O corpo estremece, o coração bate com outra intensidade, surge aquele frio na barriga e na espinha, o sono parece escapar e um estado de euforia se estabelece. Todos esses sinais até poderiam ser reunidos sob a palavra paixão, mas são “apenas” sentimentos que o torcedor de carteirinha experimenta em momentos decisivos. Mais que um fenômeno individual, é também coletivo.
Após três anos de pesquisa, cientistas portugueses comprovaram que os circuitos cerebrais que são ativados nos torcedores de futebol são os mesmos que nas pessoas apaixonadas. De acordo com o grupo de pesquisadores da Universidade de Coimbra, a paixão despertada pelo esporte é similar ao sentimento de uma pessoa que vive um amor romântico.
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Não há como precisar cientificamente a principal razão do ‘match’ entre o ser humano e o seu clube de coração. Cada um possui um despertar próprio. Pode ser lá na mais remota infância ou já na fase adulta, quando quase todo mundo que gosta de esporte já se decidiu por quem torcer.
Também pode nascer por influência e afinidade familiar ou por mera rebeldia e desejo de autoafirmação contrário à maioria. Muitas vezes pela razão de proximidade geográfica, nacionalidade ou descendência. Talvez pela identificação estética com as cores, escudos, nomes, hinos e/ou ideológica com as histórias e os atletas dos clubes. Em outros, nasce pela pressão dos amigos ou dos amores que aparecem pela vida. Pode surgir também pela forte presença de um determinado clube na mídia ou pelo reconhecimento de que se assiste à aparição de um time histórico.
Para alguns, aparece nos momentos de intermináveis jejuns ou nos longos períodos de vitórias, como representações de Davi e Golias, do oprimido contra o opressor. Cada um pode dizer como nasceu para si, mas não há uma regra geral e científica para padronizar o despertar dessa paixão.
Pesquisadores da área esportiva investigam há tempos o laço que une o torcedor ao seu clube do coração na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte os separe. Ou não, porque alguns chegam a ser sepultados, a pedidos, até com as bandeiras de seus times. O que não faltam são relatos, pesquisas, reflexões e teorias, mas se não há consenso racional sobre isso, é preciso partir de algum ponto para entender um dos maiores fenômenos de massa que o ser humano experimenta em sua vida.
Talvez alguns estudos das teorias das identidades nos ajudem a compreender um pouco melhor o que se passa na cabeça e no coração do torcedor. Da abordagem iluminista que entende como a busca individualista de identidade, passando pela sociológica na comparação com o outro, seja pelas semelhanças ou diferenças, e chegando ao sujeito pós-moderno que acredita ser a identidade um conceito em constante transformação e reflexo dos aspectos culturais do momento, pode estar aí, em algum ponto, a ligação primordial entre o ser humano e um determinado clube.
Essa admiração devotada também é uma construção identitária repleta de similaridades com os valores representados ideologicamente, em escalas, por determinado esporte, clube, time e/ou atleta. Para a filósofa Marilena Chauí, a ordem simbólica consiste na capacidade humana de dar às coisas um sentido que está além de sua presença material, atribuindo significações e valores às coisas e aos homens. Em outras palavras, na questão proposta, quanto maior a semelhança de ideias, consequentemente será a afinidade e a lealdade na relação entre o torcedor e o seu time, fortalecendo a permanência dos símbolos, sua perpetuação e a criação de narrativas e tradições.
Psicanaliticamente, se a constante padronização do indivíduo oprime, desumaniza e dissolve o sujeito em meio à multidão, a reconstrução de si mesmo, através de processos culturais e histórico-sociais no campo esportivo, não permite que o indivíduo seja absorvido inteiramente pela massa, mas garante a ele o senso de pertencimento e de segurança por assemelhar-se a um grande grupo de outros.
E quando o esporte ou grupo esportista que o torcedor admira vence uma determinada competição, o êxtase de alegria é imenso e transborda, ao mesmo tempo em que os perdedores na competição experimentam um processo de angústia, tristeza e até dor física. São nos grandes jogos e nas históricas decisões nas quais nos vemos representados que surgem momentos memoráveis e transformam os simples dias comuns em tempos gloriosos ou trágicos.
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Sílvio Tudela
Sílvio Tudela
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