O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta quarta-feira (6) a validade do marco temporal para regularização de territórios de comunidades remanescentes de quilombos e de comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto da Bahia. Os territórios têm cerca de 200 anos de história.
Na prática será analisada a constitucionalidade do trecho da Lei 12.910/2013, da Bahia, que estabeleceu o prazo de 31 de dezembro de 2018 para apresentação de requerimento para reconhecimento de posse pelas comunidades. A norma teve o objetivo de regularizar terras públicas estaduais ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos e de fundo e fecho de pasto.
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A ação contra a lei foi protocolada em 2017 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Para a PGR, a Constituição garante o direito das comunidades de fundo de preservar sua identidade
Autora da ação, a Procuradoria-Geral da República (PGR) argumentou ao STF que a medida é inconstitucional e que o prazo limita a existência dessas comunidades. "Negar-lhes a posse de suas terras significa condená-las a extinção", afirmou a PGR, em 2017.
Ainda segundo procuradoria, a Constituição não criou limite temporal para reconhecimento dessas comunidades.
"De forma incompatível com a Constituição, o que o artigo 3° da Lei 12.910, do estado da Bahia, faz é precisamente limitar o direito à existência das comunidaes de fundo e fecho de pasto, ao definir um termo final para o processo de sua regularização fundiária. Aquelas comunidades que, cinco anos após a edição da lei, não protocolarem pedido de certificação do autorreconhecimento e de regularização fundiária não mais terão direito à posse de seus territórios tradicionais, de acordo com a norma atacada", afirma a PGR.
Diante disso, no julgamento, os ministros avaliarão se a definição de um prazo para a reivindicação legal das terras é constitucional. A decisão é válida somente para este caso — ou seja, não tem repercussão geral. O resultado pode criar, no entanto, um precedente jurídico para a análise da validade de outras leis estaduais que seguirem a mesma linha.
A relatora do caso é a presidente do STF, Rosa Weber. No final deste mês, a ministra vai se aposentar e deixará a relatoria da ação.
Comunidades
As comunidades remanescentes de quilombos têm origem no período de escravidão no Brasil. Os espaços de resistência foram fundados por pessoas escravizadas que fugiam da exploração. Já as comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto vivem em áreas rurais do sertão do estado da Bahia. Elas são caracterizadas pela moradia de pequenos camponeses que praticam a agricultura familiar de subsistência.
Nas terras, não há um único dono, e a criação coletiva de animais é feita nas chamadas áreas de fundo de pasto, nas quais os animais são mantidos em áreas fixas, dentro da comunidade.
Nas terras de fecho de pasto, os animais são criados em rebanhos que ficam distantes do território, por falta de espaço nas comunidades. Nesses locais, o rebanho é levado por vaqueiros, que chegam a percorrer um dia de viagem para chegar ao pasto.
Os territórios das comunidades de fundo e fecho de pasto começaram a surgir a partir do declínio das sesmarias, pedaços de terras distribuídas pela Coroa Portuguesa a latifundiários durante o período colonial.
Após o declínio do ciclo do açúcar na Bahia, no século 18, as terras começaram a ser abandonadas, e trabalhadores dos latifúndios passaram a viver na terra. Os territórios se consolidaram a partir do desinteresse econômico pelo sertão baiano nos séculos 19 e 20.
Ao longo dos anos, a atividade rural passou por gerações de camponeses. A partir de 1970, com a expansão do agronegócio no interior da Bahia, começaram os avanços ilegais de terra em direção aos territórios de quilombolas e de fundo e fecho de pasto.
Os conflitos envolvem grilagem das terras comunais, adulteração de documentos de posse e uso de violência para intimidar as pessoas oriundas das comunidades.
De acordo com organizações que atuam em defesa dos agricultores, existem cerca de 1,5 mil comunidades de fundos e fechos de pasto na Bahia.
Ação
O caso chegou ao Supremo a partir de uma ação apresentada pela PGR, em setembro de 2017. O pedido foi assinado pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Para a PGR, ao estabelecer um limite para a regularização das áreas, a lei viola princípios constitucionais, como o direito a proteção e promoção da diversidade cultural, da dignidade humana e do pluralismo político.
"Por meio dessas normas, a Constituição protege os povos e comunidades tradicionais do país, garante seu direito de existir e preserva a continuidade de seus modos de criar, fazer e viver", afirmou.
"Não há dúvida, portanto, de que a Constituição da República garante o direito fundamental das comunidades de fundo e fecho de pasto a existir como grupo e a preservar sua identidade, traduzida nos seus modos de criar, fazer e viver", prosseguiu.
A Procuradoria argumentou, ainda, que a Constituição não criou "limite temporal" para o reconhecimento das comunidades.
*Com informações da Agência Brasil e do G1 Bahia
Redação iBahia
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