Assim que me despedi da primeira mulher com quem transei, ainda me sentindo nas nuvens com tamanha felicidade, fui correndo contar para a minha melhor amiga. Falei com detalhes sobre o sexo, descrevendo todas sensações, enquanto, só de lembrar, meu coração ardia de desejo novamente. Ela, apesar de ter ouvido todo o meu acalorado relato, perguntou: “mas você acha que você transou? Porque, tipo assim, vocês só fizeram preliminares, né?”. Foi como um soco no estômago.
Eu, no auge dos meus 20 e pouquinhos anos, sem experiência com mulher e sem nenhuma amizade LGBTQIAPN+ até então, fiquei atordoada. “Como eu pude me sentir tão sexualmente plena se eu nem transei? E todos aqueles sexos medíocres que já fiz com homens… não teriam sido, esses sim, apenas preliminares (ruins, ainda por cima)? O que é sexo?”
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Em outra oportunidade, ao contar, mais uma vez em completo êxtase, sobre um sexo lésbico delicioso a uma colega, o comentário foi o seguinte: “VOCÊ CHUPOU XERECA??”, com um tom de nojo e incredulidade que até hoje não esqueci. E a lista é longa. Poderia escrever 35 colunas apenas com as frases bizarras que já escutei sobre sexo com mulher, todas vindas de pessoas cisgêneros e heterossexuais.
A verdade é que ninguém nos ensina sobre outras possibilidades de amar e de transar que não seja entre um homem e uma mulher, um pênis e uma vagina. Educação sexual é raridade no Brasil e as poucas vezes em que ela acontece se dão em uma perspectiva de completa invisibilidade para as pessoas lésbicas, gays, trans e assim por diante. O sexo é, assim, aprendido como um privilégio cishetero.
Mas vejam só que ironia: as sapatonas são as mulheres que mais gozam; e as hetero, as mais prejudicadas nesse sentido. Ou seja, seguir o script falocêntrico amplamente difundido, baseado na penetração vaginal pelo pênis, talvez seja justo o que está levando tanta infelicidade sexual às mulheres mundo afora. A maior probabilidade de uma pessoa com vulva gozar é estimulando a glande do clitóris, mas seguimos insistindo no mito do orgasmo na penetração e nos sentindo erradas e frustradas por não sentir o ápice de prazer apenas com ela.
O falo é irrelevante para determinar se houve sexo e desnecessário para o orgasmo. Parafraseando a escritora feminista Gloria Steinem, eu diria que o pênis é tão importante para o nosso prazer quanto a bicicleta o é para um peixe. O que realmente precisamos para gozar é, antes de mais nada, autoconhecimento e uma mente sexualmente ativa e livre (ou seja, cultivar pensamentos e sentimentos positivos e saudáveis sobre sexo e masturbação). Fora que, se quisermos um pau no sexo entre vulvas, nas sexshops não nos faltam opções de todos os tamanhos, cores e preços.
Preliminar é tudo aquilo que antecede o xoSe e que não envolve genitálias. É o denguinho de bom dia, um passeio na praia de mãos dadas, um bilhete surpresa na marmita do almoço. Preliminar é o que te faz se sentir mulher, amada, vista e desejada. Estando com o estoque de preliminares bem cheio, sentimos vontade de transar. Sem isso, muitas vezes, evitamos o sexo ou fazemos só para cumprir tabela. Portanto, sapatão não só transa, como transa gostoso demais, goza intensamente e ainda dá a devida atenção à demonstração de afeto no dia a dia. Então chega de desconsiderar as nossas relações e o nosso sexo por não haver um pau. Isso é o puro suco da lesbofobia.
*foi feito um recorte para analisar especificamente as relações entre mulheres cisgênero ou mulheres transgênero que passaram pela cirurgia de redesignação, pois se pretendia falar do sexo entre vulvas de mulheres que se relacionam com mulheres.
Gisele Palma
Gisele Palma
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