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Ópraí Wanda Chase

O Neguinho do Samba que eu conheci

Antônio Luís Alves de Souza, mais conhecido como Neguinho do Samba, criou o samba reggae

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Wanda Chase

31/10/2024 às 19:09 - há XX semanas
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Há quinze anos, em 31 de outubro de 2009, o mundo perdeu o criador do samba reggae: mestre Neguinho do Samba, aos 54 anos. Eu o conheci quando morava no Recife, durante uma festa do movimento negro. Usava um vestido branco, tomara que caia, e ele, com sua típica ironia, comentou que eu estava parecendo a Xuxa. A princípio, senti uma pontada de antipatia, mas logo percebi que ele adorava provocar e deixar uma pitada de polêmica no ar.


				
					O Neguinho do Samba que eu conheci
O Neguinho do Samba que eu conheci. Foto: Arquivo Pessoal

Em 1988, mudei-me para Salvador e comecei a mergulhar nas histórias e tradições da Bahia. Neguinho já era uma lenda. Tinha sido mestre no Ilê Aiyê antes de ser levado ao Olodum por Valdir Lascada. Em uma conversa íntima, ele me revelou a origem do samba reggae: tocando um tambor com baquetas de vime molhadas, encontrou o som que tanto buscava. Nascia, assim, o samba reggae, que transcenderia fronteiras. Mas essa foi a versão que ele me contou, há outras contadas também por ele, por aí...

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Antes da fama, ele era Antônio Luís Alves de Souza, conhecido num antigo brega — o Pelourinho de hoje — como Neguinho do Xaveco. Ali, ele era o mensageiro das histórias do bairro, o fofoqueiro que todos conheciam. Mais tarde, recebeu o apelido que carregou para o mundo: Neguinho do Samba, dado por Albino Apolinário, um morador antigo.

Neguinho tinha pulso firme com a Banda Reggae Olodum. Exigia disciplina absoluta e ninguém ousava contrariá-lo. Contam que, certa vez, um dos músicos engravidou uma jovem do Pelô e se recusava a reconhecer o filho. Sem paciência para desculpas, Neguinho chamou o músico e a mãe com a criança, colocou-os frente a frente e perguntou à banda: "Parece ou não parece com o X?" Todos concordaram, e ele mandou que fossem ao cartório no dia seguinte registrar o menino. Neguinho aproveitou para reforçar que eles deviam honrar o nome do Olodum.


				
					O Neguinho do Samba que eu conheci
Diretoria do Olodum, cineasta Spike Lee, o Sotto Antônio Pitanga, deputada Benedita da Silva. Foto: Arquivo Pessoal

O mestre não tolerava distrações. Se alguém conversava durante uma aula, levava uma baquetada. Hoje, provavelmente isso não seria permitido, mas era o jeito de Neguinho: duro, mas com o coração nos lugares certos. Lembro de uma tarde em que ele estava exaltado numa reunião.

Pedi que ele pegasse leve com os adolescentes e ele retrucou com um sorriso maroto: "Mãe, você não sabe do que se trata. Aqui o papo é sério. Eles sabem mais de sexo do que você!". Mãe é um tratamento íntimo e carinhoso entre a população negra de Salvador, se fala à mulher, as amigas, namoradas...

Ele tratava a banda como uma família. Foi o pioneiro em incluir uma mulher no grupo, Andréa Reis, que quebrou barreiras e hoje é maestrina. Neguinho abriu portas para muitas outras mulheres e, com isso, o samba reggae ganhou novas vozes.


				
					O Neguinho do Samba que eu conheci
O Neguinho do Samba que eu conheci. Foto: Arquivo Pessoal

Sua carreira atingiu o auge quando gravou com Paul Simon no Central Park, em Nova York. Oferecido um carro como presente, ele recusou, preferindo uma casa no Pelourinho para a Escola Didá. Depois, veio Michael Jackson e o Pelourinho parou. Segurança por todos os lados, curiosos enchendo cada canto.

Lembro-me de ver Michael descendo as ladeiras do Pelô, com Neguinho gritando para Rita Castro: "Dança com ele, Ritinha, aproveita a chance!". Ritinha não saia do lugar. A voz de Neguinho ia aumentando e ela não se mexia. Histórias e mais histórias passam pela minha cabeça nesses quinze anos de sua ausência física.


				
					O Neguinho do Samba que eu conheci
Neguinho do Samba e Spike Lee. Foto: Arquivo Pessoal

Mesmo com toda a admiração, nossa relação teve atritos. Uma vez, discutimos e paramos de nos falar. Ainda assim, eu continuava a entrevistá-lo na sede da Didá, mantendo o profissionalismo. Dois anos se passaram até que, numa noite de verão no Pelourinho, policiais prenderam jovens após um ensaio, incluindo músicos do Olodum.

Fiz plantão na delegacia para garantir que o nome do Olodum não fosse manchado mais uma vez. E lá estava Neguinho, ao meu lado, com seu jeito inconfundível, aliviado ao ver todos soltos. Fizemos as pazes naquela noite. A saudade de Neguinho do Samba é imensa. Ele era um artista que transformava tudo ao seu redor, criador do ritmo que embalou gerações. A família de Neguinho recebe o meu abraço, e que todos possamos cair no samba reggae, celebrando sua memória com o ritmo que ele nos deixou como legado.

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