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Ópraí Wanda Chase

As empreendedoras negras do Brasil Colonial

Cortejo Afro vai contar com roupa de gala essa história de sucesso de mulheres negras, empreendedoras no século XVII. Conheça a história!

Wanda Chase • 15/06/2024 às 16:31 - há XX semanas

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O Cortejo Afro vai contar com roupa de gala essa história de sucesso de mulheres negras, empreendedoras no século XVII. Libertas, elas se tornaram poderosas. Saíram das senzalas ostentando joias exuberantes, capazes de chamar a atenção de qualquer pessoa. Orgulhosamente, eu conto essa história. Nas fotos, você percebe a altivez de cada uma delas. A palavra, o verbo empreender, nem existia no nosso dicionário quando essas mulheres negras ganharam as ruas para trabalhar. Inicialmente, o grupo vendia de tudo que os senhores mandavam: bordados feitos pelas sinhazinhas, como também quitutes, acarajé, abará, doces, enfim mercadorias dos senhores de escravos.


				
					As empreendedoras negras do Brasil Colonial
Crioula da Bahia. J. Melo editor. Fotografia (cartão-postal), 1904-1915. Foto: Arquivo Museu Carlos e Margarida Costa Pinto

As mulheres estabeleciam metas: vender determinado valor e o excesso ou comissão ficava com as chamadas ganhadeiras. Tudo muito bem-planejado por elas, matematicamente. As mulheres começaram a fazer dinheiro - como diz o povo - e usavam o que ganhavam para comprar joias. Quando tinham o necessário, se fossem escravizadas, compravam sua carta de alforria e as que já eram libertas, compravam a carta para um filho ou filha e assim sucessivamente, conta a museóloga Simone Trindade, do Museu Carlos e Margarida Costa Pinto, localizado no Corredor da Vitória. As joias eram sinônimos de status e as negras ocupavam as ruas com elegância, principalmente em dias de festas comemorativas e procissões da Igreja Católica.

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Joias exuberantes que despertavam a atenção dos brancos. O dinheiro também era utilizado para garantir a segurança de um funeral digno. Eles nem imaginavam que tudo aquilo era uma estratégia de sobrevivência. A cada dia, o faturamento aumentava e o sonho de liberdade também. As peças logo ganharam o nome de Joias Crioulas ou Joias de Crioulas.

As peças eram criadas por ourives portugueses que montaram oficinas ensinando a arte aos moradores da Bahia, direito negado a negros e judeus, considerados pessoas de sangue impuro. Segundo a historiadora, designer de joias e escritora Laura Cunha, em seu livro - Joias de Crioulas, os malês, negros muçulmanos alfabetizados em árabe, que tinham expertise para a arte, passaram por essas oficinas criando as ditas joias.


				
					As empreendedoras negras do Brasil Colonial
Foto: Aníbal Gondim e Sérgio Benutti

JOIAS CRIOULAS DO BRASIL COLONIAL: JOIAS DE PODER E LIBERDADE

Segundo a museóloga Simone Trindade, a nomenclatura na bibliografia dos estudiosos era 'Joias de Crioulas'. Para garantir melhor leitura de tipologia - continua ela -, desde 2012 adotamos Joias Crioulas. E com os estudos e escutas passamos a adotar a nova nomenclatura.

Trindade diz ainda que crioula (o) é um termo pejorativo no Brasil. As joias crioulas, que não podiam ser usadas por mulheres brancas, são colares, pulseiras, argolas, pencas de balangandãs, brincos, pingentes enormes, pulseiras de placa e tipo copo, abotoaduras e ornamentos para o cabelo. As peças contam histórias de resistência, cultura, pertencimento. Há um elemento comum entre elas: é a figa, ora em osso, madeira, ora em azeviche (uma pedra preta de muito poder).


				
					As empreendedoras negras do Brasil Colonial
Penca de balangandãs em prata. Bahia, século XVIII. Acervo Museu Carlos e Margarida Costa Pinto. Foto: Saulo Kainuma

Alguns povos acreditam que o azeviche tem poder de afastar todas as energias negativas. A figa é um amuleto em forma de mão fechada, o símbolo mais forte do misticismo, significa o ato sexual. É o masculino e o feminino se unindo para criar vida.

E quem dá vida? Pergunto à museóloga, que responde: a vida é dada pelas divindades, aí é vida contra a morte, luz contra trevas, por isso que afasta o mau-olhado. Na penca do balangandã, além da figa, tem ainda o cacho de uva e romã, frutas do Mediterrâneo que não tinha aqui na Bahia, mas está na Bíblia que cita os judeus. O cacho de uva representa o sangue de Cristo. Os dentes dos animais são uma referência aos povos caçadores. São várias culturas, crenças no balangandã, citado na canção de Dorival Caymmi,


				
					As empreendedoras negras do Brasil Colonial
Joias de crioula em ouro. Bahia, séculos XVIII e XIX. Acervo Museu Carlos e Margarida Costa Pinto. Foto: Aníbal Gondim e Sérgio Benutti

“O que que a baiana tem”, gravada pela primeira vez pela luso-brasileira Carmem Miranda, estilizada de baiana. Dá pra imaginar as nossas conterrâneas usando suas pulseiras, seus balagandãns, vestidas a rigor, com suas batas e saias rodadas? Ah, e ainda tem outra história dentro dessa. Na Casa Grande, quando os senhores donos de pessoas escravizadas faziam festas. Eles cobriam de joias as mucamas, amas de leite, cozinheiras e toda a criadagem para ostentar riqueza, impressionar o visitante. Essa atitude despertava inveja nas mulheres brancas.

Que história, hein?! Dá um orgulho danado de ver como nossas irmãs eram sábias. A forma como elas lutaram pela liberdade. Todas são mulheres anônimas, já que não há registros dos nomes dessas negras, marcadas pela invisibilidade. "Tem saia engomada, tem (Tem). Sandália enfeitada, tem (Tem). ó vai no Bonfim quem tem. O que é que a baiana tem? Só vai no Bonfim quem tem. Um rosário de ouro, uma bolota assim. Quem não tem balangandãs não vai no Bonfim." Bela homenagem do nosso Caymmi. Falando nisso, vou até comprar um balagandã pra mim!!!

Imagem ilustrativa da coluna ÓPRAÍ WANDA CHASE
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