A banda BaianaSystem está de clipe novo. Lançado na última sexta (12), Catraca foi gravado em Fortaleza e é resultado da parceria entre os selos Máquina de Louco, Vetinflix e a produtora cultural Peixe-Mulher. O clipe, repleto de dança e humor cearense, conta a história de um passageiro de ônibus, vivido pelo multiartista Abu, e que em sua viagem acaba experimentando um psicotrópico. Em transe, ele se une a um grupo de revolucionários, dispostos a romper fronteiras e destruir um dos ícones da segregação: a catraca.
Em um determinado momento do clipe, vemos no fundo da cena um painel com elementos um tanto quanto místicos e enigmáticos com a seguinte frase: o que nos une? Apesar de não ser o ponto central do clipe, a questão me fez refletir sobre o diálogo que o BaianaSystem vem aprofundando nos últimos anos entre o Brasil e a América Latina. E também me fez lembrar da proposta de amefricanidade de Lélia Gonzalez.
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O terceiro álbum da banda, O Futuro Não Demora, de 2019, fala sobre diáspora e ancestralidade e se debruça sobre uma série de questionamentos: Em que lugar estamos? Como ele se tornou o que é? Como viemos parar aqui? Que caminhos estamos construindo para o futuro? O trabalho foi concebido em duas partes, como os lados A e B de um disco de vinil. A primeira traz canções mais contemplativas, em andamento mais lento, enquanto a segundo volta a energia que caracterizou a banda principalmente por conta do segundo disco, Duas Cidades, de 2016.
O disco propõe o entendimento de uma afro latinidade na música baiana, conceito que pode ser resumido em duas das faixas do disco: Salve e Sulamericano. A primeira é um Ijexá com roupagem eletrônica, enquanto a segunda traz um dos versos mais emblemáticos das canções da banda: “eu sou sulamericano de Feira de Santana”, numa referência à cidade natal do cantor Russo Passapusso.
O que percebo é que o BaianaSystem busca construir uma narrativa que unifique símbolos de negritude e africanidade aos de américa latina, por vezes apresentados como parte de identidades distintas. Uma proposta que é ainda mais central no quarto álbum do grupo, OXEAXEEXU, de 2021.
Há aí uma relação direta entre o que a banda vem buscando construir com a sua música e o que Lélia Gonzalez propôs nos anos 1980 com a sua categoria político-cultural da amefricanidade. Dizia a autora que esta é uma unidade possível de se construir historicamente forjada no interior das sociedades da América como um todo (Sul, Central, Norte e Insular). Ela acreditava, e o BaianaSystem parece também acreditar, que é possível ultrapassar as fronteiras territoriais e as barreiras do idioma, para abrir novas perspectivas para entendermos os processos históricos que se desenvolveram nesta parte do mundo.
A construção de uma unidade entre a identidade racial negra com o pertencimento à América Latina são, portanto, os pontos em comum entre o BaianaSystem e Lélia Gonzalez. O grupo se apoia na mistura entre as sonoridades baianas com sonoridades latinas para elaborar seu discurso político-estético. A autora, por sua vez, identifica que a população amefricana atual é descendente de povos que têm na diáspora e no processo de dominação do racismo uma experiência comum, sejam eles povos africanos sequestrados pelo tráfico negreiro ou aqueles que chegaram ao continente muito antes de Colombo.
Então, prefiro deixar para a própria Lélia Gonzalez a resposta ao questionamento do clipe de Catraca: o que nos une é “um processo histórico de intensa dinâmica cultural (adaptação, resistência, reinterpretação e criação de novas formas) que é afrocentrada, isto é, referenciada em modelos como: a Jamaica e o akan, seu modelo dominante; o Brasil e seus modelos yorubá, banto e ewe-fon. Em consequência, ela nos encaminha no sentido da construção de toda uma identidade étnica”.
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Marcelo Argôlo
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