Alguns meses atrás, fui pego de surpresa com um tuíte de Marcos Cuper, produtor, cantor, compositor e instrumentista baiano. Ele afirmava: “vocês tão entendendo tudo errado esse lance de pop baiano”. Cuper é uma das figuras que têm contribuído para o desenvolvimento da linguagem musical do pop baiano contemporâneo, inclusive no trabalho com Rachel Reis. Ele, junto com Bruno Zambelli, produziu o single Maresia, que catapultou a carreira da cantora e compositora de Feira de Santana, além de ter colaborou na produção de Meu Esquema, álbum que ela lançou em 2022.
Cuper é um artista bastante eclético, passeia pelo rock, metal, pop, lambada e carimbó. Com o sucesso de Rachel, seu trabalho como produtor musical também passou a ser bastante requisitado e, com isso, algumas preocupações passaram a lhe inquietar: “essa pessoa quer mesmo fazer algum parecido com Maresia? E isso me preocupa, porque Maresia já aconteceu”, revela o produtor.
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Oriundo do rock, o músico desenvolveu uma habilidade de transitar por diversos gêneros desde o início da carreira, o que tem conseguido usar a seu favor nos trabalhos de produção. Aqui no papo, Cuper fala sobre essas preocupações com a cena em que atua, o que leva em consideração no processo de produção com uma banda ou artista, além de relembrar as etapas da sua formação musical.
No último ano, você teve um papel central na Cena de Música Pop Baiana, como eu tenho chamado (por isso o nome da coluna). Seu trabalho com Rachel Reis, principalmente no single Maresia, mas também no álbum Meu Esquema, deu um norte para a estética de música pop com referências baianas. Digo isso, porque percebo uma série de lançamentos que vão em busca dessa sonoridade. E aí, aquele tuíte que você fez me pegou de surpresa (risos)... Então, quero começar a conversa com esta pergunta: o que é que você entende como pop baiano?
É tudo tão novo para mim, quanto qualquer coisa. Eu vim de uma outra vertente musical… Sempre trabalhei com música alternativa, mas com outras viagens não tão relacionadas a isso. Quando aconteceu [o trabalho com Rachel], na real, a gente nem botava tanta fé que a parada ia tomar a proporção que tomou. Eu passei a vida toda tocando com Bruno [Zambelli], que é um dos colaboradores de Maresia e do EP Encosta, feito com Rachel. Quando ela apareceu, foi uma parada que todo um se sentiu em casa e fluiu muito naturalmente, sabe?!
Dito isso, quando eu ouço você falar que Maresia está dando um norte para vários tipos de lançamento que estão falando por agora, é também uma surpresa. Eu acho ela uma música muito singular. Pelo que eu entendo, existe uma uma roupagem musical que está rolando aqui na Bahia que é até um pouco mais distante musicalmente do que Maresia representa. Da mesma forma, eu também consigo entender que de alguma forma influencia novos artistas procurando alguma coisa próximo.
Aquele tuíte, na verdade, foi o resultado da experiência que eu estou tendo trabalhando com esse pop baiano e com a postura que eu vejo de artistas que observo e acompanho. Eu não queria ser tão ácido, porque funciona mais como uma preocupação. O que acontece: por trabalhar com produção musical e receber vários tipos de artistas, me preocupa o imediatismo que as pessoas querem com o trabalho delas. Um artista chega para mim e quer produzir e diz: “ouvi seu trabalho com Rachel, me amarrei, e quero produzir uma parada tipo Maresia”.
Isso já me deixa um pouco preocupado e me gera alguns pensamentos. Primeiro, essa pessoa quer mesmo fazer algum parecido com Maresia? E isso me preocupa, porque Maresia já aconteceu, sabe?! Segundo, essa pessoa está preocupada em fazer um trabalho musical mesmo? Porque parece que não é essa a preocupação no final das contas… E terceiro é, com esse imediatismo que a essa pessoa quer, será que ela está entendendo como é o processo para alcançar uma música e chegar num resultado. Será que ela entende que às vezes ela pode fazer tudo isso e não dá em nada?
E às vezes é muito deixar na mão de um produtor e o envolvimento desse artista é muito pouco. Eu já me peguei em situações em que as pessoas não faziam ideia do que rolava dentro da música dela… E eu falo nem entrar em termos técnicos, porque ninguém é obrigado a saber isso, mas da pessoa não saber dos elementos que estão na música.
Eu acredito que a parada perdura quando você tem conhecimento daquilo para você poder desenvolver, senão vira fulgás. E esse movimento do pop baiano tem que perdurar.
Você tem medo que chegue no que o Axé Music se tornou: uma indústria comandada por empresários que contratava artistas, tratavam as bandas apenas como negócio e o cuidado artístico, criativo fique em segundo plano?
Sim, mas vai muito além disso, porque seria ingenuidade da minha parte achar que esse modelo vai desaparecer se as pessoas se ligarem nessas questões, se instrumentalizem e comecem a observar mais as suas músicas com mais cuidado. Até porque, é dessa forma que o dinheiro, infelizmente, tem rodado. Então, é muito difícil ter essa mudança absurda de maneira muito rápida, mas assim como o Axé esse movimento pop da Bahia começou de uma forma e ele pode se acabar da mesma forma.
E em termos musicais, quando alguém te procura para produzir um projeto dentro dessa linha do pop da Bahia (mesmo que não seja no estilo de Maresia), com que tipo de elementos e materiais você costuma trabalhar e apresentar para esses artistas?
Varia bastante, na real, mas uma coisa que tem um tempo já que está rolando é o padogão, o pagotrap. É certo que num mês de trabalho de produção, vai ter uma ou duas produções que, ali no meio, vou colocar algum tipo de referência ao pagotrap. Não falo isso de uma maneira ruim, acho massa. O samba-reggae também, e vou muito para a minha memória afetiva para colocar nas produções. Além dos estudos sobre a clave, que convergem para o esquema rítmico que o samba-reggae traz.
E falando sobre você como artista… Você disse que antes do trabalho com Rachel você fazia coisas muito diferentes. Além de está ajudando a construir a linguagem do pop baiano, você também tem a My Friend is A Gray, uma banda de stoner metal, e a Lombreta, que mistura os sons da Bahia com os do Pará (uma mistura de carimbó com axé). Como foi sua formação musical, que resultou nesse trabalho tão eclético?
As pessoas que me conhecem mais a fundo sabem que minha escola sempre foi o rock n’ roll. Mas, da mesma forma, eu trago musicalidade de coisas que eu escutava quando eu era muito mais novo. O rock serviu para eu começar a tocar um instrumento. Mas logo quando comecei a tocar guitarra, que é meu instrumento base, eu fui fazer barzinho e tendo contato com muitas outras coisas e fui revivendo coisas que eu escutava muito novo. Então, nunca fiquei fechado em um estilo só. O lance todo é que eu sempre me vi querendo criar coisas, então nunca ficava tocando uma parada só. Ao mesmo tempo, foi muito bom cruzar essas linhas e misturar tudo.
E em que momento aparece a produção musical? Foi junto com a guitarra, baixando no computador os programas de produção de música eletrônica?
Não (risos). É bem recente esse lance de trabalhar com música eletrônica, na verdade veio só na pandemia. Eu comecei com produção musical da forma mais analógica possível, indo para estúdio para microfonar instrumento e tudo mais da banda. E eu tenho três mestres aqui em Salvador que me ensinaram tudo sobre gravação, mixagem e masterização: Vicente Fonseca, Jera Cravo e Marcos Franco.
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Marcelo Argôlo
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