A vida sobre a Terra pode ser de muitas formas. Algumas mais próximas da natureza, outras mais ligadas à agitação dos centros urbanos, entre outras possibilidades praticamente infinitas. Contudo, qualquer forma que venha a se cogitar depende de haver condições propícias para a existência da humanidade aqui no planeta. Foi esse o caminho que Lucas Santtana escolheu traçar no seu mais recente lançamento, o álbum O Paraíso.
Em cada uma das 10 canções, sendo 8 inéditas e 2 versões, o cantor e compositor baiano vai revelando aspectos das suas preocupações ambientalistas, um lado ainda pouco explorado por ele em trabalhos anteriores. O artista, que sempre mostrou um viés ativista e ligado a causas sociais, se inspirou para compor as músicas do álbum após se dedicar, durante a pandemia, a leituras sobre o tema da conservação da natureza.
“Todas as vezes que saímos de férias para um lugar extremamente belo próximo da natureza, é comum dizermos: Que paraíso! De alguma maneira intuitiva entendemos o lugar em que vivemos e a profusão da vida ao nosso redor”, afirma Lucas em material enviado à imprensa.
O Paraíso se soma às diversas produções nas diferentes linguagens artísticas que refletem sobre a urgência para priorização das questões ambientais. A vida sobre a Terra é uma expressão que resume bem a proposta estética do trabalho, que prega não haver solução para a humanidade em outro planeta. Não adianta procurar água em Marte, é necessário agir aqui para garantir a continuidade da espécie humana.
Para combinar com esse conceito, a sonoridade do álbum é extremamente orgânica, ou seja, são sons que foram tocados por alguém e não programados em softwares de produção musical. De certa forma, é um aspecto que surpreende, por conta dos diversos trabalhos em que Lucas experimenta bastante a união dessa sonoridade orgânica com a eletrônica da programação.
Não que os sons eletrônicos tenham desaparecido do álbum, mas eles são todos tocados nas teclas dos sintetizadores por Fred Soulard, que ainda toca marimba em algumas canções. Há ainda um grande destaque para o violão do próprio artista baiano em um diálogo muito próximo à percussão de Zé Luis Nascimento.
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O álbum traz um trabalho ritmo que flerta com o groove arrastado e outros elementos da nova percussão baiana, mas ao mesmo tempo traz referências de Naná Vasconcelos, um dos maiores percussionistas que o Brasil já teve. O cello de Vincent Segal e os sopros de Remi Sciuto e Sylvain Bardiau completam o ecossistema sonoro que Lucas Santtana montou para o álbum.
A sequência inicial traz um bom resumo do que o artista propôs para o disco, tanto no conceito ambientalista quanto na sonoridade orgânica. O Paraíso, canção que intitula e abre o álbum, foi feita para “chamar a atenção das pessoas para o fato de que o paraíso já é aqui na Terra”.
Com versos como “o paraíso já é aqui” e “aquela praia bonita, sol que se impõe / encontra o rio, dá no mangue, a mata compõe / aquele vale frondoso, nuvem de alga marinha / sob a montanha de tempo, água que cai burburinha”, a música mistura dois ritmos brasileiros, capoeira Benguela e Maracatu, e traz um diálogo entre o violão, os sopros e o cello.
Logo depois vem What’s Life, que explora o groove arrastado do pagode baiano em um clima mais suave com uma letra inspirada no documentário “Symbiotic Earth”. A bióloga Lynn Margulis, apresentada no documentário, mostrou novas evidências sobre a evolução da vida na Terra, além do entendimento darwiniano.
“Num dado momento do documentário, o jornalista pergunta a ela: O que é a vida? Transformei em letra de música a resposta de Lynn Margulis e depois adicionei um refrão que diz ‘We are the nature’, como uma provocação humorada, em relação a clássica letra do Kraftwerk, ‘We are the robots’”, conta Lucas.
Vamos Ficar é uma canção que soa com características próximas de canções de Gilberto Gil, de quem Lucas já fez parte da banda como flautista. Além da brincadeira no título, que remete à música Vamos Fugir, a terceira faixa do álbum faz uma mistura de reggae e xote bem ao estilo do tropicalista. A letra trata das consequências da ganância e do consumo na história da humanidade e decreta que a solução não é buscar outro planeta para morar, como pensa Elon Musk, mas sim ficar.
Com o álbum O Paraíso, Lucas Santtana defende que não há solução para a humanidade em outro planeta e é necessário agir agora para garantir a continuidade da espécie humana. A partir desse mote, o artista apresenta, em cada uma das 10 canções, suas preocupações ambientalistas, inspiradas em leituras realizadas durante a pandemia e alerta sobre a urgência da preservação ambiental. Com letras densas e sonoridades inventivas, temos um trabalho que proporciona uma experiência musicalmente rica, com tom introspectivo e reflexivo.
Mayra Lopes
Mayra Lopes
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