A atriz Léa Garcia é a grande homenageada na 6ª Edição da 'Mostra Lugar de Mulher é no Cinema'. Dona Léa, como muitos a chamam em reverência e carinho, tem uma história que deve ser conhecida e comemorada por todos nós. Uma história que começa em 1954, quando aos 16 anos ingressa no TEN - Teatro Experimental do Negro conduzida pelo ativista, dramaturgo, ator e escritor Abdias do Nascimento.
Detentora de vários prêmios, Dona Léa ainda se emociona com o reconhecimento." Estar em Salvador é relembrar uma fase importante da vida. A homenagem mexeu com as emoções. Foi linda", disse ela. “Uma homenagem verdadeira, emocionante, concedida por mulheres, em sua maioria mulheres negras, que têm a cara do Brasil na sua pluralidade de raças. E também relacionado à minha profissão junto com o audiovisual, também faço cinema, teatro e tv. Eu sou uma artista das três expressões artísticas”.
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Na adolescência Dona Léa queria ser professora, escritora, mas a menina nascida na Praça Mauá foi levada pelas mãos de Abdias do Nascimento para o teatro, no Rio de Janeiro. O objetivo do Teatro Experimental Negro - TEN - era valorizar o negro e sua cultura por meio do teatro, despertando o sentimento de cidadania e conscientização racial. "O Ten acrescentou muito em minha vida. Debrucei na biblioteca de Abadias e devorei livros para saber de onde vim e sobre a questão racial em África e na sua diáspora”, contou ela. Anos depois, a atriz casou com o ativista e dramaturgo, com quem teve dois filhos.
A PAIXAO AVASSALADORA DE DONA LÉA
Essa paixão tem nome e sobrenome: Salvador da Bahia. A atriz esteve aqui pela primeira vez, em 1962, para gravar o filme Os Bandeirantes. Dirigida por um francês, ela fazia uma baiana que casou com o personagem do pescador Amiro do Espírito Santo. Procurei esse senhor como se procura uma agulha em um palheiro, mas não consegui localizá-lo, nem tão pouco seus familiares.
Nossa entrevistada conta que ficou apaixonada por Salvador. “Eu liguei para minha amiga Jurema Penna, uma das maiores atrizes que a Bahia já teve e disse: 'Jurema , pelo amor de Deus, que loucura é essa ? Eu estou apaixonada por Salvador.' Essa terra é mágica, de uma energia!”, conta. Jurema Penna morreu em 20 de setembro de 2001. Fez as novelas 'Irmãos Coragem', 'Selva de Pedra' e o filme 'O Pagador de Promessas'.
Pensativa, a atriz volta e meia fala da sua paixão pela capital da Bahia. “Não mudei pra cá - continua dona Léa - por causa do trabalho. Tudo pra mim era mágico. Voltei aqui outras vezes sempre com um olhar carinhoso, fiz mais quatro filmes na Bahia”.
Dona Léa faz uma pausa … e continua: “a cidade cresceu muito, hoje nós temos negros com mais possibilidades, com conhecimento de resgatar nossa história do que como antes, eram poucos. Quando estive em seu apartamento na Federação, na década de 90, já estava tudo mudado”, disse.
Fiquei impressionada quando ela lembrou que esteve no meu apartamento em setembro de 1994. A atriz veio a Salvador para participar do lançamento do livro “Damas Negras “, da jornalista Sandra Almada. A atriz chegou no meu apê acompanhada da etnolinguística, doutora em línguas africanas, Yeda Pessoa de Castro - autora de vários livros como “Falares Camões com Dendê: o português do Brasil e os falares afro- brasileiros” e “Falares Africanos na Bahia” e tantos outros. Pois bem, na época, eu era assessora de imprensa, conselheira do Olodum e repórter da TV Bahia. Léa Garcia foi dar uma entrevista na emissora e a professora Yeda a levou lá em casa. Dona Léa e eu demos boas risadas, ao lembrar do fato, e eu ali diante dela. É impressionante a memória de Dona Léa! Lembra de tudo, até que dona Ruth de Souza não veio para o lançamento porque tinha medo de viajar de avião.
A vida de Lea dá um livro. Aliás, a jornalista Sandra Almada escreveu um livro intitulado "Damas Negras", onde ela conta um pouco da trajetória de Dona Léa, Zezé Mota, Chica Xavier e de Rute de Souza, quatro damas negras que deixaram seus nomes em épocas tão difíceis que vivemos, do "mito da democracia racial“ , de total invisibilidade do povo negro e o processo de embranquecimento que passamos. Conversamos sobre tudo isso e muito mais. Falamos de coisas boas também. Dona Léa é divertida, às vezes irônica, ligada em tudo que acontece no Brasil e no mundo. Desejo chegar aos 90 anos assim, trabalhando e de bem com a vida.
Para encerrar a entrevista, pergunto como a dama negra avalia esse momento que estamos vivendo, de tantas caras negras na tela, seja no jornalismo ou no entretenimento. Ela fica séria e responde: “Eu avalio esse momento como um trabalho ferrenho das políticas públicas e ações afirmativas partidas de nós, porque nunca tivemos nada de graça. Tenho 90 anos e continuo trabalhando. Vou fazer umas três temporadas de "Arcanjo Renegado", uma série da Globoplay. Jr do Afro Reggae já me falou que vou fazer. Tenho uma peça de teatro também agendada. Estou recebendo muitos convites. Estou na fase de recuperação de uma chikungunya, mas estou trabalhando”.
Léa Garcia fez as novelas: 'Assim na terra como no céu', 'Minha Doce Namorada', 'O homem que deve morrer' ( novela polêmica por viver um romance com um personagem interracial com o ator Paulo Araújo ) 'Selva de Pedra', 'Os Ossos do Barão', 'Fogo sobre a Terra', 'A Moreninha', 'A Escrava Isaura', e ganhou prêmio em uma Jornada de Cinema da Bahia por seu trabalho em 'Memórias da Chibata', em 2006.
Foi ainda indicada ao prêmio de melhor interpretação feminina no 'Festival de Cannes', em 1957, pela atuação no filme 'Orfeu Negro' - vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro. Dito isso, obrigada Léa Garcia pelo legado, obrigada pelos prêmios, como os kikitos que recebeu. Agradecida por levar e elevar o nome do Brasil pro mundo com sua arte.
Wanda Chase
Wanda Chase
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