Enquanto a legalização do aborto deu um passo importante na Argentina, essa discussão vive um impasse no Legislativo do Brasil. Ao contrário do país vizinho, as principais iniciativas relacionadas ao tema caminham na direção de restringir ainda mais a interrupção da gravidez. Mas, apesar disso, ativistas brasileiras comemoraram a decisão histórica da Câmara argentina e opinaram que a “onda feminista” que viabilizou a vitória apertada na Argentina influenciará outros países, sobretudo na América Latina.
— Os movimentos sociais foram capazes de redefinir a agenda política em uma sociedade tão polarizada quanto a nossa, o que indica que também podemos avançar nessa direção. O que vimos nesse processo foi a sociedade civil dando a mão para o sistema político e dizendo “vocês não podem continuar desgarrados de nós”. Espero que os políticos brasileiros tenham alguma clareza para travar esse debate — opinou a economista Lena Lavinas, professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ativista pelos direitos das mulheres.
Em agosto, a ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber promoverá uma audiência pública sobre a legalização do aborto para elaborar seu voto como relatora de uma ação protocolada pelo PSOL na Corte. O partido questionou a constitucionalidade dos artigos do Código Penal que criminalizam o aborto. A votação da ação ainda não tem data para acontecer, mas é vista pelo movimento feminista como a maior chance de legalizar a prática no país.
— Aqui no Brasil não temos nenhuma esperança no Congresso. Avaliamos que a bancada atual é a mais conservadora desde 1964. Acreditamos que a audiência do STF vai possibilitar um avanço no debate junto à sociedade a partir de várias perspectivas, inclusive de grupos religiosos que apoiam a legalização — afirma Jolúzia Batista, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), uma das entidades que assinou em agosto de 2017 o boletim “Alerta feminista”, que mapeou as iniciativas em curso no Congresso que resultariam em maior restrição ao aborto no país.
PEC 181 PARADA
De acordo com o informativo, seis dispositivos (entre projetos de lei e propostas de emenda constitucional) tramitam no Congresso com objetivo de endurecer a legislação antiaborto. Entre eles, destaca-se a PEC 181, que originalmente previa aumentar o tempo de licença-maternidade para mães de bebês prematuros, mas que teve o objetivo principal ofuscado a partir da inclusão de um trecho que adiciona na Constituição a proteção da vida “desde a concepção”. Na prática, criminalizaria o aborto inclusive nos termos nos quais ele já é permitido, como casos de estupro, risco de vida da mãe e feto com anencefalia. A medida está em avaliação em uma Comissão Especial da Câmara, mas sua votação não pode ser retomada enquanto o Rio estiver sob intervenção militar.
— Travamos uma luta permanente para que haja o reconhecimento de que as mulheres abortam no Brasil e de forma insegura. É uma questão de saúde pública, um direito das mulheres que não pode estar sob o crivo dos homens. Todos os dias votamos contra várias proposições legislativas que buscam retroceder, inclusive naquilo que já foi conquistado como direito. Todos os dias eles expressam que não se importam com a vida das mulheres — critica a deputada Erika Kokay (PT/DF), que é membro da Comissão Especial que analisa a PEC 181.
ESTATUTO DO NASCITURO
Além da proposta, outro dispositivo que tramita na Câmara com o mesmo objetivo é o PL 478, conhecido como “Estatuto do Nascituro”. O projeto também trabalha com o estabelecimento do “direito à vida desde a concepção”, transformando o aborto em crime hediondo. O PL está sob análise na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, mas sua relatoria acabou sendo entregue a um homem, o deputado Diego Garcia (PODE/PR), que deve apresentar um relatório favorável à sua aprovação em breve. Para o parlamentar, a votação na Argentina não vai influenciar o Legislativo no Brasil nessa questão:
— São realidades completamente diferentes. Aqui há inúmeros projetos que tramitam nesse sentido e são rejeitados ou não avançam. Hoje, a maioria dos parlamentares são contra a descriminalização. O direito à vida previsto na Constituição foi uma forma de assegurar a proteção a todo ser humano, desde a concepção. Entendemos que é inadmissível que o aborto seja legalizado no nosso país.
Se as propostas contra a legalização ganham celeridade na Casa, por outro lado, um projeto de lei do deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ) que pretende descriminalizar a prática está encalhado desde 2015. Mas, apesar da ofensiva anti-aborto, a antropóloga e pesquisadora de direitos reprodutivos, Sonia Corrêa, é otimista:
— A vitória argentina é mais um sinal de que a onda regressiva está perdendo força e estamos indo em outra direção.
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Redação iBahia
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