para isso são inúmeras e cada uma poderia gerar uma reflexão à parte. Mas o fenômeno não é somente brasileiro, pois vemos quase sempre os mesmos times europeus sendo campeões nacionais e disputando as grandes competições continentais e há quase dez anos garantindo o título de melhor clube do mundo.
O esporte que nasceu elitizado e passou a ser dominado pelo povo parece retornar às suas origens, se não classistas, agora puramente mercadológicos, quando, por volta dos anos 1990, começou a ser visto como uma mina inesgotável de dinheiro rentável, com TVs investindo cada vez mais em transmissão dos jogos e aumentando a verba para determinados clubes. Com isso, empresas de vários segmentos perceberam uma ótima maneira de divulgar suas marcas e investiram em patrocínios milionários, e os
próprios clubes viram na venda e transferência de seus jovens jogadores para times do exterior uma forma de lucrarem cada vez mais.
Embora o Brasil tenha 656 clubes profissionais, segundo o relatório FIFA Professional Football Landscape de 2021- praticamente 15% dos clubes existentes no mundo inteiro - apenas 20 fazem parte da “elite” futebolística que é a Série A do Campeonato Brasileiro, o que promove uma grande desigualdade entre eles.
É quase lógico que estados mais populosos tendam a possuir times com mais torcedores e consumidores de produtos, apresentem maior prosperidade econômica (com a hegemonia do Sudeste e Sul do Brasil sendo um fato indiscutível) e uma gestão financeira mais profissionalizada dos clubes a partir da entrada de receitas milionárias.
Some-se a isso o fenômeno da elitização das arenas após a Copa do Mundo de 2014, o alto preço dos ingressos cobrados, os milionários valores de transmissão, a criação da modalidade do sócio torcedor, a contratação de elencos caríssimos para obter conquistas e, dessa forma, obter prêmios vultosos a cada mudança de fase. Outra consequência direta desta mercantilização é a explosão dos preços dos materiais esportivos dos clubes, objeto de desejo dos torcedores mais fanáticos. Com a transmissão em canais fechados e sem acesso às arenas, muitos torcedores da velha geral partiram para bares e restaurantes que transmitem os jogos, numa cadeia produtiva que só aumenta, gera lucros, mas não permite igualdade de condições nas disputas.
Notícias recorrentes mostram que clubes de todas as partes do país enfrentam graves crises financeiras, como o Corinthians (SP) e o Vasco da Gama (RJ), mas o desfecho ocorrido com o Cruzeiro, um dos maiores campeões da década passada e que há dois anos sobrevive na Série B, vem sendo a gota d’água para trazer à tona o problema da má administração que os grandes clubes sofrem no país, seja por incompetência ou corrupção. Soluções aparentemente milagrosas surgem aqui e ali alimentando a fantasia de torcedores, com a transformação dos clubes em empresas e a chegada das SAFs, fenômeno que já ocorre em muitos países pelo mundo, com clubes pertencendo a empresas e sócios ou tendo um único dono.
Se vai dar certo por aqui, ainda não sabemos, mas é um assunto a ser muito bem analisado, sem o cego olhar da paixão, pois nesse caso não é o time que deixa de ganhar um campeonato, mas o torcedor que perde seu time de coração
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Sílvio Tudela
Sílvio Tudela
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