O empresário Alex Pinto é uma daquelas figuras típicas dos bastidores. Se por um lado ele é pouco conhecido pelos fãs que frequentam os shows, por outro sempre é cumprimentado por artistas, produtores e outros profissionais do meio musical quando circula pela noite de Salvador. Ele começou a carreira como produtor e trabalhou na extinta Caco de Telha, produtora da cantora Ivete Sangalo. Por lá, fez parte da equipe que realizou um dos eventos mais improváveis que Salvador já sediou: um show da diva pop Beyoncé.
Alex não é muito de falar sobre esse início da sua trajetória profissional no mercado da música de Salvador. Prefere dar destaque às suas realizações como empresário, que traz no currículo trabalhos com nomes como BaianaSystem, Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz e ÀTTØØXXÁ. Atualmente ele faz o gerenciamento artístico de alguns dos nomes que já passaram aqui pela coluna: Afrocidade e Nêssa.
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Foi do empresário também a ideia de realizar um evento que unisse a música da Bahia em seus diversos movimentos e gerações. O Salcity Festival surgiu desse monte e juntou numa mesma programação artistas que não costumam se cruzar. A Orkestra Rumpilezz, expoente da música instrumental que circula pelos festivais de jazz, abriria o evento, que incluía ainda o padogão de O Kannalha, um artista bastante popular que transita pelo Salvador Fest e outros eventos por onde a Rumpilezz jamais teria um espaço.
A proposta empolgou! Com uma comunicação bastante assertiva, o Salcity conseguiu mobilizar um público nas redes sociais e abrir as vendas já esgotando os primeiros lotes. Contudo, não foi o suficiente para embalar. As vendas estagnaram, as propostas de patrocínio não foram fechadas e o evento, que aconteceria no último sábado (28) em Salvador, precisou ser cancelado.
Alex não esconde a frustração: “tropecei no sonho e cai na realidade”, refletiu. Em entrevista que me concedeu após o anúncio do cancelamento, conversamos sobre a proposta de curadoria que embasou a definição das atrações, as questões que levaram ao cancelamento e refletimos sobre as perdas para a cidade e as limitações que impedem um evento como este ser concretizado.
O Salcity trazia uma grade bastante peculiar, que colocava junto artistas que não se cruzam nas cenas musicais da cidade. Foi uma aposta bastante ousada sua. O que é que você levou em consideração na hora de escolher a grade?
Eu sempre tive uma visão da música da Bahia que, no meu conceito, é bastante ampla. Embora tenha trabalhado mais com artistas considerados mais “cult”, como Orkestra Rumpilezz, BaianaSystem, Afrocidade, ÀTTØØXXÁ etc, eu sempre olhei para as outras músicas da Bahia com o mesmo carinho. Eu estou acompanhando com muito carinho, por exemplo, esse movimento do pagode contemporâneo, que hoje tem O Kannalha, MC 7Kssio, O Polêmico, com um olhar acolhedor, de saber da origem dos artistas. Amo os blocos afros, o reggae e rock da Bahia. Por isso, me incomodava os festivais que tinham grades óbvias. Todos artistas dialogam no perfil de público, no lifestyle, dentro de tendências políticas (não a partidária, mas em relação à visão política como um todo). E isso sempre me incomodou de verdade, porque eu achava que nós somos muito amplos e queria ir para uma festa como o Salcity, que tivesse uma diversidade maior, que pudesse apontar artistas que fossem tendência como Baco Exu do Blues, e trazer fenômenos históricos, como Edson Gomes, que tem 50 anos de carreira, dialogando com a música instrumental da Rumpilez, por exemplo. Então, o Salcity foi vindo de um sonho e talvez por isso eu tropecei no sonho e cai na realidade.
O que você acha que a cidade perde com o cancelamento do Salcity Festival?
Diversidade e experiência! A pessoa que está por trás do Salcity não pensa só na grana, senão não faria um evento como esse. Eu acho que uma pessoa que curte O Kannalha se assistir ao show da Orkestra Rumpilezz, seria incrível. Do mesmo jeito, a pessoa que curte Melly assistir um show de Baco Exu do Blues e de A Trasvestis, também seria incrível! Eu acho que a gente fica sendo jogado a fazer mais do mesmo. Aí, com todo respeito aos eventos que se faz aqui em Salvador, a ousadia é muito pequena… Mas a real é que é muito difícil, porque o que aconteceu com meu evento foi que não houve uma aderência de público suficiente para fechar a conta. O público de um evento como o Salcity não paga caro no ingresso, mesmo eu entendendo que essa medida do que é caro é relativa. Num evento com 18 artistas, o valor do último lote do ingresso foram R$ 85 [a meia social]. Não acho que isso seja caro. O show de Gusttavo Lima em Salvador, por exemplo, chegou a custar R$ 1.200, um salário mínimo. Isto é um ingresso caro. Também quis fazer num lugar legal, que tivesse a brisa e o cheiro do mar, por isso o evento era no Centro de Convenções. Gostei da experiência do Afropunk lá [que aconteceu em novembro de 2021], mas o custo para fazer um evento é muito mais alto.
Qual era a expectativa de público?
Precisávamos de 5 mil pagantes, mas não conseguimos vender 2 mil. Junto a isso, algumas indicações de patrocínios que não aconteceram, o que fez com que a conta não fechasse.
Percebo uma dificuldade das marcas desenvolverem uma visão da produção e do consumo cultural em Salvador que inclua eventos com o porte e com o perfil de público do Salcity. Você vê isso também? A que atribui esse posicionamento das marcas?
A ausência de patrocinadores é um fator impeditivo para o nosso crescimento, não é de agora e nem só porque o Salcity não aconteceu. Enquanto estive com o BaianaSystem e o ÀTTØØXXÁ – bandas que atraem grandes públicos – 90% dos eventos foram sem patrocínio de marcas e apenas os trios [no Carnaval] conseguiam financiamento público da Prefeitura Municipal e do Governo do Estado.
Os editais nos ajudam a conseguir patrocínios privados, porém as verbas do edital são na sua maioria pequenas, e quase sempre entram com subsidio público. Contudo, esses processos têm curadorias sérias e contemplativas, e consegui que todos os artistas com os quais trabalhei fossem contemplados em diversos editais. Porém, existe uma grande problemática que, apesar de já apontada por meu setor há um tempo, segue ainda sem atenção: marcas nacionais estão mais empenhadas em atrelarem sua imagem a nossa para reforçar bandeiras de diversidade e inclusão, por exemplo, mas se esquecem que estar junto é oferecer base e ferramentas para que possamos continuar fazendo o nosso trabalho. Os patrocínios e investimentos precisam, urgentemente, serem descentralizados para que mais que três ou quatro projetos sejam beneficiados, é preciso multiplicar para fortalecer. Queria entender porque conseguimos vencer editais, mas não conseguimos aportes diretos.
Todos querem a Bahia e seu verão magico, lúdico, potente e plural. Chegam, ganham demanda espontânea com a nossa arte, colhem os frutos, sustentam o público atingido, porém os recursos continuam concentrados no núcleo que domina o mercado baiano há muito tempo. Fica numa galera de classe alta, que estudou no mesmo colégio e faculdade e eu não sou desse núcleo. O que ofereço não são relações e sim conteúdo, minha moeda de troca é a arte dos artistas que trabalho e os eventos que produzo. Mas, ainda assim, as marcas parecem se importar mais com os grupos que fazem as mesmas coisas e se arriscam pouco. Também não posso deixar de pensar que se esse festival saísse de dentro desses grupos, as marcas teriam abraçado.
Você já tem algum plano para o projeto?
O sonho adormeceu. Confesso que quando fiz a postagem de adiamento, até ficou uma ponta de esperança que alguém ia ler e se sensibilizar de alguma forma. Mas não rolou. Continuo pensando a música da Bahia como meu principal ativo intelectual e profissional – e isso eu não vou abrir mão. Como nesse projeto e nessa marca tenho sócios, não sei se vamos conseguir manter o nome, porém, o mais importante é a experiência e a mostra da paisagem musical da Bahia. Agora eu estou descansando, focado em ganhar dinheiro rápido para cobrir o prejuízo e vou aproveitar que o melhor momento para a nossa música no mercado é agora, de setembro até março. É a nossa lua de mel financeira. Tenho 15 anos trabalhando com música e sempre foi assim. Mas a ideia está ali, adormecida, mas ali. Já lancei no mundo e se alguém fizer algo igual vou ficar ligado, mas estou aberto para dialogar. Agora, tenho certeza que vou realizar esse projeto algum dia, nem que seja só em 2032 e eu seja a única pessoa de público.
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Marcelo Argôlo
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