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De Resenha

Festivais de arte e cultura da Bahia estão na berlinda em 2023

Projetos com mais de 10 ou 15 anos de história - como o VIVADANÇA, o FILTE, o FIAC - pairam no abismo das incertezas

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Arlon Souza

17/03/2023 às 18:00 - há XX semanas
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					Festivais de arte e cultura da Bahia estão na berlinda em 2023
Divulgação

A experiência e a prática de artistas baianos em realizar grandes encontros através de mostras e festivais de diversas linguagens guardam em si um histórico de projetos muito bem sucedidos e que marcaram gerações. Encontros Internacionais de Artes Cênicas (ARTICEN), Percpan, Festival Instrumental da Bahia, Mercado Cultural, Julho em Salvador, Ateliê de Coreógrafos Brasileiros, Jornada Internacional de Cinema da Bahia, entre uma série de outros eventos, não deixam dúvidas sobre o know-how de organização e produção cultural da Bahia nesse sentido.

Contudo, a dúvida que paira no abismo das incertezas no momento é o futuro dos atuais festivais da Bahia, entre eles o VIVADANÇA Festival Internacional, o Panorama Internacional Coisa de Cinema, o Festival Latino-Americano de Teatro da Bahia (FILTE Bahia), o Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia (FIAC Bahia), entre uma série de outras plataformas de difusão, intercâmbio, formação e mercado cultural do estado.

Uma das falhas do momento foi a falta de organização e planejamento da Secretaria de Cultura da Bahia (Secult Bahia) na elaboração e lançamento de um novo edital de projetos calendarizados que desse continuidade à manutenção e à realização dos festivais no período em que eles tradicionalmente acontecem.

Nesse panorama de incertezas e dificuldade de diálogo com a Secult, diretores de grandes e importantes festivais nacionais e internacionais da Bahia vêm se articulando e até redigiram uma carta coletiva endereçada ao atual secretário de cultura do estado, Bruno Monteiro, na qual solicitam uma reunião para discutir alternativas e soluções para esse e outros problemas relativos a programas de fomento. Resultado: desde janeiro, nenhum retorno efetivo sobre o assunto.

Para saber mais detalhes sobre os entraves e percalços dessa história , conversei com Cristina Castro (coreógrafa e diretora do VIVADANÇA), com Cláudio Marques (cineasta e diretor do Panorama Internacional Coisa de Cinema), Luís Alonso (diretor do FILTE) e com o dramaturgo e diretor de teatro Paulo Atto, criador dos Encontros Internacionais de Artes Cênicas, em 1992, e desde 2012 diretor do Festival de Teatro da Caatinga. Confira.

ARLON SOUZA - Os festivais de teatro, dança, cinema e diversas outras artes, na Bahia, têm em média mais de 10 anos ou caminham para isso. Ao longo desse tempo os festivais agregaram quais experiências para o cenário artístico e cultural? A Bahia já exporta esse modelo de produzir festivais?

CRISTINA CASTRO - Os festivais agregam diversas experiências para o cenário artístico e cultural. Eles são catalisadores de conhecimento, abrem espaço para recepção e trocas entre culturas. Apresentam, aprofundam e fornecem uma série de oportunidades para reflexão, criação e difusão de conteúdos importantes da contemporaneidade, geram empregos e possibilitam o acesso amplo e democrático da sociedade. Hoje temos festivais baianos que são referência para o cenário nacional e internacional e que colocam a Bahia na rota de eventos culturais do mundo.

CLÁUDIO MARQUES - Os diversos festivais são responsáveis pela difusão artística e cultural. São responsáveis por trazer para a Bahia filmes, peças e artistas e também por criarem espaço para que o público baiano conheça sua própria produção. Estamos falando de conhecimento e identidade cultural, certa consciência que não teríamos sem os eventos. Por outro lado, há criação de renda e empregos, diretos e indiretos. Cultura e economia, lado a lado.

LUÍS ALONSO - Todos os festivais, cada um no seu território, aportam e muito nesse aspecto. Através do Filte Bahia (Festival Latino-Americano de Teatro da Bahia) promovemos produções, principalmente, do continente latino-americano. Só para ter uma noção, em 15 anos, artistas baianos cruzaram experiências com reconhecidos criadores nacionais e internacionais em 357 espetáculos de palco, rua e espaços alternativos da nossa programação.

PAULO ATTO - Quando realizava o Articen (Encontros Internacionais de Artes Cênicas) tinha uma preocupação central com o intercâmbio e a formação, acredito que este modelo segue hoje com os atuais festivais, escapar de uma simples vitrine de novidades ou uma exposição mercadológica.

ARLON SOUZA - Um festival mobiliza de que forma a cadeia econômica e criativa do estado? O que já se tem como legado da experiência baiana na realização de festivais?

CRISTINA CASTRO - Há 15 anos o VIVADANÇA Festival Internacional mantém um diálogo intenso com a dança de todos os continentes, somando ao longo desse tempo um total de 248 espetáculos, cumprindo um papel importante na internacionalização da Bahia através da Dança. Nessa interlocução contínua, destaco a participação de 20 países de todas as regiões da África, elo importantíssimo para nosso estado e ainda pouco estabelecido como destinos de troca cultural.

CLÁUDIO MARQUES - Para que se tenha idéia da importância e representatividade dos festivais de cultura, falando de alguns desses que compõem o Edital Calendarizados, no biênio 2018/ 2019 onze dos quinze eventos selecionados obtiveram os seguintes resultados: 1.910 empregos diretos; 3.110 empregos indiretos; público de 188.161 pessoas; 976 sessões; 2.158 artistas convidados; 366 atividades de formação; e 165 dias com atividades artísticas. Um resultado em nada desprezível!

LUÍS ALONSO - Então, para além dos setores que estruturam o festival como hotelaria, transporte, alimentação, há a prestação de serviços, contratos anuais em vários setores, como comunicação, técnica, produção teatral, mídia, produção de cenários, que movimentam outra cadeia produtiva, além do turismo. Os artistas vêm, consomem, participam das atrações e ainda voltam ou multiplicam a experiência baiana.

PAULO ATTO - Os festivais representam um incremento econômico importante, porque se integram à cadeia econômica do setor de serviços, desde hotelaria, logística, alimentação, serviços gráficos ao próprio setor de eventos e engenharia do espetáculo com os serviços de iluminação, sonorização dentre outros. Representam também uma oportunidade de renda para artistas, grupos e técnicos.

ARLON SOUZA - Todo esse tempo que a Bahia tem com a organização, a produção e a realização de festivais contribuiu para mais investimentos e incentivos governamentais? Os festivais se fortaleceram ou se fragilizaram nesse período?

CRISTINA CASTRO - Não. Infelizmente há uma falta de percepção da importância política, econômica e do desenvolvimento que os festivais proporcionam como construção de referência, que potencializaram o turismo, a educação, a reflexão e a convivência com alteridade se fossem fomentados como outras áreas da economia.

CLÁUDIO MARQUES - Por parte do estado, os investimentos se mantiveram os mesmos por alguns anos. Se por um lado temos a garantia da continuidade, os eventos se sentem engessados, pois os valores de tudo cresceram vertiginosamente. Uma demanda do setor é que os valores de patrocínio fossem reajustados.

LUÍS ALONSO - Aqui há que tratar de todas as estruturas governamentais. Vamos por passos. O governo municipal (prefeitura de Salvador) apoia a liberação de espaços, já é algo. Mas nenhum apoio de investimento direto nem articulação. O governo Estadual é o único que gerou um compromisso por anos consecutivos para dar um apoio econômico aos festivais. Desde 2012 vem apoiando. Mas nos últimos anos a relação com a gestão da cultura foi se deteriorando até estarmos hoje parados, sem saber o que vai acontecer... e sem retorno. No Federal, tínhamos no início vários editais: Funarte, Caixa Econômica. Itaú, Oi e outros... mas os últimos desajustes trouxeram o desaparecimento destes. Esperemos agora que seja restabelecido.

PAULO ATTO - As políticas públicas de cultura são tímidas e não acompanharam a evolução do setor, nem em mecanismos de apoio e muito menos no fomento financeiro. Os aportes, apesar de essenciais, pois sem eles os festivais não acontecem, são muito inferiores à capacidade de realização dos festivais. Isso termina por precarizar os serviços, a qualidade técnica e as possibilidades de programação de grupos e convidados. Os recursos disponíveis são muito tímidos.

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ARLON SOUZA - Atualmente, há muitas incertezas sobre a continuidade de diversos festivais baianos, como o Vivadança, o FIAC Bahia, o FILTE Bahia, o Panorama Internacional Coisa de Cinema, entre outros de grande expressão. Quais os problemas e entraves que levaram a isso?

CRISTINA CASTRO - Covid, a última gestão do governo federal, estadual e municipal e o momento atual de transição ainda sem respostas.

CLÁUDIO MARQUES - São eventos e festivais antigos que retornam à estaca zero. Acredito que já deveríamos ter alguma sinalização quanto à continuidade e mesmo aprimoramento do Edital Calendarizado. Temos um governo de continuidade e não de ruptura. Mas, até o momento continuamos sem sinalização sobre essa importante política pública que foi implementada pelo governo do PT.

LUÍS ALONSO - Ainda não temos certeza. É uma boa pergunta a ser feita à última gestão em Cultura. Mas, pela nossa parte, nós cumprimos nossos compromissos. Até a atualidade não se fez um contato prévio para dar seguimento às coisas boas na gestão da Cultura. Ninguém nos contactou, já enviamos carta formalmente e nada. Estamos na metade de março e parece que ninguém se importou com importantes festivais que já não vão acontecer na data prevista.

PAULO ATTO - A falta de ousadia das políticas públicas para o setor e a ausência quase total de investimento privado. Necessitamos também de uma escuta mais atenta de nossas necessidades e o atendimento a nossos pleitos.

ARLON SOUZA - Até o ano passado, alguns festivais ainda contavam com o edital para projetos calendarizados da Secretaria de Cultura da Bahia. Na sua visão, o que faltou no planejamento do estado para que um outro edital fosse lançado ainda em 2022?

CRISTINA CASTRO - A Bahia, através do edital de eventos calendarizados do estado, é referência de política estruturante de fomento aos festivais. Através desse edital a Bahia projetou-se nacionalmente na área de planejamento cultural, tornando-se referência. Foram implantados na Bahia pelo governo do estado (Secult), desde 2008, três editais estruturantes que trabalham de forma sólida, inteligente e muito positiva a difusão artística: o edital de mobilidade artística, o edital de manutenção de espaços e o edital de eventos calendarizados. Todos no momento sem anúncio de continuidade. Descontinuar esses editais é destruir muitos anos de trabalho e investimento, além de uma referência importante, conquistada e defendida por muitos gestores e pela classe artística.

CLÁUDIO MARQUES - Não sei responder o que houve. Não sei o que orientou a antiga gestão a não dar continuidade a uma ferramenta tão importante implementada pelo governo do PT. Não conheço o motivo de ainda não termos nenhuma sinalização por parte da nova gestão.

LUÍS ALONSO - Não adianta somente informar à nova gestão que há ações anteriores que devem ter continuidade. Foi responsabilidade da gestão que terminou agora deixar pendurado algo que não devia ter sido pendurado. Sobretudo, eles conhecendo como funciona a maquinaria e a lentidão dos processos. Agora, percebemos que não se teve cuidado com essa continuidade. E estamos aguardando uma simples resposta de uma carta.

PAULO ATTO - Nós dos festivais do interior não participamos dos editais calendarizados que há muitos anos repetem os selecionados de sempre sem acrescentar novos eventos. Os atuais festivais devem continuar recebendo este apoio, inclusive, os valores devem ser ampliados, pois estão defasados. Porém, não calendarizar novos festivais é um equívoco gigantesco, sobretudo para os festivais do interior.

ARLON SOUZA - Há alguma mobilização em curso por parte dos produtores e diretores de festivais na busca de um diálogo com o estado para a continuidade da manutenção dos festivais? Há alguma perspectiva?

CRISTINA CASTRO - Sim, nós do grupo de diretores dos festivais que participamos do edital de eventos calendarizados enviamos em janeiro uma solicitação conjunta para reunião com a Secult, na tentativa de aproximação e abertura de diálogo com a nova gestão porém não recebemos até o momento nenhuma resposta.

CLÁUDIO MARQUES - Estamos todos sempre atentos e fortes, em contato uns com os outros. Entendemos que o novo secretário necessita de tempo para chegar, respirar e pensar sobre a política pública a ser implementada no estado. De toda forma, solicitamos uma reunião com ele em janeiro. Até o momento não houve resposta.

PAULO ATTO - Estamos pleiteando, junto à FUNCEB, desde o ano de 2021, um edital exclusivo para os Festivais do interior, cuja realidade é muito diversa da capital. Em geral temos que levar e montar toda a parte técnica do teatro para um auditório, espaços alternativos e ainda ruas e praças. Não há teatros equipados nas cidades do interior, com raríssimas exceções. Então um festival na capital encontra os espaços com todos os equipamentos e nós temos que criar o espaço adequado levando toda a estrutura de grelha cênica, iluminação, sonorização, dentre outras.

ARLON SOUZA - Se ainda há esperança, o que te leva a acreditar nisso?

CRISTINA CASTRO - Acredito na importância dos festivais pelos próprios resultados que conseguimos até hoje. Temos retornos riquíssimos, indicadores que apontam desenvolvimento, transformação e crescimento social.

CLÁUDIO MARQUES - Tenho convicção de que o pior já passou para a cultura. Estou triste por ver que festivais tão importantes quanto o Vivadança e o Festival Internacional de Artistas de Rua, que sempre acontecem nos primeiros meses do ano, não tiveram lugar. O calendário de eventos está desmoronando. Estamos preocupados pela falta de escuta por parte da SECULT Bahia até o momento, mas creio que tudo pode se ajustar de uma maneira muito tranquila. Basta um pouco de cuidado e interesse. Vai dar certo!

LUÍS ALONSO - Não se pode ter esperança com algo que desaparece. Primeiro tem de aparecer, saber para que chegaram, qual a proposta, construir com diálogo, sair da janela da mídia e descer pro trabalho. E refundar sobretudo o que foi destruído nos últimos anos. É a única coisa que pode nos trazer esperança.

PAULO ATTO - Acredito que seremos ouvidos e atendidos. Estamos em busca do diálogo permanente e da real participação do setor nas decisões que nos impactam, nos dizem respeito com os novos e antigos gestores da área cultural. O nosso trabalho existe, tem uma história e a hora é essa.

Leia abaixo a carta enviada à Secretaria de Cultura da Bahia na íntegra.

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