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O olhar dela

Guarde seu chicote que eu quero conversar

Jéssica Senra compartilha como faz para lidar com a autocobrança persistente

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Jéssica Senra

04/10/2023 às 10:11 - há XX semanas
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Na semana passada, vocês meio que me convenceram de que não sou uma impostora. Foram tantas mensagens de pessoas que se identificaram e me agradeceram por colocar esta injusta síndrome em evidência que até achei bom ter falado logo disso.


				
					Guarde seu chicote que eu quero conversar
Foto: Arquivo Pessoal

Não que eu tenha gostado de saber que tem um monte de gente sofrendo do mesmo mal. Ao contrário. Foi meio triste ver tanta gente cheia de potencial se sentindo incapaz. Ainda que eu mesma tenha lido e escrito sobre a pesquisa apontando sete em cada dez mulheres se sentindo uma fraude, fiquei surpresa ao ver este número se materializar em tantas pessoas - e pessoas geniais! - que me disseram constantemente questionar a própria capacidade.

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“Me vi no seu texto”. “Nossa, sou eu”. “Eu todinha”. Foram algumas das reações que li.

O lado bom disso foi me sentir compreendida e perceber que não estou só em minhas inquietações. E me sentir menos fraude. Viu como falar sobre o assunto nos fortalece?

Eu ainda não sei exatamente como irei conduzir esta coluna. Sei que muita gente me acompanha por causa das opiniões que costumo trazer no telejornal. Mas queria experimentar algo diferente, sabe? Pelo menos neste início.

(Porque eu sou meio assim... digo que não vou dizer nada e, quando percebo, já estou lá falando um monte!)

A princípio, quero falar de assuntos diferentes. Quero que seja um momento prazeroso para você que me lê. E quero que de alguma forma sempre acrescente algo na sua vida.

Então, hoje eu decidi continuar essa conversa da semana passada e compartilhar como eu faço para lidar com a autocobrança persistente. Quem sabe não te ajuda também?

Bom, a melhor amiga da Síndrome de Impostora é aquela voz altona que ressoa na minha cabeça. E desconfio que esta voz ecoa em várias outras cabecinhas por aí.

Essa voz me diz coisas muito duras. Quando me olho no espelho, ela parece que identifica tudo que está fora do padrão estético e dá logo uns berros. Quando concluo algum trabalho, lá está ela me questionando e apontando defeitos. Quando cometo algum deslize, pior ainda, lá vem ela me martirizar e me fazer sentir a pior pessoa do mundo.

Essa voz até que foi positiva em alguns momentos, pois me levou a ir mais longe, sempre buscando me aprimorar mais, nunca satisfeita com o que eu alcançava. A satisfação sempre estava mais adiante, na próxima conquista. E eu seguia.

No entanto, em um dado momento, essa voz começou a me castigar. Não importava o tamanho ou a importância do que eu tivesse realizado ou conquistado, ela sempre estava lá para apontar o que podia ter sido melhor.

Ela é uma espécie de estraga prazeres, sabe? Aquela pessoa para quem você conta alguma coisa bem animada e ela logo te joga um balde de água fria com críticas “construtivas” para o seu “bem” - sendo que aquilo geralmente só faz você se sentir mal.

Talvez seja o que Freud chamava de Superego - uma parte da nossa mente responsável por reprimir nossos desejos indevidos, que fala com a gente sempre em linguagem de censura, culpa e medo do castigo. Uma voz que replica valores morais e culturais e pode soar como se você ouvisse a sua mãe ou seu pai, um professor, um chefe...

No meu caso, minha terapeuta e eu a chamamos de “Jéssica com um chicote na mão”. Essa moça super exigente, que me cobra, me critica, que me faz mil perguntas sobre minha capacidade e é super rígida comigo, dizendo querer me proteger de sofrer mas, na verdade, sempre me punindo com duras palavras e questionamentos.

Quando diante de um novo desafio, de um projeto ou algo relevante que quero realizar, eu preciso baixar o volume dessa voz interna que vem com seu açoite ficar me recordando do que pode dar errado. Eu preciso que ela se cale para que eu possa ouvir a voz da minha própria sabedoria, a voz criativa que vai me conduzir pelo meu desafio. Há outras vozes dentro de mim, mas as boazinhas ainda falam muito baixinho. A repressão é que gosta de gritar.

Parte do processo terapêutico consiste em buscar o diálogo entre essas vozes e encontrar um equilíbrio saudável entre o medo que nos protege e a coragem que nos faz avançar.

Nos dias em que não consigo calar os excessos dessa voz repressora nem dialogar com ela, recorro a outras vozes, procuro minha rede de apoio. Sabe aquelas pessoas que nos conhecem e nos querem bem, com quem podemos dividir angústias e ouvir delas um lembrete de quem somos, palavras de amor e confiança que possam ecoar dentro de nós? Pois então.

Entre as mensagens que recebi na semana passada, particularmente me emocionaram aquelas de pessoas que relatavam terem se encorajado a tirar do papel um sonho, um desejo antigo, que encontraram coragem e uma injeção de ânimo para dar o passo à frente, apesar do medo. A minha voz externa, uma voz em que elas confiam, ajudou a reverberar a confiança dentro delas mesmas. E acho que aí tem uma chave importante para abrir essa porta trancada pelo medo.

Ouvir pessoas que admiramos e têm algo a compartilhar, estar perto de pessoas que nos querem bem e que, antes de nos censurar, estão ali para nos lembrar das nossas qualidades e nos ajudam a colocar pra fora o melhor de nós, são escolhas que tornam nossa jornada melhor e menos pesada.

Bom, minha terapeuta provavelmente me diria que isso é procurar validação externa. E que eu devia buscar dentro de mim essa própria voz que empodera. Ela com certeza está certa. Mas eu ainda não cheguei lá plenamente. Então, muito obrigada a cada um e cada uma de vocês que me encorajam, me lembram do meu potencial e do meu propósito. Desejo que este diálogo externo também te faça perceber como anda o seu diálogo interno, quem são as vozes que comandam a sua mente e quem é que você anda permitindo que fale mais alto na sua vida. Sigamos!!

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Jéssica Senra

Jornalista, vivo da realidade, mas também da utopia.

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