Peguei o elevador no 12º andar. Seu Jacó, o simpático ascensorista, recebeu-me com um sorriso largo. Fã do Jornal da Manhã (e do Esquadrão de Aço!), foi logo dizendo: “Bom dia, partiu escola!”. E mandou essa: “Tu é Bahia, né véi?”. Rimos todos. Ele, eu, duas estudantes do ensino médio, uma senhora de cabelo lilás e o neto pequeno.
Descíamos tranquilamente em direção ao térreo quando, de repente, a cabine parou. As luzes apagaram. Soou um apito de alerta. Assombro geral. “Socorro!”, gritou, em tom de brincadeira, uma das estudantes. “O que foi isso?”, quis saber a outra. Soubemos logo depois: era um dos reflexos do apagão que deixou o Brasil às escuras no dia 15 de agosto.
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Passado o susto inicial, o papo fluiu entre nós enquanto a equipe de manutenção tratava de abrir a porta do elevador. Dona Iza, a senhora de cabelo lilás, puxou assunto comigo. Queria uma dica para fazer com que o neto aprendesse a gostar dos livros. O menino, segundo me disse, só queria saber de joguinhos eletrônicos. “As crianças não gostam de ler”, concluiu ela, ao mesmo tempo em que jogava Paciência no smartphone.
Pensei um pouco antes de responder. Devolvi: “Será, Dona Iza?”. Discordo desta sentença. Penso que ela diz mais sobre nós, adultos, e menos sobre elas, as crianças. Diz sobre a nossa incompreensão a cerca dos temas e universos que atraem os jovens. Diz, ainda, sobre a responsabilidade que temos na formação dos chamados “leitores literários”.
Linguistas e psicólogos cognitivos defendem que a leitura, e também a escrita, são invenções culturais. Significa dizer que aprendemos a ler e a escrever a partir de vivências, de diferentes contatos e interação em grupo. Gostos, preferências, são processos forjados socialmente. Daí o relevante papel da escola, da família, enfim, do conjunto da sociedade, no despertar do interesse pelos livros e pela leitura.
Foi esse, aliás, o foco do podcast “As crianças não gostam de ler”, exibido esta semana no canal Prioridade Zero, da pedagoga baiana Alê Nereu no YouTube (assista abaixo) . O destaque da conversa coube ao estudante Miguel Thomaz. Aos 11 anos, e já decidido a tornar-se cineasta, veio dele a dica que pode interessar à Dona Iza e a todas as outras pessoas às voltas com a falta de interesse dos jovens pelos livros.
Apaixonado por histórias que envolvem mistério, aventuras e fantasia, e já tendo devorado sagas inteiras, como a do bruxo Harry Potter, Miguel nos lembra que o estímulo deve partir, em primeiro lugar, das famílias, com, por exemplo, leituras coletivas, compartilhadas. Pais leem para os filhos, filhos leem para os pais. Rodas de contação de histórias ajudam, pois, de acordo com Miguel, produzem memórias afetivas.
“Além de ter um tempo juntos, essas [atividades] aumentam os laços familiares”, diz. Também ele nos faz pensar naquilo que cabe à escola e, em particular, ao professor. “Se você quer que a criança leia, você também precisa praticar”. Para ele, os “momentos de leitura” não podem ser tratados como “momentos de obrigação”, uma vez que isso retira dos livros aquilo que têm de mais fascinante: o prazer. Viu só, Dona Iza?! Esse menino sabe das coisas!
Confira abaixo um trecho do podcast a pedagoga baiana Alê Nereu
Ricardo Ishmael
Ricardo Ishmael
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