Quem liga a tv pra ver a novela das sete da Rede Globo, se orgulha de ver pela primeira vez na uma cena nada comum: uma mulher negra, bilionária, presidente de uma siderúrgica... E mais! É baiana, soteropolitana. Quem é esta mulher? Na ficção, Martha Gusmão, da novela “Cara e Coragem”. Já, na vida real, Claudia Di Moura. Bonita, elegante, altiva, consciente do seu papel na sociedade e dona do seu destino.
O cineasta Joel Zito Araújo, em seu filme e livro, “A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira” retrata a invisibilidade, a exclusão dos negros desempenhando papéis subalternos. Claudia Di Moura rompe com isso. Eu a entrevistei, me emocionei e chorei junto com a atriz quando ela me contou que foi impedida , quando criança, de ser anjo numa peça da igreja .
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Artista, estilista, autodidata, mãe, mulher, negra, empreendedora, vale lembrar que em 2018 a atriz ganhou projeção nacional por dar vida à empregada doméstica Zefa, na novela "Segundo Sol", da TV Globo. Por conta desse trabalho, foi indicada ao Prêmio Extra de Televisão e ao Melhores do Ano de Melhor Atriz Revelação e também recebeu uma indicação ao Prêmio Contigo! Sem falar na sua vasta trajetória teatral, onde conquistou o Prêmio Braskem de Teatro, na categoria Atriz, com a peça Policarpo Quaresma, com direção de Luiz Marfuz. Vamos à minha entrevista com ela.
Wanda Chase - Quem é Claudia Di Moura ?
Cláudia Di Moura - Uma mulher de fé, apaixonada pela vida, que teima em não tirar o sorriso do rosto. Mãe orgulhosa, amiga leal, profissional obstinada, abarrotada de sonhos e encantada pela inteligência e pela delicadeza
Wanda Chase - Que lembranças guarda da sua infância?
Cláudia Di Moura - Eu tive o privilégio de ter vivido o máximo da minha infância, sem traumas, sem privações. Cresci numa família amorosa e acolhedora. Brinquei, aprontei, aprendi, errei, fui feliz.
Wanda Chase - Quando se descobriu negra?
Cláudia Di Moura - Como é de praxe, eu me descobri negra sob o apontamento do racismo que sofri dentro da igreja católica, que nunca me permitiu exercer o papel de anjo nas dramatizações, porque, para eles, não existia anjo preto.Quando eu olho para aquela criança que sonhava em ser anjo na igreja e não podia, eu vejo que, para além da dor, aquela criança seguiu em frente e, dentro de mim, ela vibra de orgulho por tudo que nós conquistamos juntas.
O racismo é doloroso mas nunca me impactou ao ponto de eu querer desistir.
Wanda Chase - Por acaso pensou que um dia se tornaria artista ?
Cláudia Di Moura - Talvez a arte já se desenhasse como um caminho antes mesmo que eu pensasse sobre isso, mas tenha virado forma de expressão em resposta à exclusão e ao silenciamento. Claro que daí até assumir essa linguagem como ofício existe um caminho consciente, mas creio que a necessidade do fazer artístico vem antes que se lhe possa dar um nome. Ser atriz é uma maneira de tentar sobreviver ao silenciamento do racismo.
Wanda Chase - Quando iniciou sua carreira como atriz?
Cláudia Di Moura - Justamente a partir dessa necessidade de me expressar a despeito do silenciamento. Minha pele era banida na representação do céu? Então, eu mesma criei meus recitais, fora da igreja. E isso acabou eventualmente elucidando algumas questões a respeito da minha relação com a religião, com o sagrado e com a espiritualidade. Porque ficou muito claro que a responsabilidade sobre o racismo que eu sofri naquele ambiente, que deveria ser de oração e acolhimento, recaía sobre a fragilidade do ego humano e não sobre o poder ilimitado de Deus, com o qual eu sempre contei e conto. A arte serviu como ferramenta para que eu pudesse encontrar lugares nos quais a minha voz pudesse ser ouvida, mas isso só foi possível porque eu sempre tive certeza de que, mesmo no silêncio, eu não estava sozinha.
Wanda Chase - Quais foram os obstáculos? Como os venceu ?
Cláudia Di Moura - Eu contorno as dificuldades procurando ser sempre o mais cautelosa e coerente possível, buscando enxergar além das adversidades transitórias e confiando na intuição e no pensamento estratégico.
Wanda Chase - Quais foram suas inspirações? Ruth de Souza, Léa Garcia…?
Cláudia Di Moura - Minha inspiração para emergir como atriz veio daquela que foi o meu primeiro lar, a minha mãe. Ela quem me levou para Salvador, um lugar até então desconhecido para nós duas, e apostou desde sempre em mim, enxergando a atriz que eu viria a me tornar. Veio da minha avó que me contava causos cômicos ou trágicos repletos de alma enquanto trançava os meus cabelos. Vem de pessoas anônimas que observo pelas ruas, com seus tiques, sotaques e trejeitos, e que me entregam sem saber a gênese das minhas personagens. É claro que eu reverencio sim a trajetória das atrizes que vieram antes de mim, mas a construção da minha estrada não teve um mapa, não foi coletiva, não é uma herança. Se hoje eu tenho a sensação de que posso dar mais passos à frente, é porque por muito tempo eu ergui a ponte por onde ando, sempre a uma pedra de distância diante do meu pé.
Wanda Chase - Como está sendo a repercussão do novo trabalho, a novela “Cara e Coragem”?
Cláudia Di Moura - "Cara e Coragem" tem me dado a oportunidade de viver essa mulher madura e detentora do capital, uma personagem que não está aprisionada por privações materiais e que, por isso mesmo, exerce um outro tipo de liberdade que, para muitos de nós, é puramente teórica, é utópica. Claro que, por ela ser uma criatura da ficção, não estamos abandonando a utopia, mas eu empresto minha fisicalidade, minha voz, meu rosto, meu corpo, para torná-la o mais tangível possível. E a representação de Martha me coloca no interior dessa família, composta por mim, Ícaro Silva e Taís Araújo, pessoas bastante diferentes mas que se admiram e se respeitam muito. Tem sido realizador participar desse trabalho e defender uma personagem tão interessante, que já surge como um ponto de inflexão na minha carreira ainda tão incipiente na televisão.
Wanda Chase - Qual a grande lição de vida?
Cláudia Di Moura - Não me preocupo com as marcas que o tempo vai deixar em mim. Mas, sim, com as marcas que eu quero deixar no tempo.
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