A utilização de gírias de outros estados na Bahia tem sido uma prática comum nos últimos anos, em especial entre os mais jovens. E uma das explicações para esse fenômeno, além da globalização, é a utilização em larga escala das redes sociais, combinada com o intercâmbio de culturas e costumes entre os usuários da internet.
O assunto vem tomando grandes proporções por causa da substituição de gírias locais, o que causou preocupação baseada na possível perda dos traços de identidade regionais. Exemplo disso é o "colé" (qual é?), que, recentemente, foi substituído por muitos pelo "coé", comumente utilizada pelos cariocas.
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No entanto, a adoção de expressões sudestinas pelos soteropolitanos podem ter consequências positivas. Segundo a professora de português e redação Paula Barbosa, a utilização de linguagens de outras localidades diversificam o repertório das pessoas. Para ela, não há a possibilidade de ter barreiras linguísticas em um mundo globalizado, mas é importante que a incorporação de expressões seja feita aliada à conservação do patrimônio cultural e a proteção dos costumes e valores regionais.
"É muito difícil, em um mundo tecnológico, que nós possamos impedir intercâmbios de culturas, mas o que se pode fazer enquanto comunicadores é demonstrar o que pertence a nossa cultura e o que é da cultura do outro", detalhou Paula.
A estudiosa ainda ressaltou que a utilização de expressões regionais ou não só devem ser consideradas negativas caso sejam racistas, homofóbicas, sexistas ou que envolva algum outro tipo de preconceito.
"Se uma gíria é discriminatória, sexista, preconceituosa, racista, aí é outra questão que pode ser gíria ou não, não deve ser utilizada", afirmou Paula.
A incorporação de expressões baianas por outros estados também vêm gerando debates. Um dos motivos é o uso incorreto dessas gírias, como acontece com o "lá ele", que ganhou projeção nacional com a música do cantor Tierry e começou a ser usada em várias partes do Brasil, com significados diferentes.
Neste caso, a especialista em linguística disse que essa apropriação deve ser cuidadosa, pensando no contexto da utilização para que não haja um distanciamento daquilo que pertence a determinada cultura.
"É preciso ter cuidado ao acolher aquilo que é do outro, para não haver um distanciamento daquilo que nos pertence", informou a professora.
O que o povo diz?
Recentemente, uma discussão na rede social X (antigo Twitter) voltou à tona com um questionamento sobre qual a forma correta de chamar o esporte que os jogadores não podem deixar a bola cair no chão: é altinha ou salão?
quem é que chama altinha de salão? nunca vi isso
— nessa da altinha ⚽️ (@_10eafaixa) August 16, 2023
Nos comentários, percebe-se que as respostas variavam de acordo com a idade dos internautas: os novos respondem "altinha", enquanto os mais tradicionalistas afirmam que o correto é "salão" e não admitem a mudança, já que o termo vem do Rio de Janeiro.
Mas esse não é o único exemplo de disputa nas redes sociais. Além do "altinha", outros termos também foram incorporados por alguns baianos. Confira outros exemplos abaixo:
- Véi X Mano - Nascida de uma variação do "velho", o termo "véi" é utilizado com alguém que você está conversando ou se referindo. Por exemplo: "Véi, hoje eu comi um acarajé massa!"
- Rolé X Rolê -Dizer que vai sair ou vai para uma festa não é suficiente na Bahia. O famoso "rolé", de uns tempos para cá, recebeu um acento circunflexo, virando "rolê". Depois, surgiu até uma variação carinhosa: o "rolezinho"
- Massa X Daora -Ambas as expressões são populares e tem o intuito de demonstrar uma satisfação, entusiasmo ou aprovação por algo ou alguém.
Sobre o assunto, Diego Assis, advogado nascido e criado em Salvador, disse que já foi mais radical sobre a não utilização de expressões que não são baianas, mas que hoje em dia a discussão sobre o assunto é desnecessária. Segundo ele, cada indivíduo é refém do seu tempo e que não há regra para as gírias e a utilização delas. Ele ainda afirma que não há desconstrução do nosso 'ser soteropolitano', assim como não há uma desconstrução do que foi falado e era considerado gíria antes.
"Nenhum dizer é imutável ou perpétuo, a língua se transforma, e, hoje em dia, eu acho que é uma perda de energia muito grande esse tipo de discussão. Eu não acho que é positivo ou negativo, mas não desconstrói a nossa baianidade", disse Diego.
Para o baiano Paulo César Reis, é importante que a cultura local seja valorizada e que a utilização de expressões que não são baianas podem acarretar em apagamento da cultura.
"Acho importante valorizar a cultura local e trazer gírias de outros estados colabora com o apagamento das nossas próprias gírias, temos palavras únicas e exclusivas, que embelezam ainda mais o nosso!", afirmou Paulo.
Em conversa com Julia Abrantes, "carioca da gema", como ela mesma se descreveu, não há como condenar o uso de expressões do Rio de Janeiro por baianos, pois também existe essa adoção em seu estado de nascimento também.
"Eu acredito que se [a gíria] for utilizada de forma correta e sem 'tirar sarro' da gente e imitando o nosso sotaque (que, desculpa, só sabe quem é de lá) tá tudo certo!", afirmou Julia com um grande sorriso.
No entanto, para Victória Silva, de Belém do Pará, há um incômodo nessa utilização de termos que não são regionais. "Não acho que seja apropriação cultural, mas me incomoda outras pessoas de outras regiões usarem. Soa errado", disse a paraense.
A adoção de expressões entre regiões se tornou comum, sendo positivo para alguns e negativo para outros. O embate vai continuar, mas esse intercâmbio linguístico e gírias com variados significados existe e sempre acompanhará as gerações.
Aline Gama
Aline Gama
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