Calma e doce, Malala Yousafzai, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 2014, sabe como poucos ouvir atentamente histórias, sobretudo de outras mulheres. Pela primeira vez no Brasil, a paquistanesa de apenas 21 anos, completados na última quinta-feira, conquistou mais admiradores ao se comprometer na luta pela educação de meninas no país. A jovem que se tornou ativista depois de sobreviver a um atentado de talibãs que queriam proibir a instrução feminina no Paquistão conversou com O GLOBO na manhã de ontem após visitar a Academia Apple, um laboratório instalado na PUC-Rio pela gigante americana, uma das empresas que financiam projetos da Fundação Malala para estimular o aumento da escolaridade feminina no mundo. Acompanhada do pai, Ziauddin Yousafzai, assessores e seguranças, ela defendeu o uso da tecnologia para democratizar o acesso ao conhecimento e se disse inspirada pelas jovens que conheceu na passagem por Rio, Salvador e São Paulo.
Que mensagem quer passar para as meninas brasileiras? Elas sabem que é preciso estudar para ter um futuro melhor?
Em primeiro lugar, estou no Brasil para celebrar meu aniversário de 21 anos. Luto pela educação de garotas em todo o mundo e no Brasil há 1,5 milhão de meninas fora da escola. Elas precisam ter voz agora, especialmente neste momento crucial da política do Brasil. Então, estou aqui para ficar ao lado delas e ser uma ativista local, com foco na educação de meninas e nas comunidades afro-brasileiras e indígenas. Estou muito empolgada em investir nelas para passar uma mensagem especialmente direcionada às meninas brasileiras.
Qual sua impressão das histórias que ouviu no Brasil?
Conheci muita gente nesses últimos dias, de quase todos os lugares, em encontros com a população indígena e com meninas afro-brasileiras de favelas. Ouvi histórias de como elas superaram e ainda enfrentam as dificuldades, sobre como há pessoas incríveis trabalhando para incentivá-las a permanecer na escola, introduzindo atividades como fazer grafite, jogar futebol ou praticar balé como forma de garantir que se mantenham engajadas com a educação. É preciso encorajá-las a acreditar em si mesmas e a se concentrar em seguir seus sonhos. Não podem se sentir fracas ou desestimuladas em relação a tudo o que está acontecendo ao seu redor. Então, eu me inspiro em todas as garotas brasileiras que conheci. Há esperança. Vamos conseguir alcançar o objetivo de colocar todas as meninas do Brasil na escola.
Muitas brasileiras não conseguem estudar porque engravidam cedo ou porque precisam trabalhar para ajudar a família. Como mudar esse cenário? Como a Fundação Malala pode ajudar?
A base da nossa abordagem é investir em ativistas locais por meio do programa que chamamos de Rede Gumakai. O nome vem do pseudônimo que eu usava quando escrevia meu blog (no Paquistão) em meio às regras do Talibã que proibiam meninas de irem à escola. Eu acredito em ativistas locais. Então, no Brasil, vamos apoiar três ativistas que chamamos de “campeões Gumakai”. Eles vão atuar em âmbito nacional e local não só promovendo nossos princípios, mas também agindo para ampliar a conscientização sobre gravidez na adolescência, de forma que essas jovens não abandonem a escola. Os “campeões Gumakai” também terão foco em afro-descendentes e indígenas. Esperamos que através desses projetos possamos garantir que as meninas não abandonem os estudos tão cedo. E ainda aumentem a sua conscientização de que podemos tomar as medidas certas para que meninas não sejam vítimas de violência sexual, assédio ou gravidez na adolescência. Esperemos que, com os projetos, elas não apenas permaneçam na escola, mas recebam uma educação de boa qualidade. Estou muito empolgada com isso. E com a possibilidade de ajudar para que haja financiamento suficiente para a educação e que o governo garanta escola para todas.
De que forma a tecnologia pode ajudar nesse processo de educação e inclusão?
Acho que a tecnologia é, de certa forma, uma bênção. Se usarmos da maneira certa. Depende de como podemos aplicar a tecnologia à educação. Em campos de refugiados, por exemplo, aonde você não pode construir uma infraestrutura, é possível usar tablets para ensinar crianças. Você pode não ter bons professores, mas pode usar vídeos on-line para ter aulas com professores dos EUA ou Reino Unido, que estão em outra cidade. Isso pode ser feito no Quênia ou em algum lugar da Nigéria, por exemplo. A tecnologia pode permitir acesso mais fácil aos recursos que estão disponíveis em livros para pesquisas ou para professores em cursos. Há tantas academias on-line agora, como a Khan academy (uma ONG educacional criada pelo educador bengali-americano Sal Khan que oferece cursos na internet). Há esperança e nós vemos a geração mais jovem focando nisso. Conheci garotos e garotas incríveis aqui na Academia Apple (na PUC-Rio). Conheci projetos incríveis que aumentam (por meio de aplicativos) a conscientização sobre doenças, por exemplo. Muitas meninas ainda não sabem que existem mulheres matemáticas, engenheiras e cientistas e como elas podem realmente fazer alguma coisa importante. É inspirá-las. Há muitas garotas que, em certa idade, não têm nenhuma possibilidade de escolher atuar na ciência ou na tecnologia. Então é bom ver que esses aplicativos estão em desenvolvimento. Tenho certeza que trarão mudanças para o Brasil e ao redor do mundo.
Sabia que era tão popular no Brasil?
Eu já acompanhava nas redes sociais. Muitas pessoas me mandavam mensagens e cartões. Sabia que tinha apoio no Brasil. Mas, na verdade, não esperava que as pessoas nas ruas falassem meu nome, chegassem perto de mim e que teriam meu livro. Quando cheguei em Salvador e aqui, no Rio, conheci tantas pessoas, especialmente meninas, que conheciam minha história e me apoiavam. Fiquei um pouco impressionada com isso, e tão feliz por elas acreditarem na causa da educação e saberem que muito precisa ser feito ainda pela igualdade e empoderamento da mulher. Elas estão comigo e eu estou com elas.
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Redação iBahia
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