Quem conhece e acompanha a carreira de Alan Miranda, sabe que a essência da sua veia artística sempre foi nutrida pelo humor, desde quando ainda se graduava em direção teatral pela Escola de Teatro da UFBA e arrancava gargalhadas da plateia com a comédia musical “Donzelos Anônimos”.
O artista tem como marco profissional a sua atuação no espetáculo “Capitães de Areia” (2002), da obra de Jorge Amado, produção da Companhia Baiana de Patifaria, mestra em revelar atores para a comédia. Sob a direção de Fernando Guerreiro, brilhou na pele do Anjo Gabriel da comédia “Vixe Maria! Deus e o Diabo na Bahia!” (2004).
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Lá se vão mais de 20 anos de trajetória, 50 espetáculos de teatro, toda uma história com os vídeos da Mais 1 Filmes e inúmeros trabalhos no audiovisual, como roteirista do seriado Humor Negro (Multishow - Conspiração Filmes); com a criação da web-série "oS dEraldoS" (Netflix/produção da AFROTV), entre outros projetos.
Como se não bastasse tudo isso, Miranda ainda é fundador e diretor do PODA - Pólo de Dramaturgia Audiovisual, projeto que estimula novos roteiristas; e encontrou tempo para fazer um mestrado: atualmente, o artista é mestrando em Dramaturgia, História e Teorias do Teatro pela UFBA.
Nesse papo que bati com ele para a coluna De Resenha, falamos sobre a formação de novos atores de stand-up comedy; sobre as características, técnicas e estilo de atuação; sobre o crescimento desse cenário artístico na Bahia; e, lógico, sobre a primeira edição do Festival de Stand-Up Comedy da CBX (Cidade Baixa), que será apresentado, gratuitamente, durante os sábados de maio, às 19h, no Centro Cultural SESI Casa Branca.
O Festival de Stand-Up Comedy da CBX integra o “Boca de Brasa Apresenta” e foi contemplado no edital Arte Todo Dia – Ano VI, da Fundação Gregório de Mattos, Prefeitura de Salvador.
Confira abaixo mais detalhes na entrevista com Alan Miranda:
ARLON SOUZA - Como você avalia esse cenário do stand-up comedy em Salvador? Você diria que já é um espaço cultural consolidado?
ALAN MIRANDA - Eu acho que estamos num momento ímpar, nunca registrado no crescimento desse estilo em Salvador. Há muitas pessoas interessadas. E um grupo razoável de talentos que estão dando continuidade e perenidade. Eu acho que ele está se consolidando. Ainda não se consolidou, mas é um caminho sem volta. Eu diria que pra ele se consolidar a gente teria que ter pelo menos umas 3 ou 4 casas perenes, de continuidade, e um público realmente cativo e um grupo razoável de profissionais que vivessem disso. Ele não é consolidado financeiramente ainda. Nós estamos tentando entender, tanto o fazedor quanto o espectador, mas acho que estamos num caminho muito bom.
ARLON SOUZA - Essa cena do stand-up comedy baiano possui uma identidade própria? O que nos diferencia de outros estados?
ALAN MIRANDA - Acredito que sim. Porque, diferentemente da região Sul do Brasil, não sei como é que tem sido nas outras regiões do Nordeste, mas enfim... Nossos stand-upistas que estão em destaque são de periferia. São pessoas que vêm da periferia e conseguem espaço para sua arte, pela natureza do próprio stand-up comedy, em que eles falam do seu cotidiano, de suas dificuldades, de seu dia-a-dia. E o baiano, eu digo que ele tem o comportamento de aldeia, né? Ele é cordial e, ao mesmo tempo, não leva desaforo pra casa... Ele é musical, também... E há uma ironia na baianidade, uma acidez que parece única. Então, eu acho que nós temos um estilo, sim, que ele é muito social, que é um stand-up que vai colocar em xeque a sociedade. Principalmente, em temas relacionados ao racismo. E acho que a gente se diferencia, não só por esse aspecto, mas também pela nossa cor, pela nossa musicalidade, pela forma como a gente faz a nossa piada.
ARLON SOUZA - Hoje em dia, como é que o humor tem se relacionado com as demandas sociais contemporâneas? Há um cuidado maior com os conteúdos? Você tratou disso na oficina?
ALAN MIRANDA - Eu acho que o humor hoje tem se relacionado com as pautas sociais, bastante, A gente tá revendo, até porque os ressentimentos foram colocados, das minorias, em pauta, e é inevitável que a comédia não participe dessa discussão. A gente tá o tempo todo rediscutindo o que é a comédia. Que, pra mim, a comédia é pra fazer rir. Mas, a preço de quê? Quem é que está sendo ridicularizado com esse riso? É você, mesmo? É alguém que não é você? É alguém que é bem diferente de você? Essas perguntas, essas questões estão na pauta. E acredito que vai demorar bastante até a gente largar disso. E eu acho importante os cuidados com os conteúdos, porque não existe piada inocente.
ARLON SOUZA - Como é que se deu a idealização desse projeto? E como é que você se deu conta dessa demanda de formação de novos atores de stand-up comedy?
ALAN MIRANDA - Essa demanda que, na verdade, fez surgir o festival. Eu me dei conta que nos últimos anos, principalmente, nos anos de 2016 e 2017, houve um aumento gradual de artistas de stand-up, se esforçando para criar uma plateia, né... O que a gente vai chamar de formação de plateia. A partir daí eu participei da cena durante um certo tempo e percebi que a forma como eles entram no mercado é com pouca teoria, que é um muito diferente da formação teatral clássica, em que geralmente você faz um curso de teatro pra poder estar em cena, seja pela faculdade ou por cursos independentes. E no stand-up não tinha isso. E em 2021 eu realizei um primeiro curso, virtual, através da Fundação Gregório de Mattos. E nesse segundo eu tive uma feliz receptividade, em torno de 20 alunos, e todos muito interessados, muito ávidos por entender a lógica de estar no palco sozinho, apresentando seu cotidiano.
ARLON SOUZA - Já dá pra adiantar alguma coisa do que vem por aí nessa primeira edição?
ALAN MIRANDA - Eu adiando que vem aí um grupo formidável de “opens”, que é como a gente chama nossos stand-upistas iniciantes. E eu acredito que será um sucesso de público, as entradas são gratuitas, e muita gente querida de nossos “opens” já devem ocupar metade da plateia, além dos curiosos e pessoas interessadas pelo tema. Acho que vai ser bem interessante.
ARLON SOUZA - Essa região da Cidade Baixa de Salvador tem sido um celeiro de talentos, né? Você pode falar um pouco sobre esses artistas que têm origem na Cidade Baixa?
ALAN MIRANDA - Aqui, foi um lugar em que Raul Seixas viveu a sua infância e adolescência, ele foi batizado na Igreja da Boa Viagem. Aqui também surge a nossa ministra da Cultura, Margareth Menezes... Uma parte considerável do grupo da Mais 1 Filmes é aqui da Cidade Baixa, que é Deco Matogrosso, eu, Janaína Nunes, que são figuras icônicas da internet... E Agnaldo Lopes, também, que é um dos grandes atores baianos, Everton Machado, Zaca Oliveira, Marconi Araponga... Então, temos um universo de artistas na área da música, das artes plásticas, do teatro... e que me deixa muito encantado com essa parte da cidade, que está na metrópole, mas tem ares interioranos.
ARLON SOUZA - Como é que foi o processo de seleção dos participantes da oficina de stand-up comedy? Foi muito difícil escolher?
ALAN MIRANDA - A quantidade de inscritos foi maior que a quantidade de vagas. Eu tinha 32 vagas e tinha 41 inscritos. E existiam prioridades. Primeiro, para moradores da Cidade Baixa; para pessoas autodeclaradas negras, vagas para mulheres e também para homens e mulheres trans; e o restante ampla concorrência.
ARLON SOUZA - O que deu pra perceber em relação ao desenvolvimento e ao desempenho da turma durante a oficina? Muitas promessas?
ALAN MIRANDA - A turma é muito diversificada. Eu tenho pessoas que nunca fizeram nada no palco, pessoas com experiência prévia, mas no geral são todos realmente muito novos. Eu tenho pelo menos um grupo de 4 a 5 pessoas desse universo que são muito boas e que vão sair dessa oficina bem encorpados e o restante deve começar a fazer os seus treinamentos e eu devo ter um aproveitamento muito bom dessa turma, de um modo geral.
ARLON SOUZA - Quais foram os interesses mais tratados na oficina e como é que vem sendo a preparação para o festival?
ALAN MIRANDA - Os interesses na oficina foram por três caminhos. O primeiro, o interesse no entendimento da construção dramatúrgica de um texto de stand-up comedy. Primeiro, o estudo da dramaturgia, de um modo geral. Depois, o estudo da dramaturgia específica para o stand-up comedy, como ela é construída. O segundo dia também teve dramaturgia, mas também falamos sobre negócios, de como produzir um stand-up e também eu trouxe stand-upistas convidados, de formações diferentes, pra falar de suas performances e de como constroem seus processos. Os últimos dois sábados já foram mais práticos, na construção dos números. E todos eles também tiveram aulas de teatro, noções de palco, como impostar a voz, como se preparar para entrar em cena... Isso tudo foi trazido para a oficina.
ARLON SOUZA - Esse projeto acontece justamente na região de suas raízes em Salvador, na Cidade Baixa. Já que você é da Ribeira. Isso imprime algum outro universo temático ao projeto?
ALAN MIRANDA - Envolve um processo temático, sim. No mínimo, pela minha vontade de democratizar esse estilo aqui na Cidade Baixa. A gente tem agora um espaço maravilhoso para performances e para espetáculos teatrais. A gente agora é auto-suficiente na construção teatral, com o SESI da Casa Branca. Então, eu acho que é hora de a comunidade usar e abusar de um espaço como esse. Eu estou muito feliz com a chegada desse espaço e espero que a gente possa usar ele muito a nosso favor.
ARLON SOUZA - Você também vai tá no elenco do festival? Que outras novidades estarão na programação?
ALAN MIRANDA - Eu estarei me apresentando com uma piada ou outra. Mas, o foco são os “opens”, a festa é deles, o público é para eles, a festividade é deles. Nesse sentido, a gente tem sempre um stand-upista convidado, com uma experiência maior, pra trazer também para a plateia essa diferença entre o “open” e o stand-upista já experiente. Que, no nosso caso, agora dia 06 de maio, será Raoni Beta; mas teremos também a Renata Laurentino, Samuel Belmonte e Ruan Passos. Cada um deles vai estar num sábado.
Arlon Souza
Arlon Souza
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