Quando eu era colegial, lembro bem por cima de ter escutado falar na Revolta dos Malês. Sabemos que, muito do que nos foi contato, era direcionado pela ótica do colonizador branco europeu. Só adulta eu entendi o que aquilo significava. Quando li o livro “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves, tudo ficou mais explicado e, aquele levante feito por negros e negras escravizados em 1835 em Salvador, foi um dos mais relevantes e corajosos movimentos realizados na nossa história. Hoje, é reverenciado como a maior revolta do Brasil feita pelos que foram escravizados.
Esse acontecimento já está se tornando um filme, idealizado pelo renomado ator Antônio Pitanga, com um elenco de ponta. Entre eles, o ator, roteirista e diretor baiano, Heraldo de Deus, um dos nossos grandes articuladores da arte cinematográfica da contemporaneidade de Salvador, da Bahia.
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Eles gravaram uma parte em Maricá (RJ) em 2021 e outra em março deste ano (2023) em Cachoeira, no Recôncavo Baiano. Confira essa deliciosa entrevista com Heraldo de Deus e saiba como foram os bastidores de gravação deste longa, que está previsto para ser lançado no primeiro semestre de 2024.
1. Como foram as gravações para o filme e como tem sido sua participação nele?
H - Eu estou nesse projeto desde 2021, na verdade acho que uns cinco anos antes… Em 2016, quando ainda trabalhava na Dimas, rolou uma estreia do documentário Pitanga, uma entrevista pro Corte Seco, programa que eu apresentava e, naquela época, soube da vontade do filme Malês ser rodado aqui na Bahia. De bate-pronto eu pensei: vou participar. Acho que ali era um desejo inicial de ver e de estar numa obra que narra uma história muito minha, muito ancestral. E como diz Raul Seixas: “Basta ser sincero e desejar profundo”. Esse projeto me deu uma oportunidade de estar com muita gente boa, a quem admiro há muitos anos, além de colegas que já havia trocado em outros momentos da minha vida artística.
No elenco tinham: Camila e Rocco Pitanga, Bukassa Kabengele, Rodrigo de Odé, Thiago Justino, José Araújo, Samira Carvalho, Wilson Rabelo, Patrícia Pilar, além dos baianíssimos Rafael Martins, Val Perre, Jhonas Araújo, que faz meu irmão, as brilhantemente inconfundíveis Edvana Carvalho e Valdinéia Soriano, Marcos Dioli, Antônio Fábio, Dudé Conceição, Moara Sacchi, Carlos Betão e um dos maiores que temos comandando a nave: Antônio Pitanga. Um mestre. Gente que acompanhei muito na teledramaturgia e nos teatros além de uma equipe maravilhosa, administrativa, de maquiadoras, a técnica, a galera da arte e do som, a Tambellini e a Obá Cacauê, todes dispostes a fazer esse filme acontecer. Nós gravamos uma etapa do filme em Maricá (RJ) e terminamos aqui na Bahia, em Cachoeira, lugar melhor, impossível.
2. Me fala do seu personagem e da narrativa do filme?
H - Vou tentar falar pouco. Vitório Sule é alguém que percebe que a liberdade não tem preço. Um pai de dois meninos que entende que a maior lição que pode dar aos garotos é lutar por uma emancipação verdadeira. No filme, tenho um núcleo familiar mais próximo composto por Camila Pitanga, Jhonas Araújo e pelos meninos, Miguel Portugal e Pietro Teles, que são maravilhosos.
3. Como foi filmar com essas pessoas e nesses locais?
H - Não só filmar, mas outras partes da convivência foram muito legais. Conversas produtivas, importantes pra que a gente siga no caminho. Em dado momento, estávamos conversando sobre como é difícil estarmos numa obra com tanta gente como a gente. Normalmente só aparecemos quando o parêntesis demarca: negro. Ou estamos todos concorrendo ao mesmo papel. Isto dialoga muito com a obra e também com o que eu acredito na vida. Vale a pena ser o negro único nestes lugares? Estou aqui por uma aspiração individual ou por uma luta coletiva?
4. Como você vê a importância dessas narrativas serem contadas hoje em dia?
H - Em 2017 eu fiz uma peça que os veículos não deram tanta bola sobre a vida de Mário Gusmão. Antecessor de Antônio Pitanga na Escola de Teatro da UFBA. Mas a frase que encerrava o espetáculo continua reverberando na minha cabeça e com certeza ela reflete muito este momento. “A porta está escancarada e o caminho não tem mais volta”.
Inclusive, existe no próprio Recôncavo um campus universitário chamado Malês, que recebe estudantes de diversos países africanos e de territórios quilombolas e eu tenho percebido um movimento cobrando o fim da construção do prédio, uma vez que lá a Unilab funciona num prédio cedido pelo município. Pensar a revolta dos Malês não só no sentido do filme, mas em como isso reverbera no hoje é importantíssimo, já que estamos tratando nos dois casos de uma união Brasil – África, girando em torno de uma emancipação advinda do conhecimento.
5. Conta alguma curiosidade dos bastidores dessa gravação, que você viu, sentiu, ficou surpreso?
H - Nossas conversas eram muito legais e alguns momentos ficarão sempre na memória, como as rodas de violão na beira do rio de Cachoeira, a galera da cidade com quem fizemos amizade, as altas ideias que trocávamos com Sine Calmon na praça da cidade ou trombar com Edson Gomes saindo do Pai Tomaz, os cafés da manhã sempre recheados de boas conversas com seu Antônio Pitanga na pousada. Mas se tem uma coisa que me surpreendeu: a vontade e a entrega dos moradores locais que trabalharam como figurantes em fazer essa história ficar ainda mais bonita. Foi muito empenho dessa galera de diversas idades.
6. Quando deve ser lançado o filme?
H - Agora tem o período de montagem do filme né. Li numas entrevistas que a previsão é sair em maio do ano que vem, mas não tenho certeza sobre nada. Espero que seja logo!
Vanessa Aragão
Vanessa Aragão
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