Nem só de forró vivem as festas juninas em Salvador. Uma parte muito significativa das tradições desse período na cidade é o Samba Junino, que surgiu na virada da década de 1970 para a de 1980 e foi reconhecido como Patrimônio Cultural de Salvador em 2018. Foi a partir desse movimento que se desenvolveu o pagode baiano, uma das principais linguagens da música pop que se faz na Bahia.
A pesquisa da professora doutora Ângela Lühning e do mestre Gustavo de Melo, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal da Bahia (PPGMUS/UFBA), é uma das principais referências no assunto. Foi a dupla que coube a tarefa de realizar o estudo e parecer etnomusicológico que embasou o processo de tombamento do Samba Junino.
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Em artigo publicado na revista acadêmica Pontos de Interrogação, Lühning e Melo apresentam as principais características da manifestação. Oriunda do samba de caboclo nos terreiros de Candomblé, o Samba Junino surgiu como arrastões que desfilavam por bairros como Engenho Velho de Brotas, Garcia, Nordeste de Amaralina, Engenho Velho de Brotas, entre outros.
Enquanto os sambas de caboclo são tocados com os instrumentos tradicionais das cerimônias do Candomblé, principalmente os atabaques Rum Rumpi e Lé, o samba junino traz uma instrumentação mais ligada aos eventos profanos, como o timbal, a marcação e o tamborim. As letras trazem símbolos ligados às festa de São João e São Pedro, como as comidas típicas, mas também abordam questões políticas e sociais ligadas à negritude ou fazem jogos de duplo sentido com conotação sexual.
O auge dessa manifestação foram os anos de 1980, com grupos chamados Samba Fama, Samba Scorpions, Leva Eu, Os Negões, entre muitos outros. Em sua dissertação de mestrado, em que fez um estudo sobre o Samba Junino no bairro do Engenho Velho de Brotas, Gustavo de Melo mapeou 11 grupos apenas nessa região. Contudo, poucos gravaram discos.
Com a emergência do pagode baiano, o Samba Junino perdeu força. Mesmo sendo oriundo dessa manifestação que é da identidade negra e subverte a tradição europeia das festas dos santos católicos, o pagode foi escolhido pelas gravadoras em detrimento do Samba Junino. Com um acabamento mais pop, coreografias como mote e estruturas mais fáceis de serem assimiladas e registradas em estúdio, foram grupos como Gera Samba (que depois se tornou o É o Tchan), Terra Samba e Companhia do Pagode que receberam os maiores investimentos para gravação de discos.
Contudo existem dois registros lançados originalmente como LPs em 1989, que apresentam os principais grupos de Samba Junino. Dois importantes nomes da música baiana estão presentes nesses registros: o cantor e compositor Tatau, que se consolidou à frente do Ara Ketu, e o cantor Ninha, que fez sucesso com a Timbalada.
Samba Fama – O Swingue
O primeiro registro fonográfico de Samba Junino é o LP “O Swingue” do grupo Samba Fama. Lançado pela gravadora Continental, o disco reúne o repertório do grupo do bairro do Calabar criado 10 anos antes, em 1979. Entre as faixas, estão os pot-pourri “A Rolinha – Bole Bole” e “A Roda da Fama”, este segundo traz quase 15 cantos de samba de domínio público, como “Viola Meu Bem” e “Cesta de Ovos”.
Coletânea “Os Melhores Sambas De São João Da Bahia”
O segundo registro traz uma amostra de diversos grupos de Samba Junino de diferentes bairros de Salvador em atividade na época. É aqui que confirmamos a participação de Tatau e Ninha. Enquanto o ex-cantor do Ara Ketu representa o seu grupo Samba Scorpions com a canção “Quero ser seu namorado”, o ex-timbaleiro canta “Menina Faceira” com o seu grupo Leva Eu.
Retomada do Samba Junino
Depois do declínio nos anos 2000, os grupos de Samba Junino voltaram a ganhar força nos últimos anos. A consolidação veio com o tombamento da manifestação como patrimônio imaterial de Salvador e a criação do Dia Municipal do Samba Junino, comemorado dia 14 de abril. Nos festejos de São João de 2022 também há um espaço reservado para os grupos. Será o Festival da Liga do Samba Junino, nesta sexta (24), às 18h. O evento gratuito acontece no fim de linha do Garcia.
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Marcelo Argôlo
Marcelo Argôlo
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