Estive em São Paulo há poucos dias e visitei a mostra: "Quando as lésbicas se levantam: a luta e a resistência sapatão nos anos 80”. Entre as diversas informações interessantíssimas sobre esse movimento ainda tão invisibilizado, me espantei ao descobrir que, nessa época, parte das lésbicas (as não militantes, pelo que pude captar) se sentiam ofendidas ao serem chamadas de… pasme… lésbicas. Elas se denominavam “entendidas” e consideravam que a palavra “lésbica” causava enorme constrangimento.
Esse é um registro extremamente recente. Não é à toa que, ainda em 2023, haja resistência em se pronunciar “lésbica”, como se fosse um xingamento. O desconforto é tanto que não é incomum pessoas se referirem a nós como “gays”, a fim de evitar o outro termo. E o curioso é que a origem da palavra “lésbica” é linda: vem do latim “lesbius”, em referência à ilha de Lesbos, onde vivia Safo, por volta de 600 a.C - poetisa grega considerada a primeira pessoa a escrever sobre amor entre mulheres. E é justamente em homenagem a ela que se criou o termo “sáfica”.
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“Sáfica” tem sido muito utilizado pela comunidade LGBTQIAPN+ para se referir a mulheres que sentem atração afetiva e sexual por mulheres, mas não necessariamente de maneira exclusiva. Nesse sentido, toda lésbica seria sáfica, mas nem toda sáfica seria lésbica. É um termo guarda-chuva que abarca diversas orientações: mulher bissexual, mulher pansexual, mulher demissexual, lésbica... Assim, é uma alternativa para quando se quer abordar assuntos que envolvam todas as mulheres que se relacionam com mulheres ou para quando não se sabe a orientação de duas (ou mais) mulheres que estão se relacionando ou uma das duas não é lésbica.
Eu, particularmente, não adoto o “sáfica”, apesar de entender que a intenção da palavra é a de agregar, porque, na prática, sinto que ela contribui para a permanência da lesbianidade na sombra. O apagamento lésbico é histórico e precisamos nos apropriar dessa suposta palavra chula, lésbica, para reivindicar o nosso lugar. Além disso, cada letra da sigla LGBTQIAPN+ tem as suas pautas e tentar colocar todas as mulheres, que amam mulheres, dentro de um termo “guarda-chuva”, me parece um pouco inocente.
Cada grupo tem suas demandas específicas e, nesse sentido, claro que quaisquer mulheres que se atraem por mulheres têm questões em comum (assim, precisamos nos apoiar mesmo!), mas é importante que cada um se aprofunde nas suas lutas. “Mas está errado usar o ‘sáfica’?”: não! Eu enxergo que ser lésbica é, também, um ato político e por isso eu não abro mão dessa palavra; porém cada pessoa deve chegar às suas próprias conclusões para o uso (ou não) do “sáfica”. De maneira alguma, é errado usar esse termo.
“Sapatão”, por sua vez, passou de ofensivo para resistência. Era um xingamento violento, mas, de uns anos para cá, a gente se apropriou e o ressignificou. Transformamos o que visava nos humilhar em orgulho. O objetivo definitivamente não é que ele substitua o termo “lésbica”, que carrega um histórico importantíssimo no movimento para a conquista de direitos e políticas públicas para a nossa saúde e proteção. “Sapatão”, na verdade, se alinha à “lésbica” no reconhecimento e no combate. Por isso, a maioria das lésbicas hoje se denomina sapatão. Há quem xingue chamando-nos de "sapatão", então, sim, ainda pode ser uma palavra pejorativa, mas apenas dentro da mente lesbofóbica de quem pensa assim.
Portanto, você pode usar os três termos. O inaceitável é odiar, destratar e agredir uma mulher por ela amar outra. A frase “O apagamento e a invisibilidade são dois eixos que marcam a condição lésbica”, de Daniela Wainer e Rita Quadros, na mostra que visitei em SP, me marcou pela força e pela verdade bruta que traz. Ser lésbica é ser atravessada pelo machismo e pela homofobia. Mas também é ser corajosa, disruptiva, audaciosa e louca. Somos potência! Que sigamos de mãos dadas reivindicando o direito à livre vivência das nossas lesbianidades.
Gisele Palma
Gisele Palma
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