O filme "Ainda Estou Aqui" está nos cinemas brasileiros levando multidões para as salas, especialmente depois de todo o hype em cima da obra, por conta das redes sociais e a torcida para que Fernanda Torres seja indicada ao Oscar de Melhor Atriz do próximo ano. Mas será que vale todo esse alvoroço?
Não vou aqui criar qualquer tipo de mistério, pois SIM, "Ainda Estou Aqui" merece toda a atenção que vem recebendo. E não sou eu, mera crítica de cinema, que vou te convencer disso. É o próprio filme, desde as primeiras cenas, até a sua conclusão. No Rio de Janeiro dos anos 1970, uma família grande composta por casal e cinco filhos vive normalmente suas vidas, na beira da praia. A dinâmica de normalidade se inverte completamente quando o patriarca, Rubens, é levado por homens que se dizem do governo brasileiro. O longa se passa justamente na Ditadura Militar.
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Desde o início do filme, logo quando falamos da data e o roteiro especifica a situação da ditadura, sabemos os caminhos tortuosos que a história vai levar. E estou falando isso mesmo para o espectador mais desconectado da história de "Ainda Estou Aqui", que talvez nem tenha assistido ao trailer. A sensação de que algo vai dar errado é constante desde a primeira cena, mas o filme não tem pressa em chegar nesta parte. E que bom que isso acontece.
Nos conectar com a família Paiva é o que torna o filme tão mais intenso e verdadeiro. À medida que o diretor Walter Salles vai nos apresentando cada personagem, traçando as suas individualidades, ganhamos apreço por todos e sabemos o quanto isso será doloroso lá na frente. E é isso que faz toda a diferença quando falamos de nos conectar com a história, entender seus pormenores e defender todos eles.
Eunice (Fernanda Torres) é uma mãe de família determinada e participativa. Ainda que seja dona da casa, ela não se restringe a isso. Tem uma relação de parceria com o marido e um romance presente, mesmo após quase 20 anos de casada. Rubens (Selton Mello) é aquele clássico pai dos anos 1970. Fuma, bebe, tem barrigão, é acolhedor, dedicado à família e ao trabalho. Ele é engenheiro e está sempre com projetos em cima da mesa do escritório.
Quando o fatídico dia acontece, o desespero familiar já nos engloba como parte. Rubens é levado pelos homens que se dizem militares e Eunice tem que lidar com o medo da ausência do marido e a tentativa de trazer certa normalidade dentro da casa, especialmente para os filhos menores. O bolo na garganta da personagem se transfere para nós e te afirmo que ele perdura até a última cena. É como se a gente estivesse o tempo todo segurando uma emoção que nos foi proibida de sentir.
Eu poderia discorrer todo tipo de elogio aqui à Fernanda Torres e isso ainda não seria suficiente para expressar o que ela confere à personagem. É como se não houvesse separação de atriz e personagem. As duas são uma só, em uníssono. Todas as nuances emocionais que Eunice vive, Fernanda consegue nos transportar. O desespero pela ausência do marido, o silêncio pela proteção dos filhos, o cuidado em tentar trazer uma normalidade, ainda que a situação não tenha nada de normal. E um outro detalhe tão importante, que só sentimos ao ver "Ainda Estou Aqui": além de todo o contexto, estamos falando também de uma história de amor. Um amor sincero que foi interrompido como um nada, num último beijo, sem chance de retorno. Eunice passa a vida sofrendo esse luto em silêncio.
Gostaria de dedicar um momento também para enaltecer a caracterização e ambientação do longa que é simplesmente impecável. Ainda que eu não tenha vivido nos anos 1970, fui à sessão com minha mãe que viveu e ficou impressionada com tamanha semelhança com tudo na época. Ela falava que até as cores, o ar, a sensação. Tudo a transportava para aquela época, mostrando o quão acertado e bem estruturado foi o filme.
A necessidade que temos de falar mais da ditadura é urgente, porque aquilo que não é reiterado, pode ser esquecido. Um filme como "Ainda Estou Aqui" nos mostra outras facetas. Ele fala sobre a tortura, sobre os direitos cerceados, mas o foco dele é em como as famílias foram individualmente afetadas. Não são apenas números que foram torturados e perderam vidas. São maridos, esposas, pais, mães, filhos, primos, tios, etc. São pessoas reais cujo sumiço afetou toda uma cadeia.
Então, não, não há nada de exagero no hype em cima de "Ainda Estou Aqui", porque o filme nos entrega todas as intensidades que a história merece. Se será candidato ao Oscar ou até mesmo se conseguirá alguma estatueta, esse é um mero detalhe. O reconhecimento do longa, em si, já é incrível e merecido. Como Fernanda Torres sabiamente disse: "para nós, brasileiros, só a indicação já seria uma grande vitória". E eu realmente acho que ela vai acontecer.
Assista ao trailer de 'Ainda Estou Aqui':
Marcela Gelinski
Marcela Gelinski
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