Um incêndio, um desabamento e os 17 anos que passou com as portas fechadas não foram suficientes para apagar a importância da Igreja da Nossa Senhora da Conceição do Pilar, no Comércio, e seus três séculos de existência. Uma prova disso são as peças dos séculos XVII, XVIII e XIX, encontradas no santuário, que começaram a ser entregues restauradas pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac), da Secretaria Estadual da Cultura (Secult), esta semana, quando é comemorada a festa de Santa Luzia no santuário.
A Irmandade do Santíssimo Sacramento Nossa Senhora do Pilar já começou a receber os dois confessionários, banquetas para apoio de objetos litúrgicos e 48 tocheiros-castiçais. “Estamos resgatando aspectos estéticos e históricos da época de cada uma”, afirmou o diretor-geral do Ipac, João Carlos de Oliveira, que considera os materiais “obras de arte inestimáveis” para a Bahia. A coordenadora de Restauro de Elementos Artísticos do Ipac, Kathia Berbet, cita algumas dessas raridades: “Os confessionários de madeira em tons azulados são característicos do século XVII. São raros no Brasil e estavam fora de uso”.Segundo o doutor em História da Arte e professor da Ufba Luiz Freire, os tocheiros “são neoclássicos e apresentam um modelo de talha típico do século XIX”. Quanto às banquetas, de acordo com Kathia, eram utilizadas nas laterais dos altares, servindo de suporte para elementos de celebração, como cálices, patenas, ostensórios e turíbulos. “Essas peças, geralmente, eram confeccionadas em prata e ouro, decoradas artesanalmente, lavradas, buriladas e cinzeladas”, destaca a restauradora.
Processo A fase de restauração consiste em quatro etapas. Primeiro, é feito um diagnóstico para verificar o estado de conservação. Depois, atribuídos o século e o estilo ao qual pertencem a peça. Em seguida, é feita a proposta de tratamento. Se forem de madeira, por exemplo, recebem proteção contra cupins e ficam em quarentena. Depois, são novamente limpos para retirar os produtos químicos utilizados. Na última etapa, de execução, se o objeto é composto por folhas de ouro, é aplicado bolo-armênio (argila) e um verniz preparatório. A folha, de 22 quilates, é aplicada com um pincel bem fino. “É tão delicada que a ‘cola’ é a oleosidade da testa do restaurador”, conta Kathia. Lixo e abandono Apesar do valor histórico, esse mobiliário foi encontrado em meio ao lixo e entulho acumulados durante os anos em que a igreja permaneceu fechada. Em 1994, uma forte chuva derrubou parte do assoalho do coreto. A Defesa Civil interditou o local devido ao risco de novos desabamentos. Nessa época, o cemitério anexo à igreja se tornou uma área de descarte de resíduos pelos moradores da encosta da Ladeira do Pilar, que liga o Comércio ao Carmo. “A quantidade de entulho foi tanta que ocasionou o desmoronamento da contenção e provocou a obstrução da área interna do cemitério e até das antigas catacumbas”, relembrou o arquiteto Frederico Mendonça, diretor-geral do Ipac na época. Com a revitalização, iniciada em 2011, cerca de 2,5 mil toneladas de lixo foram retiradas do local, que no século XIX foi condenado após incêndio.
Igreja recebe hoje missa e festa para Santa Luzia Nos fundos da Igreja da Nossa Senhora da Conceição do Pilar, em seu lado direito, há uma fonte. É lá que os fiéis se concentram hoje, Dia de Santa Luzia. A crença é de que a água possui poderes curativos. A programação começa às 5h, com alvorada, seguida de cinco missas (às 6h, 8h, 10h, 14h e 15h30). A celebração solene começará às 10h e, na sequência, uma procissão com a imagem da santa percorrerá as ruas do Comércio, onde moravam ricos comerciantes espanhóis.
A comunidade espanhola de Salvador quis homenagear Nossa Senhora do Pilar e foi então, em nome de outra santa, que a igreja foi erguida. O templo, com influências do barroco, rococó e neoclássico, é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1938.“Em termos de decoração, é das mais ricas da cidade. Ela tem um rico mobiliário. Dizem que a coroa de Nossa Senhora do Pilar era a mais rica da Bahia. Mas foi roubada”, explica o historiador e arquiteto Francisco Sena. Parte do seu estilo barroco, porém, se perdeu com um incêndio no século XIX. Dois peritos da época disseram que não era possível ser recuperado e um novo altar precisou ser feito. O estilo escolhido foi o neoclássico. “Contrataram o melhor entalhador de Salvador, Joaquim Francisco de Matos Roseira. Ele fez toda a talha, inclusive o retábulo”, conta o professor Luiz Freire, doutor em História da Arte pela Ufba. Também no século XIX, foi construído o cemitério, com grandes colunas no estilo neoclássico. A obra foi impulsionada por conta da proibição - por questões sanitárias - de sepultamentos dentro de igrejas, como era costume até então. “Todos os elementos da cantaria são de pedra lioz, trazidas de Lisboa para cá”, conta Sena. A irmandade, uma das mais ricas do Comércio da Bahia, rivalizava, inclusive, com a da Conceição da Praia. Porém, o cuidado destinado à igreja não permaneceu o mesmo e decaiu à medida que a freguesia entrou em decadência.
Peças raras voltam a ser expostas; cemitério vai virar centro cultural Confessionários, banquetas para apoio de objetos sagrados e tocheiros foram algumas das peças centenárias da Igreja do Pilar, entregues na última quarta-feira, pelo diretor-geral do Ipac, João Carlos de Oliveira, responsável pela coordenação dos restauros de relíquias seculares do templo, dedicado a Nossa Senhora e Santa Luzia. “Algumas das peças têm 300 anos, como os confessionários do século XVII que são raros no Brasil”, comentou Oliveira, que na ocasião representou o secretário da Cultura, Jorge Portugal. O acervo recuperado faz parte da primeira etapa da restauração de pertences da paróquia, que devem ser entregues até o final de 2016. A juíza da Irmandade do Santíssimo Sacramento Nossa Senhora do Pilar, Josete Batista, e o procurador-geral da Irmandade, Roberto Santana, comemoraram a entrega das peças, destacando a importância da ação para o turismo religioso na área. A igreja, inclusive, agenda horários de visitação, por meio do telefone (71) 3323-0219. A revitalização do templo deve continuar, já que existe um projeto que pretende transformar o cemitério em um centro cultural, dentro do programa PAC Cidades Históricas, do governo federal. Dentro do projeto chamado de Restauração da Igreja e Cemitério de Nossa Senhora do Pilar, a Superintendência do Iphan na Bahia, com base em projeto anterior elaborado pelo Ipac, está desenvolvendo a proposta para adaptar o espaço do cemitério para o centro de cultura. Depois, será formulado o orçamento da obra, que, segundo o Iphan, está prevista para 2016. O Iphan também informou que o novo espaço não vai abrigar shows, mas terá sua estrutura revitalizada, além de contar com instalações sanitárias, acessibilidade e elementos artísticos. O órgão garantiu que as características históricas serão preservadas.
Kathia Berbet (em pé) com a equipe de restauradores trabalhando nas peças |
Confessionário de 300 anos (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) |
Escabelos já restaurados (Foto: Mauro Akin Nassor) |
Igreja em estilo rococó e cemitério, ao lado, com colunas neoclássicas |
Criado-mudo de madeira (Foto: Mauro Akin Nassor) |
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