Em meados de outubro, participei do programa de rádio e podcast Afrossonora, realizado pelo professor e pesquisador pernambucano Rafael Queiroz. Falei, em dois episódios, sobre a minha pesquisa do Pop Nego da Bahia. Depois de mais de um ano participando de debates, mesas e dando aulas sobre o tema, poucas perguntas - que giram em torno desse tema - ainda não me foram feitas. Contudo, ele conseguiu me surpreender quando questionou: será que o pop é para a negritude?
Lembro da minha surpresa com a pergunta, porque foi um ponto que não passou pelos questionamentos que eu fiz debruçado sobre o material da pesquisa. Será que faz sentido todo esse esforço para buscar ocupar um espaço tão racista e tão hegemônico da branquitude? Bastante pertinente e, não surpreendentemente, vem de um pesquisador com mais experiência e com mais repertório sobre música e pensamento negro do que eu. Uma provocação vinda de um mais velho, como se diria em um espaço afrocentrado.
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Como estamos no Novembro Negro, considero pertinente trazer essa questão para cá. A Pop Bahia é uma coluna, que é um misto de jornalismo e pesquisa acadêmica, assim como é o trabalho que eu desenvolvo em todas as esferas em que atuo profissionalmente. Então, respondendo à pergunta, entendo que é necessário disputar a cultura pop sim. Ela é uma das vigas do racismo estrutural, em cima do qual o capitalismo é construído. A exploração dos corpos negros é uma máxima dentro desse modo de produção e só vamos conseguir superar o racismo por completo se a existência de um pop negro for possível.
Entendo a cultura pop como o espaço da grande visibilidade, uma capacidade de alcance que só é possível ser atingida através da mídia. Dessa forma, a cultura pop se torna um espaço para trabalhar estratégias que visam a massificação e a midiatização. Por isso, eu acredito que vale a pena se esforçar para construir uma estrutura negra de circulação da música, das artes e das manifestações culturais como um todo que privilegie a negritude. É o famoso papo da “representatividade importa”. Crescemos rodeados por produtos da cultura pop e aos poucos temos percebido que figuras e narrativas negras têm feito parte desse fluxo de informações e contribuído na formação e na autoestima da população negra. Mas, ainda assim, a hegemonia é branca.
Grammy, Óscar, Emmy entre outras premiações são, antes de qualquer coisa, espaços de legitimação da cultura pop. Vencedor, ou até mesmo uma indicação, a um desses prêmios torna o artista mais valorizado dentro do mercado ou da economia da cultura. Facilita, até mesmo, a concessão de visto para entrar nos Estados Unidos. Porém, são espaços controlados pela branquitude para premiar a si próprio. Duvida? Então me responde uma coisa: Beyoncé, uma mulher negra, é ou não é uma das artistas mais relevantes da cultura pop atualmente? Pois bem, em 2021, no 63º Grammy, a cantora se tornou a maior vencedora com 28 prêmios. Porém todos em categorias secundárias ou segmentadas de rap e R&B. Ela nunca venceu, por exemplo, a categoria de álbum do ano, que pode ser vista como a principal.
Há, inclusive, o curioso caso da edição de 2017 que Beyoncé concorria com nada mais nada menos do que “Lemonade”. Mas, a vencedora foi Adele, com “25”. A artista branca inglesa recebeu a premiação constrangida e afirmou: “não posso aceitar esse prêmio. Tenho muita humildade e gratidão, mas a artista da minha vida é Beyoncé. 'Lemonade' é monumental”.
Para falar de música baiana, que é o tema central da coluna, vale lembrar o caso de Margareth Menezes. Ela ficou sem gravadora durante o auge do Axé Music no mercado brasileiro, mesmo com o histórico de turnês internacionais e um vasto respaldo da crítica. A cantora reclamava que os lançamentos dos seus discos erem sempre preteridos e buscou construir uma carreira independente. Vale lembrar que, diferentemente de hoje, nos anos 1990 estar ou não estar numa gravadora definia quem lançaria ou não seus trabalhos devidos aos altos custos de produção de um CD.
Superar o racismo estrutural que sustenta todo o modelo de sociedade que conhecemos, portanto, passa por superar também as suas formas de materialização na cultura pop.
Percebo que já demos o passo de construir as formas de produção, circulação e consumo de um pop negro – e a própria existência de Margareth Menezes e Beyoncé, entre outras figuras, é prova disso.
Contudo, ainda é necessário construir mecanismos de legitimação do Pop Negro, assim como a branquitude construiu as delas. Criar premiações focadas nas produções negras é importante, mas ainda serão espaços segmentados. É necessário disputar o espaço na mesa da curadoria para decidir qual o Álbum do Ano do Grammy.
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Marcelo Argôlo
Marcelo Argôlo
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