A câmera vai virar na novela das seis da TV Globo. Quem garante é o diretor baiano Elísio Lopes Júnior, que escolheu a arte para combater o racismo. Elísio tem uma história de sucesso e está há cinco anos na Rede Globo, no Rio de Janeiro. De volta a Salvador, ele anuncia em primeira mão que em outubro estreia um musical contando as histórias dos milagres de Santa Dulce.
WANDA CHASE - De volta pra casa ?
ELISIO LOPES - Sim, de volta pro nosso lugar. Quem tem pra onde voltar, nunca fica sem destino .
WC - Seja bem vindo, a cena agora é sua….
EL - Bom que é uma cena fruto do coletivo, é uma construção que está sendo feita por muitas mãos. Eu estava conversando com meu mestre Zebrinha esta semana, dizendo como a gente se sente seguro do que a gente tá fazendo porque a gente tem base. A gente nascer em Salvador, assistir você na Tv, ver o Balé Folclórico da Bahia no palco, o Ilê Aiyê nas ruas, isso nos dá uma base de firmeza, de certeza de que, sim, a gente sabe fazer, a gente faz, tem o que dizer. Isso se constrói em tudo que eu fui buscar e a certeza de que nós sabemos fazer, nós podemos fazer cada vez mais amplo, cada vez maior.
WC - Você entra em um novo campo de trabalho. E aí fazer novela estava em seus planos ?
EL - Outro dia me perguntaram se era o meu sonho fazer novela. Eu disse: ”o meu sonho é conversar com todas as pessoas, meu sonho é fazer com que essas histórias cheguem a mim e a mais pessoas e mais lares a cada dia. Eu acho que a novela é a maior opção de entretenimento no Brasil, isso desde que eu nasci ( 1976) e continua independente . A gente pode falar aqui, virou streaming, virou série, porque o país virou outra coisa, porque o país em sua grande massa, tem a novela como opção de entretenimento, educação, de lazer, de babá e tudo mais. A novela é o grande carro chefe disso, a novela é o assunto, é a companhia. Sim ! É um sonho meu fazer com que as histórias sejam compartilhadas pra minha mãe (dona Lúcia Lopes ), pras minhas tias, pra quem eu acredito que mereça e deseja essa inspiração.
WC - Como foi o convite pra fazer 'Amor Perfeito'?
EL - A Duca Rachid e o Júlio Fischer, que são os autores originais desse projeto, me chamaram no início do ano passado. Fiz com a Duca alguns projetos na Globo Play. Ela foi direta: “quer fazer novela?“ . Eu disse: topo! Nunca fiz.” E ela perguntou se eu tinha certeza. Fiquei intrigado e ela respondeu: não vai ter vida? Eu disse: Duca, eu vou, se eu não gostar eu não repito”. Estou apaixonado. É história todo dia. São 167 capítulos, mais de seis meses dentro das casas das pessoas, praticamente é um filme por dia, é muito conteúdo. São mais de 400 pessoas trabalhando, uma engrenagem fantástica, cidade cenográfica gigantesca, equipe de pesquisa, de figurino, equipe de arte… É tanta gente trabalhando. Somos seis autores. O projeto é de Duca Rachid e Julio Fischer e eles me chamaram para compor esse trio que planeja e pensa essa novela, que cria cada passo. Desde abril do ano passado trabalhamos seis, sete horas por dia, virtualmente. Nossa sala de roteiro é virtual, eles em São Paulo e eu aqui em Salvador.
WC - O que Amor Perfeito tem de especial? Em que ela difere das outras novelas de época que já vimos?
EL - Vamos virar a câmera. O discurso é imagem na televisão. Você lembra dessas histórias de virar a câmera. Nos programas de auditório só se filmava as primeiras filas, tudo gente branca de cabelo liso. Os pretos não apareciam, ficavam no fundo do auditório. Agora, vamos virar a câmera e mostrar quem é real, quem é o povo brasileiro. Quem assistir Amor Perfeito vai ver uma novela de época diferente, isso é um ponto fundamental. Você vai ver os pretos em vários lugares e não só servindo, mas como protagonistas, os moradores da cidade, a dona do salão de beleza mais chic da cidade é negra, vai ter preto na estação de trem, na formatura, no grande baile da cidade você vai ver negros e negras lindíssimos, bem vestidos, usando tranças, cabelos crespos, porque é esse país que nos interessa. Vai ter médico negro. Ah! Mas não era assim na década de quarenta ( alguns vão questionar). Muita coisa foi ao ar como não deveria ser.
WC -Foi difícil formar o elenco ?
EL- Não foi difícil encontrar o elenco. A gente está trazendo um ator que é pouquíssimo conhecido que é o Diogo Almeida. Ele já fez até participações na Globo, mas se você pensar num protagonista na Globo nem pensaria nele. Diogo fez uns três meses de teste, não é todo mundo que passa três meses fazendo teste. Cada etapa é uma construção, cada etapa vem um obstáculo, e você transpõe. É a rotina, em tudo. Não vem de graça. Olha o elenco: Isabel Filardis - 12 anos fora da Globo - Juliana Alves, Kala Kabenlele, Tony Tornado. Cinquenta por cento de elenco preto, cinquenta por cento de figuração preta. Tem baiano e baiana no elenco: Maria Gal, Rose Lima, Levi Assafi
(protagonista mirim) , Ana Cecília Costa. O discurso é a imagem na televisão, as narrativas não são gratuitas, começa num roteiro que a gente está fazendo. São as demandas que a minha presença impõe. A minha parte é uma revisão de vocabulário, de perspectiva. Quero destacar a presença do diretor artístico dessa novela, o diretor André Luís Cânara, primeiro diretor artístico da Tv Globo. A gente junto tem essa missão.
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WC- Em quem você se inspirou para essa novela ?
EL - Na história de Juliano Moreira, médico negro pioneiro da psiquiatria no Brasil. No Dr. Eduardo Soares, um dos primeiros médicos de Ilhéus, formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, a primeira do Brasil. Eu li uma pesquisa feita pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, a segunda do Brasil, que em 1940 tinha mais negros naquela Faculdade do que nos anos 70. Outro dado importante, muitos estudantes que se declaravam pardos ao entrar e saiam como brancos. O que significa isso? Que a gente foi para um espaço de branqueamento. Proporcionalmente falando a gente estava ali, nossa presença estava ali só que era muito difícil ser a gente, era muito mais fácil buscar estratégias de branqueamento e sair desse lugar do que reafirmar a minha existência nesse lugar. Isso levou o Brasil a uma virada de câmera, a gente focou nos brancos e os pretos que estavam ali não beijavam na boca na televisão. Tem muita história de branqueamento, não se ver é uma estratégia. Não ter como se reconhecer e não ter em quem se inspirar, focar, porque não tenho referência.
WC -Por que você voltou pra Bahia?
EL -Senti saudade e queria que minhas três filhas fossem criadas aqui. Primeiro porque ser estrangeiro não é bom. O baiano é muito diferente do carioca. Minhas filhas estavam virando funkeiras, sem conhecer o Olodum, sem comer acarajé. Isso tudo pra gente culturalmente é muito estranho. E os valores são outros. No Rio de Janeiro eles respeitam pouco os mais velhos, tem essa relação, chamam todo mundo de você. A mãe da colega é você. Aqui a gente chama de tia. A minha filha mais velha tem 11 anos e as duas gêmeas tem 8. Estão numa fase de construção de valores. Tem outra situação, minha mulher não se adaptou. E essas coisas são significativas e eu priorizo a elas. Pra mim é mais importante que a família esteja bem !
E nós vamos conferir a nova novela das seis: Amor Perfeito!
Wanda Chase
Wanda Chase
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