Na última semana, o imbróglio envolvendo uma possível transferência do circuito Barra/Ondina para a Boca do Rio foi resolvido. O prefeito Bruno Reis anunciou que a festa será mantida na Barra, para alegria de uns e reclamações de outros. Independente de onde a festa aconteça, um dado histórico precisa ser colocado: o Carnaval de rua em Salvador é uma invenção do povo negro.
Na virada do século 19 para o 20, a elite branca baiana brincava a festa em bailes de clubes fechados, enquanto a população negra realizava o entrudo na rua, que consistia em jogar uns nos outros farinha, baldes de água, limões de cheiro, luvas cheias de areia etc. A proibição dessa prática pelas forças policiais veio acompanhada de um estímulo para que a população negra realizasse uma festa na rua.
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Em poucos anos, essa festa ganhou força e se estabeleceu como um Carnaval de Rua, em oposição ao Carnaval nos salões, numa evidente divisão racial da folia em Salvador. Em um contexto no qual a liberdade da escravização havia sido recém conquistada e ainda muito marcada pela presença de africanos, a população negra de Salvador utilizou do seu próprio repertório estético e cultural para criar o seu Carnaval.
Assim, surgem as primeiras entidades carnavalescas da cidade, como A Embaixada Africana, Filhos da África, A Chegada Africana, Pândegos da África, entre outras. Elas transformam a festa de origem europeia em um espaço para manifestações da estética afro. Apesar de terem sido as responsáveis pelo desenvolvimento da cultura de brincar o Carnaval nas ruas da cidade, as manifestações da população negra foram sendo perseguidas à medida que a elite branca expandia suas festas dos bailes fechados para a rua durante a primeira metade do século 20.
Nos anos 1970, quando o Ilê Aiyê surge e funda a ideia de bloco afro, a força das entidades carnavalescas negras estava em baixa. A organização dos moradores do Curuzu, no bairro da Liberdade, foi justamente uma resposta à falta de opções que incluíssem a população negra no Carnaval. Depois do Ilê, outros blocos afros começam a surgir: Olodum, Ara Ketu, Muzenza, Malê Debalê, entre outros. Entidades novas que promoveram uma verdadeira revolução na festa e na cultura da cidade.
A discussão sobre onde é mais adequado realizar o Carnaval deve levar em consideração fatores que não estão envolvidos no lobby do trade turístico e de entretenimento, de um lado, e dos moradores dos bairros da Barra e Ondina, do outro. Já que foi da iniciativa e organização popular e orgânica do povo negro de Salvador que surgiu a festa de rua, seja no século 19, seja a sua reinvenção nos anos 1970 e 1980, deve ser colocado no centro da discussão ações que respeitem, valorizem, estimulem e perpetuem essas manifestações.
O poder público não pode ser corrompido pelo interesse privado e pautar suas escolhas e projetos em prol unicamente da otimização dos negócios. Nem quando o assunto é o Carnaval de rua de Salvador, nem qualquer outra pauta que envolve o interesse público. A definição do espaço da cidade, da infraestrutura e da dinâmica para que a festa aconteça da maneira mais adequada tem que ser pensada pelo poder público e dever trazer soluções que possibilitem que as entidades negras participem com força, brilho e beleza do Carnaval de Rua que o povo negro inventou.
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Redação iBahia
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