Muito se falou na imprensa e nas redes sociais sobre a recente condenação de Daniel Alves a quatro anos e seis meses de prisão pelo estupro de uma mulher de 23 anos, na Espanha. De lá pra cá, sem entrar no mérito da decisão judicial, a decisão vêm repercutindo diversos comportamentos que se relacionam com o caso, como o absoluto silêncio dos jogadores e dirigentes; a oportunista relativização de quem preferiu ficar em cima do muro; a desqualificação da vítima e, por extensão, das mulheres como um todo; a falta de sororidade através de agressões verbais feitas à jovem abusada; e o apagamento das homenagens feitas ao jogador.
Por motivos completamente diferentes, acusação e defesa consideraram o tamanho da pena desproporcional ao crime e, por esta razão, devem entrar com recurso na justiça espanhola nesta semana, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher. Independentemente do desfecho, pesa contra Daniel Alves o fato dele, em depoimentos anteriores, ter criado versões muito diferentes sobre o assunto desde que foi preso e a tentativa persistente de se colocar como vítima e não como agressor.
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É evidente que Daniel Alves fez muitos amigos em sua carreira, o que acaba contribuindo para o silêncio geral de jogadores que se comportaram da mesma forma que ele em alguma ocasião ou não querem vir a público polemizar sobre o modo coletivo de tratar mulheres. Pode-se até justificar o fato por coleguismo, ética na amizade e piedade, mas seria de bom tom que os jogadores se manifestassem condenando qualquer tipo de violação sexual, se solidarizassem com as muitas vítimas e desejassem que o jogador refletisse sobre seu erro e encontrasse uma forma de reparar o malfeito após sair da prisão.
Mas nada disso aconteceu. E, pelo contrário, a família de Neymar Júnior ainda enviou R$ 800 mil para a defesa de Daniel Alves utilizar o dinheiro como atenuante da pena. Mas uma reviravolta na última sexta-feira pode aumentar o tempo do brasileiro na prisão, pois o Ministério Público de Barcelona recorreu da sentença por entender que os 150 mil euros pagos não teriam efeito.
Um outro tipo de silêncio veio com Adenor Leonardo Bachi, o Tite, ex-técnico da Seleção Brasileira, que, perguntado sobre o assunto, preferiu dizer que não pode fazer julgamento sem ter todos os fatos e as informações verdadeiras e que só pode falar “conceitualmente”. Apesar de bastante educado e diplomático e de fugir de um posicionamento claro sobre a conduta de um jogador que já treinou e pelo qual deve ter muita estima, o treinador desconsiderou todas as informações disponíveis na imprensa profissional e a seriedade com que o processo foi conduzido na Espanha.
Se jogadores, dirigentes e treinadores optaram pelo silêncio, os torcedores agiram de forma mais passional, revelando, principalmente nas redes sociais, o triste comportamento de que homens se protegem muito e mulheres se atacam na maioria das vezes.
Independentemente do resultado final do processo ainda em curso, o que mais choca em toda essa situação é o reforço de argumentos desprezíveis que “passadores de pano” usam para desclassificar, desqualificar e violentar, por uma segunda vez, a vítima, colocando em dúvida o fato em si. Não foram poucas as mulheres que, inacreditavelmente, se manifestaram em redes sociais dizendo que o jogador foi ingênuo e que a vítima representa mais um caso clássico da “Maria Chuteira”.
Chegaram a falar da roupa que supostamente ela estava usando e questionar o porquê de a vítima estar numa boate de madrugada, bebendo e dançando; e até que ela foi para o camarote VIP já armando o “golpe”. Mas nem isso se sustenta, pois a jovem espanhola recusou a indenização em dinheiro proposta pela defesa do jogador, não apareceu na mídia e praticamente nada se sabe sobre ela até então.
Cancelamento de homenagens para Daniel Alves
Apesar do assunto vir sendo debatido no Barcelona desde janeiro do ano passado, quando Daniel Alves foi preso provisoriamente, o clube removeu o jogador da lista de lendas, posto que ocupava desde que deixou a equipe pela segunda vez, em 2022. A imagem de Daniel Alves também foi retirada do Museu do Esporte Clube Bahia, localizado na Arena Fonte Nova. A foto do jogador estava em uma das paredes, ao lado de atletas históricos do time tricolor, no qual se profissionalizou, em 2002.
Em outra frente, Pedro Paulo de Oliveira, presidente do Vasco, demitiu o empresário e influenciador Eduardo Semblano, o Fui Clear, do cargo de coordenador do Fut7 do time carioca, após declarações dele durante o programa “3 na Área”, no qual defendeu o jogador e sugeriu a existência de um cartel de golpes enormes. Em repúdio, Tiago Leifert, integrante do canal, pediu seu desligamento da equipe do programa.
Em Juazeiro, cidade onde nasceu e havia uma estátua do jogador, a população já vandalizou a obra diversas vezes, após a condenação. Os moradores exigem a sua retirada, porém a gestão municipal diz que não tomará nenhuma decisão até que todos os recursos do caso sejam julgados.
A lição que fica
O desfecho até agora do caso que envolve Daniel Alves deveria servir de exemplo para o Brasil, que precisa instituir uma política institucional de tolerância zero à violência sexual e um pacto coletivo de proteção às meninas e mulheres, via CBF, federações, clubes, empresários, dirigentes e atletas.
Até porque, por aqui, muitos casos semelhantes foram para baixo do tapete sob o argumento de que já não havia vestígios para comprovar as versões das mulheres, que, infelizmente, desfrutam de menos credibilidade que as palavras dos homens nestas situações
É lamentável e triste, porém não injusto segundo todo o rígido processo legal ocorrido na Espanha, que o mais premiado jogador de futebol brasileiro receba este carimbo muito mais que indesejado e se junte agora a diversos outros atletas que tiveram suas carreiras manchadas por casos de violência sexual.
Certamente, Daniel Alves deve estar se lamentando pelo que fez e agora está pagando pelo seu erro, até que a justiça entenda que o mal foi reparado. Já Robson de Souza, mais conhecido como Robinho, condenado a nove anos de prisão pela justiça italiana por ter estuprado coletivamente uma jovem de 23 anos, numa boate em Milão, em 2013, conseguiu escapar para o Brasil sem cumprir sua pena, onde vive solto e participando de festas e homenagens, como no churrasco realizado pelo Santos na semana que passou…
Silvio Tudela
Silvio Tudela
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