O ronco do motor anunciava a saída da embarcação Joana Angélica I, da Vera Cruz Transportes Marítimos, às 10h45 desta quarta-feira (30), do Terminal Marítimo, em Salvador. Cinco minutos após cerca de 30 passageiros se acomodarem nos assentos, o barco era desatracado sem ao menos a tripulação orientar os passageiros sobre os cuidados e dicas de segurança necessárias para uma viagem tranquila. A situação é bem diferente daquela presenciada pelo CORREIO no primeiro dia de retomada da travessia entre Salvador e Mar Grande, nesta terça.
Nas primeiras horas da manhã, a procura pela travessia de lancha para a Ilha de Itaparica era pequena e as embarcações, que antes partiam a cada 30 minutos, iniciavam a viagem a cada uma hora, segundo funcionários do terminal do Comércio. A situação só foi retomada no início da tarde, quando a procura nos guichês aumentou.
Com capacidade para receber 38 pessoas no convés superior e 184 pessoas no inferior, além dos 4 tripulantes, o Joana Angélica I navegou durante 30 minutos sobre um mar calmo até chegar em Mar Grande.
Dentro da lancha, os coletes salva-vidas permaneceram intocáveis pelos tripulantes durante todo o trajeto. O material de segurança estava fixado no teto, em suportes de madeira, todos sem amarras, diferentes dos salva-vidas da Cavalo Marinho I que, segundo parte dos sobreviventes, viajavam amarrados uns aos outros.
Difícil a partir de agora viajar sem temer os imprevistos do tempo e a falta de segurança das embarcações, fatores que podem ter contribuído para a tragédia que matou, pelo menos, 19 pessoas - uma passageira de 12 anos segue desaparecida. Mesmo acostumado com as viagens e dominando o nado, o pedreiro Wilson de Jesus, 34 anos, foi o único entre os viajantes que, com muita dificuldade, por conta da baixa estatura, garantiu o item de segurança que estava no teto da lancha.
Mesmo o colete estando aparentemente sujo e desgastado, ele seguiu toda a viagem em segurança depois de colocar o equipamento sozinho, sem as instruções que deveriam ter sido passadas pela tripulação.
"Nunca pediram para a gente colocar, mas sempre fui muito preocupado e agora todo mundo tem motivo para ficar também", comentou o pedreiro.
Baleia e movimento
Alguns passageiros seguiram a viagem em clima de tranquilidade, outros nem tanto. Até o movimento de uma baleia, que pôde ser vista de longe, causou um certo burburinho, depois que alguns passageiros se levantaram para olhar o animal. Segundo testemunhas, o movimento brusco de passageiros, para um dos lados da Cavalo Marinho I, contribuiu para que a embarcação adernasse (inclinou para um dos lados e submergiu). Apesar do alvoroço, a viagem prosseguiu sem maiores problemas.
De tirar o sono
Mas como esquecer da imagem do pequeno Davi Monteiro Coutinho, vítima fatal mais jovem da tragédia de quinta-feira (24), com seis meses de idade, sendo carregado por um socorrista? A dona de casa Rose Fraga, 44, não esqueceu, afinal, poderia ter sido ela, ou pior: a filha de cinco anos.
Foi justamente esse pensamento que tirou a noite de sono da dona de casa, um dia depois da tragédia. Ela sofreu, junto com tantas outras pessoas, ao acompanhar o resgate dramático.
"É uma dor que não tem explicação. Nós como mãe, em um momento como aquele, só pensamos em como salvar nossos filhos. Consigo sentir a dor que essa mãe está passando por ter visto o filho morrer", lamentou.
Pela primeira vez retornando à Ilha, depois do acidente, a primeira coisa que ela reparou ao entrar na embarcação foi nos coletes salva-vidas.
"Nunca houve nenhuma orientação de como utilizá-los, como acontece, por exemplo, em aviões. Deveria ter, no mínimo, uma placa com orientações de como usar", avaliou a dona de casa.
Futuramente
Segundo o presidente Associação dos Transportadores Marítimos da Bahia (Astramab), Jacinto Chagas, a demonstração de como usar coletes salva-vidas que houve na primeira viagem depois do acidente, nesta terça, só aconteceu porque um passageiro solicitou aos tripulantes da lancha Bahia Express.
"Depois, eu conversei com o proprietário onde foi feito o vídeo com a demonstração, e ele me disse que foi uma solicitação de um passageiro. A gente ainda vai definir como vai ser essa demonstração, futuramente", afirmou.
A empresa Vera Cruz ainda não se posicionou sobre o assunto. Já a empresa CL Empreendimentos, proprietária da Cavalo Marinho I, disse que não tinha o que comentar sobre o assunto. A embarcação Cavalo Marinho III, também da CL, realizou as travessias durante toda a manhã desta quarta.
"Nem com a tragédia eles mudaram os procedimentos. Os tripulantes estão aqui só olhando o mar e não deram nenhuma orientação para usar os coletes. Eu peguei logo um para garantir", afirmou a comerciária Vera Dantas.
Ela mora em Salvador e vai, semanalmente, para a ilha a trabalho. Desta vez, ela utilizou a Cavalo Marinho III para se deslocar até Mar Grande.
As orientações de segurança também não foram dadas na viagem de volta a Salvador, feita pela equipe de reportagem do CORREIO. Assim como na travessia de ida, os quatro tripulantes da lancha Catarina Paraguaçu, também da empresa Vera Cruz, apenas ajudaram os passageiros a entrar na embarcação.
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Redação iBahia
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