A yalorixá e líder quilombola Mãe Bernadete achou que seria assaltada quando os criminosos que a mataram invadiram a casa onde ela morava com a família. A informação foi dada à polícia pelo neto da vítima, Wellington Gabriel de Jesus dos Santos, que presenciou o crime e já prestou depoimento sobre o caso.
O assassinato aconteceu na noite da última quinta-feira (17), dentro do Quilombo Pitanga dos Palmares, na cidade de Simões Filho, na região metropolitana de Salvador. Até esta segunda-feira (21), quatro dias após o homicídio, ninguém foi preso. O caso é investigado por uma força-tarefa da Polícia Civil e também pela Polícia Federal.
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Durante a tarde, o secretário de Segurança Pública da Bahia, Marcelo Werner, informou à TV Bahia que as circunstâncias do crime têm levado a polícia a crer que os suspeitos são experientes em cometer assassinatos. No entanto, ele não detalhou as investigações. Os homens ainda não foram identificados. Denúncias podem ser passadas pelo Disk 181.
"Eram pessoas que já estavam acostumados a usar arma de fogo em detrimento de outras pessoas", disse o secretário.
O crime foi tema de uma reunião que contou com o secretário, o superintendente Regional da Polícia Federal na Bahia, Flávio Albergaria, e a delegada-geral da Polícia Civil, Heloísa Brito. O encontro aconteceu na tarde desta segunda-feira, no Centro de Operações e Inteligência (COI) da Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA), em Salvador.
"Estamos somando esforços e compartilhando informações para elucidarmos o caso. Queremos evitar repetições de procedimentos e sobreposições das equipes. Com integração encontraremos os responsáveis de forma mais célere", declarou Werner.
Depoimento
No dia do crime, além de Wellington Gabriel de Jesus dos Santos, que tem 22 anos, Mãe Bernadete estava com outros dois netos: um de 13 e o outro de 12 anos. O jovem estava em um dos quartos da casa e os adolescentes com a avó, na sala. Foi um dos garotos que abriu a porta quando os criminosos bateram.
"É assalto?", perguntou Mãe Bernadete quando os dois homens armados, usando capacetes de motociclista, a renderam.
Ainda segundo Wellington, os homens pegaram o celular da avó e a mandaram desbloquear o aparelho. Eles também roubaram os celulares dos dois adolescentes e exigiram que eles fossem para um dos quartos da casa.
Depois disso, um dos homens foi até o quarto onde Wellington estava e o mandou deitar no chão, usando uma expressão homofóbica. "Deite no chão, seu viado", exigiu. Ao sair do cômodo, o homem fechou a porta.
Depois disso, o jovem ouviu diversos disparos. Quando ele saiu do quarto, encontrou a avó morta no chão da sala, já morta.
Nesse momento, Wellington usou o computador para usar o aplicativo de mensagens que estava aberto no equipamento para pedir socorro para outras pessoas que vivem no quilombo.
Em seguida, o jovem deixou os adolescentes com um vizinho e foi até o terreiro que era liderado por Mãe Bernadete e que fica dentro do Pitanga dos Palmares, para ligar para a polícia.
O conteúdo do depoimento foi obtido com exclusividade pelo Jornal Hoje. Ainda segundo o relato do neto da yalorixá, os criminosos tinham entre 20 e 25 anos, eram negros e usavam roupas pretas, capas de chuva e capacetes. Eles entraram e saíram do quilombo usando uma motocicleta.
Wellington disse também que não existe conflito agrário envolvendo o quilombo e que não se recorda de inimizades ou ameaças recebidas pela avó. No entanto, ele mencionou que Mãe Bernadete tinha muitos medos. Especialmente após o assassinato do filho dela, que também é pai de Wellington, o "Binho do Quilombo".
O jovem ainda relatou à polícia que Mãe Bernadete "pegava no pé" de um policial militar da reserva que mora perto do quilombo. Os dois teriam muitos desentendimentos.
Investigações
O Governador da Bahia revelou que a Polícia Civil trabalha com três linhas de investigação no assassinato da yalorixá Maria Bernadete Pacífico. Segundo Jerônimo Rodrigues, as teses seriam intolerância religiosa, briga entre facções e disputas em território quilombola.
A de mais destaque da Polícia Civil da Bahia é a de disputa entre facções criminosas – uma tese bem divergente da apontada por especialistas em conflitos envolvendo quilombolas e pelos advogados da família de Bernadete.
"Essa tem sido, na tese da Polícia Civil, a mais premente, a que 'possa acontecer' [pode ter acontecido]. Se isso aconteceu, da mesma forma [que as outras teses] não haveremos de nos debruçar sobre ela, em uma parceria integrativa com o governo federal, com a Polícia Federal", disse o governador.
A principal tese levantada pelos especialistas é a de disputa pelo território quilombola. Jerônimo Rodrigues relatou que apesar de não ser a principal linha de investigação da Polícia Civil, buscou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para regularizar o terreno quilombola. O gestor citou ainda que muitas autoridades procuraram ele para ajuste da situação e se solidarizar com a morte de Mãe Bernadete.
"Há uma expectativa de que esse caso não tenha relação direta com o território, mas uma tese que mesmo não acontecendo, o problema existe. Nós já nos manifestamos com o Incra para que a gente possa acelerar o processo de regularidade daquele terreno, daquele território".
"Não só dele, mas um conjunto de territórios quilombolas e indígenas que a gente precisa aproveitar. É responsabilidade nossa. Mesmo não sendo por causa do território, nós entendemos que é um problema que temos que enfrentar".
Na última sexta-feira (18), a Polícia Civil confirmou que as armas utilizadas no assassinato de Mãe Bernadete são de uso restrito. Investigações preliminares indicam que a yalorixá e líder do Quilombo Pitanga dos Palmares foi morta com tiros de calibre 9mm.
As investigações estão em curso e envolvem agentes de departamentos como de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), e Especializado de Investigação e Repressão ao Narcotráfico (Denarc), e da Coordenação de Conflitos Fundiários (CCF). Vale destacar que a agência de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) pediu ao estado uma "investigação célere, imparcial e transparente".
Alan Oliveira
Alan Oliveira
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