O espetáculo “Um Vânia, de Tchekhov” é uma versão do diretor de Teatro Gil Vicente Tavares para uma peça clássica: “O Tio Vânia”, escrita no final do século 19 pelo médico e dramaturgo russo Anton Tchekhov (1860 - 1904). O recorte feito para essa montagem mantém cinco de suas personagens, que traduzem bem o eixo central e o entrelace familiar desse enredo, que reúne Tio Vânia (Marcelo Praddo), professor Serebriakov (Gideon Rosa), Dr. Astrov (Marcelo Flores), Helena (Alethea Novaes) e Sonia (Isadora Werneck). A versatilidade do elenco e da direção, experientes em textos de gêneros e autores diversos, são notáveis na forma como imprimem no clássico um tom e uma atmosfera de nuances que constroem com naturalismo esse universo.
Encarcerados em hipocrisia, padrões sociais e princípios morais, a obra retrata a vida de um núcleo familiar rural, aristocrático, estagnado e incapaz de consumar e realizar os seus desejos. O próprio Tio Vânia é a síntese desse emaranhado de frustrações. Num dos seus rompantes de revolta, dispara: “Eu aniquilei os melhores anos de minha vida”, externando sua decepção e arrependimento por não ter se tornado e conquistado o que almejava.
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Apaixonado por Helena, esposa de seu ex-cunhado (o professor Serebriakov), Vânia se tortura diariamente pelo amor não correspondido. “A minha vida e o meu amor – me diz – pra que servem ambos?”, questiona ele a amada. Nesse jogo intrincado de amores não correspondidos, poderia até Drummond ter se inspirado para escrever o poema “Quadrillha”: João amava Teresa que amava Raimundo/ que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili/ que não amava ninguém.
Essa história capitaneada numa parceria entre o grupo Teatro NU e Cia. de Teatro da UFBA (em homenagem ao ator Gideon Rosa) poderia perfeitamente ser uma novela. Sem falar nas muitas correspondências que tem com os tempos atuais. Por exemplo, uma mulher jovem, aos 27 anos, como é o caso de Helena, casada com um senhor já idoso, o professor Serebriakov, se vê aprisionada nos dogmas de um casamento falido; ao passo que Sonia - que alimenta um amor velado pelo Dr. Astrov - não cria coragem para manifestá-lo, preferindo mantê-lo platônico: “Eu prefiro a incerteza, com ela ainda há esperança”, se resigna ela.
Embora o espetáculo seja uma versão de uma peça montada pela primeira vez em 1897, a forma como essa narrativa nos projeta para uma realidade sempre universal e atemporal, não nos deixa dúvidas: estamos diante de uma obra-prima. Há nela muitas dualidades que nos mostram que as personagens em suas retóricas possuem as soluções para os problemas uns dos outros, porém aqui se produz o efeito do ditado “casa de ferreiro, espeto de pau”. E a constatação da impotência: “Aqui tudo parece construção, mas já é ruína”, sentencia Dr. Astrov.
Diante de todos esses impasses e dessa letargia, é interessante perceber também como o autor vai tecendo uma leitura humanista que atravessa gerações, trazendo reflexões sobre o meio ambiente, ecologia, progresso, ciência e tecnologia. E é no cenário minimalista, intimista e realista de Eduardo Tudella, essencialmente uma sala de jantar, que o público acompanha os efeitos corrosivos do tempo na vida dessas personagens, que poderiam, sim, ser os efeitos do tempo sobre nossas próprias histórias de vida. E para isso a erudição do professor Serebriakov tem um recado: “É preciso fazer alguma coisa útil, meus amigos”.
SERVIÇO:
Espetáculo “Um Vânia, de Tchekhov”
Quando: aos sábados e domingos, até 18/09
Horário: 19h
Onde: Casa Rosa Salvador - Praça Colombo, 106, Rio Vermelho
Quanto: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia)
Os ingressos para o espetáculo podem ser adquiridos na bilheteria da Casa Rosa ou no site SYMPLA
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Arlon Souza
Arlon Souza
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