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Não vá que é barril! O relato de quem viveu o risco de viajar para um país em conflito

Que nem todo lugar é seguro para viajantes, todo mundo sabe. Mas, vivi o pior pesadelo de um viajante que tem no currículo 52 países.

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Erick Issa

31/01/2023 às 18:00 • Atualizada em 14/02/2023 às 20:04 - há XX semanas
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					Não vá que é barril! O relato de quem viveu o risco de viajar para um país em conflito
Foto: Divulgação

Que nem todo lugar é seguro para viajantes, todo mundo sabe. Mas nem sempre a falta de segurança tem a ver com a violência urbana. A insegurança pode estar presente em diversos contextos, entre os quais estão os conflitos políticos. Viajar para um país que enfrenta turbulências políticas é seguir por sua conta em risco. Não precisamos ir longe para citar dois exemplos atuais: Bolívia e Peru. Enquanto o primeiro enfrenta protestos, principalmente em Santa Cruz de La Sierra, o segundo tem manifestações em várias partes do país.

Recentemente, estive na Bolívia. Na capital, La Paz, tudo parecia normal. Deu para conhecer a cidade e fazer passeios tradicionais, mas ao chegar em Santa Cruz de La Sierra, vivi o pior pesadelo de um viajante que tem no currículo 52 países. Foi sem dúvida a situação mais tensa, perigosa e estressante entre todas as viagens que já fiz. É isso que passo a narrar a partir de agora para que vocês saibam que essas situações são muito comuns em países com conflitos políticos. Quer conhecer lugares como Bolívia ou Peru? O melhor a fazer é esperar as coisas acalmarem. Por enquanto, escolha outro destino.

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Era 21 de novembro de 2022, após uma passagem rápida por La Paz, onde conheci um pouco mais da cultura boliviana naquela que é a capital mais alta do mundo, com 3.625 metros de altitude, era hora de embarcar para Santa Cruz de La Sierra, tida como a cidade mais moderna do país andino. No começo, passaríamos três dias em Santa Cruz, mas como Neide, uma amiga que viajava junto, ficou doente, decidimos antecipar a volta para o Brasil, ficando apenas um dia na cidade boliviana e abrindo mão de visitar o famoso Salar de Uyuni.


				
					Não vá que é barril! O relato de quem viveu o risco de viajar para um país em conflito
Foto: Divulgação

Os sinais de que alguma coisa errada estava acontecendo começaram no aeroporto. Ao pesquisar o trajeto até o hotel, eram relatados engarrafamentos sem fim. De qualquer forma, já havia pesquisado que essa corrida tinha preço tabelado e não podia passar de 80 bolivianos. Até aí, tudo bem. A agonia começa é agora.

Acontece que ao sair pela porta do aeroporto, diversos homens amontoados se jogam em cima dos turistas para oferecer táxi. Os preços começavam em 160 bolivianos. Mas como assim o dobro da tabela? Eles justificavam que as vias estavam “cerradas”, ou seja, fechadas, e que havia muitos “paros” no caminho. Até então não sabíamos o que estava acontecendo e muito menos o que significava “paros”. Após muito choro e perceber que o Uber mais próximo estava a 15 minutos do aeroporto, fechamos por 120 bolivianos.

Seguimos até o táxi, que, acreditem, não era bem um táxi. O carro velho, provavelmente da década de 80, não tinha sequer cinto de segurança. A cadeira do motorista não existia. No lugar, ele adaptou uma cadeira de praia. Nesse momento, devíamos ter descido e buscado outro veículo, mas ficamos sem reação e seguimos viagem. Tudo já parecia tão estressante, que acabamos embarcando naquela aventura. Como sempre viajo conectado, coloquei no Google Maps o caminho até o hotel para acompanhar o trajeto. De cara, percebi que o motorista não pegou a via principal. Já achei estranho, mas segui acompanhando. Quando esse homem entrou numa via deserta a 100 quilômetros por hora, Neide puxou papo e ele diminuiu a velocidade, afinal, não tínhamos cinto de segurança.

A rota alternativa que o Maps mostrava também não foi seguida pelo taxista. Foi nesse momento que tive certeza de que alguma coisa estava errada. Dois quilômetros à frente, minhas suspeitas foram confirmadas quando avistamos alguns homens na beira da estrada, armados e com pedaços de madeira nas mãos, segurando uma espécie de corda para impedir passagem do carro. Com o susto, Lucas, que também fazia parte do nosso grupo, questionou o que era aquilo. Para mim, se tratava de milicianos. O motorista sorriu e disse que eram “paros”, onde se cobrava 1 boliviano para liberar a passagem. Uma espécie de pedágio instituído por pessoas para lá de duvidosas.

Passado o primeiro susto, pois conseguimos seguir viagem, questionamos um pouco mais daquela situação ao motorista. Ele disse que no caminho passaríamos por muitos “paros” iguais ao primeiro e que todos cobravam o mesmo valor para liberar a passagem. O pior é que era verdade. Foram mais de 30 paradas. Em todas elas, pessoas com madeiras, canos, armas e demais artefatos ameaçavam os motoristas e seus passageiros para ter o bendito boliviano. Nosso motorista explicou que o “pedágio” só é cobrado em uma mão, ou seja, se você já passou por ali na ida, não paga a volta.


				
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Foto: Divulgação

Tudo era muito assustador. Homens, mulheres, idosos e até mesmo crianças faziam as ameaças com suas armas. Minha reação foi enfiar o celular na parte da frente da cueca e colocar a carteira na parte de trás. Lucas também escondeu o celular. Naquele momento, o motorista seguia caminhos cada vez mais estranhos, por estradas de barro, de terra, na contramão, passando por cima de canteiros. Eu tinha certeza de que ele estava nos levando para algum tipo de comparsa, que seríamos assaltados ou até mesmo sequestrados. Estávamos todos muito tensos. Neide tirou o anel e me deu, sem o motorista perceber, para que eu guardasse de alguma forma.

Em determinados momentos, eu tirava o celular discretamente do esconderijo para olhar se estávamos próximos ao hotel. Quando saímos do aeroporto, o Maps informava que a corrida duraria 46 minutos. Acontece que 15 minutos após deixar o aeroporto, o Maps mostrava que estávamos a 45 minutos do hotel. A situação só piorava, porque o motorista seguia por rotas cada vez mais estranhas. Em determinado momento, o taxista informou que precisava abastecer o carro e que todos deveriam sair do veículo. Foi nessa hora que pensei que ele fugiria com nossas malas, afinal o carro dele não era a gás, então por que sair do veículo? Saímos, porém, ficamos abraçados as portas, numa cena super tosca, mas foi a forma que encontramos de nos proteger de uma possível fuga do taxista com nossas malas.

Abastecimento concluído, voltamos ao carro. Naquele momento, passamos a conversar mais com o motorista, buscando informações sobre todo aquele caos. Questionamos por que a polícia não fazia nada. Ele disse que quando a polícia era acionada, as coisas pioravam e os manifestantes ficavam mais agressivos. Mas como assim manifestantes? Para mim, se tratava de aproveitadores. Foi aí que ele explicou que parte da população se manifestava contra o governo bloqueando todas as vias principais da cidade, o que obrigava motoristas a buscarem caminhos alternativos, que, por sua vez, sofriam com os “paros”, já que a outra parte da população que não protestava contra o governo, aproveitava a oportunidade para lucrar.

Toda aquela situação parecia um pesadelo sem fim. Eu só queria ir embora daquela cidade, mas, antes disso, precisava chegar ao hotel em segurança. A todo instante o taxista entrava em ruas buscando passagens, mas a maioria delas estava bloqueada. Quando não estavam fechadas com pneus, barro, entulho e caminhões, as vias estavam fechadas com carros particulares ou com uma corda enfeitada com a bandeira da Bolívia.


				
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Foto: Divulgação

Os protestos contra o governo exigem a antecipação do censo previsto para 2024. Os manifestantes alegam que a eleição de Luis Arce para a presidência foi fraudada e que a realização do censo vai ajudar a provar isso, além de corrigir distorções em transferências de recursos e quantidade de cadeiras no parlamento para o departamento de Santa Cruz. Para contextualizar, Arce foi eleito presidente, em outubro de 2020, com apoio do ex-presidente Evo Morales. Ele teve 55% dos votos em primeiro turno, seguido dos opositores Carlos Mesa, com 28,8%, e Luis Fernando Camacho, com 14%, sendo que este último se elegeu pouco depois como governador de Santa Cruz.

Voltando ao nosso conto de terror, o caminho entre aeroporto e hotel, que em situações normais não passaria de 25 minutos, durou intermináveis DUAS HORAS. E quando achamos que o pesadelo tinha acabado e que nada podia piorar, nos deparamos com um hotel fechado, trancado com corrente e cadeado. O desespero foi tanto que Lucas e Neide tiveram uma reação instantânea de implorar que o taxista nos levasse de volta para o aeroporto. Aquela para mim não era uma opção, afinal já estava escuro, por volta de 19h, e teríamos que passar novamente por todas aquelas paradas. Nunca se sabe o que poderia acontecer.

Vendo o desespero dos dois, eu falei: vocês estão loucos. Não tem como voltar para lá agora. Precisamos tomar banho, descansar e depois vamos ao aeroporto. Foi então que peguei meu celular, entrei em um site de reservas de hotéis e procurei aquele que estivesse mais perto da nossa localização. O motorista nos levou até esse novo hotel que encontrei. Estava tudo apagado, mas, para nosso alívio, tinha dois funcionários na parte interna, que, nos olharam assustados como se pensassem: o que esses loucos estão fazendo aqui?

O certo é que entramos no hotel, pedimos um quarto para três, pagamos em dinheiro vivo. Foi um alívio instantâneo. Para completar, mercados, restaurantes e demais lojas estavam fechadas. Até mesmo o restaurante do hotel não funcionava. O taxista nos havia informado que o comércio só abria até 11h da manhã, que depois disso fechava tudo por conta dos protestos. A salvação foi que a recepcionista do hotel pediu nossa comida em outro hotel que estava operando o restaurante.


				
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Em nosso hotel fantasma, que não tinha um pé de pessoa, tomamos banho e fomos dormir, embora ninguém tenha conseguido de fato pegar no sono. Só pensávamos no dia seguinte, em como chegaríamos até o aeroporto. Deixamos reservado um táxi para 4h da madrugada, no intuito de voltar ao aeroporto em um horário teoricamente mais tranquilo. Eu passei a madrugada morrendo de medo de chegar no horário e não ter ninguém na recepção nem taxista para nos levar.

No horário esperado, o táxi estava lá. Por 150 bolivianos, ele aceitou nos levar até o aeroporto. Nosso voo decolava 9h da manhã. Segundo o motorista, na madrugada tem menos “paros”, o que não significava que não passaríamos por fortes emoções, já que os protestantes ficam mais agressivos nesse período do dia por estarem “borrachos”, ou seja, bêbados.

É fato que passamos por alguns “paros”, muito menos do que no dia anterior, mas realmente vimos um grupo completamente bêbado. Para esse grupo, nosso taxista disse que estava “pobrito” e que não tinha 1 boliviano, mas que tinha outra coisa. Para nossa surpresa, ele levantou um saco cheio de folha de coca e deu aos manifestantes, que ficaram felizes da vida e liberaram nossa passagem. Nosso carro passou pelo meio fio, por cima de barro e até mesmo arrastou em cima de entulho. Eu estava vendo a hora do carro ficar preso e termos que descer para tentar empurrar.

Ao se aproximar do aeroporto, mais um “paro”, mas nesse não se cobrava 1 boliviano. Aqui, os protestantes pediam o comprovante da passagem aérea para ter certeza de que as pessoas dentro do táxi realmente iriam viajar. Foi nesse momento que o taxista pediu meu celular para entregar aos manifestantes para mostrar os bilhetes. Eu quase entrei em desespero. Para mim, não era uma possibilidade entregar meu celular na mão de desconhecidos que poderiam decidir não me devolver o aparelho. A sorte é que sempre levo todos meus comprovantes de viagens impressos, sejam voos, hotéis, seguros, dentre outros. Peguei os papeis, entreguei e ficamos no aguardo. O cara passou uns dois minutos lendo até nos liberar. Em seguida, nova barreira pedindo comprovação de passagens.

Quando chegamos na frente do aeroporto, Neide gritou: graças ao meu Senhor do Bonfim, porque tenho que chamar pelo santo da minha terra! Aliviados, sorrimos e ingressamos no aeroporto que estava lotado. Uma confusão daquelas! Nesse caso, a gente nem estava se importando com nada. Já nos sentíamos seguros e com a certeza de que pegaríamos nosso avião de volta ao Brasil.

Durante essa aventura, corri para avisar uma amiga nossa, Ilana, que estava conosco em La Paz, mas seguiu viagem até Uyuni e depois passaria três dias em Santa Cruz. Achei que avisando-a seria um jeito dela se proteger contra toda essa loucura, junto com outros brasileiros que estavam com ela. De nada adiantou. Enquanto nós fizemos o caminho em 2h, eles passaram 3h até chegar ao hotel e ainda tiveram os dois carros atolados no meio do percurso. Por fim, sem conseguir passar pelas paradas, tiveram que trocar táxi por moto, com as malas seguindo em um veículo diferente.

Esse relato do sufoco que passamos na Bolívia é só uma parte dos riscos de se viajar a regiões em conflitos políticos, afinal poderíamos ter sido sequestrados, assaltados ou até coisa pior. Em 20 dias de protestos na Bolívia, foram contabilizadas quatro mortes e 178 feridos. A situação por lá parece ter piorado nos últimos dias depois que o governo central mandou prender Camacho, governador de Santa Cruz, sob acusação de ter sido um dos mentores da derrubada de Morales em 2019. As informações que chegam da imprensa local dão conta de que a cidade se transformou em cenário de guerra.

A situação também não está boa no Peru. País muito mais turístico que a Bolívia, que atrai milhares de visitantes todos os anos, principalmente à região de Cusco e Machu Picchu, o Peru está em chamas desde que o presidente eleito Castillo foi preso por tentar fechar o Congresso e dar um autogolpe. São protestos por toda a parte contra a presidente Dina Boluarte, então vice de Castillo. 49 pessoas já morreram em confronto.

Se você não sabia dos protestos na Bolívia, fique atento e espalhe a informação. Não é recomendável viajar para o país nesse momento. A mesma coisa com o Peru. A diferença aqui é que no caso do Peru, a Latam, por exemplo, está flexibilizando a mudança para os passageiros com viagem marcada. Não se tem notícia de algo similar quando falamos de Bolívia. Nem a Boliviana de Aviación, muito menos a Gol, que têm voos entre São Paulo e Santa Cruz, emitem alertas ou flexibilizam aos viajantes. Muito pelo contrário! A todo instante aparecem promoções de voos superatrativas para viajar à Bolívia. Não caiam nessa!

Como o Peru é um país mais turístico que a Bolívia, ao menos vemos uma cobertura razoável na imprensa brasileira sobre o tema, o que nos permite a previsibilidade de evitar viagens para lá neste momento. Já sobre a Bolívia, a cobertura no Brasil sobre os protestos quase que não existe, restringindo-se a sites de cidades que fazem fronteira com o país vizinho. Eu sequer sabia o que estava acontecendo na Bolívia, inclusive pelo fato que tenho costume de analisar informes do Itamaraty sobre conflitos e não recomendações de viagens para determinadas áreas, o que não vi no caso da Bolívia quando da minha viagem em novembro do ano passado.

Me conta lá no Instagram se você já passou por alguma situação de risco durante viagem ao exterior e se tem planos de conhecer Bolívia ou Peru? Enquanto isso, repito, busque outras opções de destinos e pesquise antes sobre a situação naquele país antes de comprar suas passagens.


				
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