O alarme já tocou cinco vezes e você não se levantou. Quando abre um dos olhos e enxerga a hora, você salta da cama e começa a correria para se arrumar, comer alguma coisa e partir para a jornada diária. Pega trânsito, chega no trabalho já meio cansada desta correria matinal e o dia mal começou. Se debruça nos desafios e cobranças, responde mensagens, resolve alguns problemas pessoais enquanto dá conta das tarefas profissionais...
Terminada a carga horária, começa a próxima jornada, que geralmente envolve família, filhos, eventos sociais ou os próprios cuidados pessoais. Antes de dormir, uma checada nas notícias para se inteirar do que está acontecendo no mundo. E as notícias não são nada boas... No final do dia, a exaustão é inevitável. E no dia seguinte começa tudo outra vez.
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Diante de tanta correria, dá tempo de ser feliz?
No livro Você aguenta ser feliz?, meu conterrâneo e hoje amigo Nizan Guanaes contou o que precisou fazer para encontrar, na rotina tão corrida e atribulada, tempo para cuidar da sua saúde mental. Da sua felicidade.
Junto com o psiquiatra Arthur Guerra, ele compartilha a sua trajetória na construção da própria felicidade, baseada numa rotina estruturada e organizada para contemplar a prática de atividade física, alimentação saudável, sono de qualidade e bons relacionamentos. Tudo isso, sabemos, é fundamental para nossa saúde mental. Mas dá trabalho. Exige tempo. Exige escolha e esforço constantes.
Quando a gente vive na correria e no automático, fica difícil ser feliz. Porque ser feliz é, também, escolha. E a gente só consegue fazer boas escolhas com consciência. Com pausas.
Outro dia minha amiga Carol me perguntou como eu consigo lidar com tanta violência no dia a dia do meu trabalho. Sabendo que sou uma pessoa muito sensível e acompanhando as últimas notícias do estado, ela estava preocupada com meu bem-estar e quis saber como tenho dado escape à quantidade de emoções negativas que as notícias que relato me despertam. Como seguir firme e forte apesar de tudo?
Eu fiquei refletindo sobre isso e quis compartilhar com você que me lê. Afinal, a vida não está fácil pra ninguém, não é mesmo? Como você tem feito? Quais são as suas ferramentas para lidar com esta realidade intensa que estamos vivendo?
Como seguir tendo esperança, apesar de todas as tragédias noticiadas? Que motivos encontramos para continuar fortes e sorrindo diante de um mundo que parece estar cada dia mais violento, cansativo, exigente, intolerante e desafiador?
Que belezas e bondades estamos deixando de notar no dia a dia porque estamos afundados em tanta barbárie? Ou porque estamos ocupadas e ocupados com tantas exigências, demandas e responsabilidades? Quais são os nossos motivos e estímulos para continuar aguentando?
Às vezes, dá muita desesperança mesmo. Não é fácil encontrar a satisfação diante de tantas demandas da nossa vida, quando estamos diariamente atoladas em nossos próprios problemas e ainda por cima somos engolidas pela miséria do mundo.
E então, como fazer?
Eu não tenho respostas, mas tenho pistas.
Diferente do que muita gente pensa, a solução para a felicidade não está no dinheiro ou na fama. Claro que, se as necessidades básicas não forem atendidas, é bem difícil ser feliz e estar satisfeito com a vida.
Mas, quando as necessidades de alimentação, moradia e educação estão garantidas, ganhar mais dinheiro não significa ter mais felicidade – e isso quem diz é o mais longo estudo sobre felicidade já feito no mundo, realizado pela universidade de Harvard.
Uma vez assisti a um documentário sobre a felicidade e isso me chamou a atenção: enquanto pessoas que aparentemente tinham “tudo” lutavam para se sentir bem e felizes, pessoas com muito menos posses materiais ouvidas pelo mesmo documentário disseram que se sentiam felizes. Elas tinham uma riqueza interior. Elas se diferenciavam na forma de enxergar o mundo, a vida e de ser gratas pelo que tinham e viviam.
E acho que aí está uma das pistas da felicidade: o sentimento de gratidão. É impossível pensar sobre as coisas pelas quais você é grata e não sentir imediata felicidade. Experimente aí.
Comece pensando nas coisas que parecem mais simples e que temos como “garantidas” (como estar vivos, um teto pra morar, um chuveiro quente pra tomar banho...), mas que não são a realidade de todo mundo. E vá evoluindo para tudo aquilo que você sonhou e conseguiu conquistar na vida. Vá pensando em cada coisa e agradecendo. Não aparece um sorriso no rosto e um quentinho no coração na hora?
Para o Budismo, a felicidade é um estado mental. E a libertação do sofrimento está nas escolhas feitas a partir do autoconhecimento.
Recentemente, li algo interessante nessa linha no livro “The gap and the gain” (cuja tradução livre seria algo como “a lacuna e o ganho”). Os autores explicam que há duas formas de enxergar qualquer coisa que a gente realiza: a partir do olhar do que conquistamos (o ganho) ou do olhar para o que faltou para que atingíssemos o que seria o ideal (lacuna). E a escolha desse olhar determina a forma como nos sentimos.
Se, ao realizar algo que planejamos, focamos no caminho percorrido, ou seja, aonde chegamos, o ganho que tivemos, conseguimos extrair uma satisfação. Mas, se olhamos para a lacuna, para tudo aquilo que não saiu como se esperava, se desejava, como seria o ideal ou o perfeito, ficamos com uma sensação ruim dentro de nós. “A lacuna é uma atitude mental tóxica que impede as pessoas de serem felizes e desfrutarem da vida”, diz um trecho do livro.
Estamos vivendo na lacuna toda vez que medimos nós mesmos ou nossa situação diante de um ideal – que geralmente é inatingível.
Ou seja, podemos escolher olhar de uma forma ou de outra. Podemos escolher nos sentirmos bem ou incomodados.
Essa escolha é interna. E é uma escolha que precisa ser consciente. Porque a tendência humana é mesmo estar na lacuna. Nos acostumamos fácil ao que somos e ao que conquistamos, e rapidamente estamos insatisfeitos outra vez, constantemente vislumbrando a próxima conquista. Para os autores, o antídoto é buscar o foco do ganho.
É escolher a gratidão.
É escolher uma narrativa mental que vai te fortalecer, te fazer sentir bem.
E eu vou além: não é apenas em relação à lacuna e ao ganho, mas também em relação aos nossos julgamentos sobre as pessoas e sobre a realidade. A nossa forma de enxergar e interpretar o mundo é determinante para a nossa forma de sentir.
Assim, olhar as pessoas e o mundo com amor, compreensão, compaixão e empatia pode fazer total diferença em nossa vida e na das pessoas a nosso redor.
A bondade, aliás, também é um elemento associado à felicidade. Para Aristóteles, a felicidade está ligada à prática do bem. Já o escritor russo Leon Tolstoi disse que “a alegria de fazer o bem é a única felicidade verdadeira”.
Pensar o bem, sentir o bem, fazer o bem: isso faz bem.
A gente é mais feliz sendo bom. Mesmo que o mundo não seja.
Essa minha amiga Carol é especialista nisso. Vive cuidando e fazendo o bem pra todo mundo. E às vezes perguntam pra ela: por que você continua fazendo o bem por pessoas que não reconhecem ou que até te sacaneiam depois? E ela sempre responde: “porque me faz bem fazer o bem”. Até quase soa egoísta, né? Mas aí a gente se lembra que todo mundo sai ganhando dessa forma.
E eu acredito nisso também. Cada um só pode dar o que tem dentro de si. Eu só quero cultivar bondade e amor no meu coração. Não quero ter espaço para o ódio dentro de mim. Não quero oferecer maldade, rancor, mágoa. Então, a bondade e o amor serão as únicas coisas que poderei oferecer. E serão os sentimentos que vão vibrar dentro de mim.
Ser feliz dá trabalho porque exige, sim, esforço. Às vezes físico, às vezes mental – e emocional. Escolher a narrativa mental da qual vamos nos apropriar.
Tem gente que parece que nasce naturalmente com isso, né? Que não importa o que esteja acontecendo, está sempre alto astral, sorrindo, rindo e fazendo rir. Essas pessoas iluminam os ambientes. Tenho algumas amigas assim. A maioria não é jornalista, é verdade. Não está mergulhada em notícias trágicas nem tem na sua profissão uma exigência de refletir profundamente sobre a sociedade.
Podemos pensar que talvez a ignorância seja o segredo da felicidade. E muitas vezes é mesmo. Mas não sei se é só isso. Acho que essas pessoas fizeram da felicidade um hábito. Construíram uma atitude mental de privilegiar a gratidão, a alegria, olhar o copo cheio diante de todas as situações.
Para a maioria de nós, nos resta exercitar e torcer para algum dia isso seja automático. Que a felicidade seja hábito. Seja rotina. Que ela também faça morada em nossa vida.
Até lá, ela será mesmo um esforço.
Sim, ser feliz dá trabalho. Mas vale a pena.
Jéssica Senra
Jéssica Senra
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