O assassinato da líder quilombola e yalorixá Mãe Bernadete reacendeu um alerta para dois problemas importantes que têm sido destacados ao longo dos anos: os crimes contra representantes da luta do povo negro, assim como ela, e os ataques a quilombos. Seculares e com um inestimável valor histórico, as comunidades desempenham papeis essenciais para o coletivo nos locais em que estão inseridos, com resistência.
Moradia e pauta de Mãe Bernadete, o Quilombo Pitanga dos Palmares é um exemplo disso na cidade de Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador, onde fica localizado. Para além da preservação da cultura negra e da história de resistência de pessoas escravizadas durante séculos, a comunidade quilombola sempre foi um ponto de articulação social.
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Formado por cerca de 289 famílias e com 854,2 hectares, o quilombo foi reconhecido em 2017 pelo Relatório Técnico de Identificação e Delimitação – RTID do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Além disso, já foi certificado pela Fundação Palmares, apesar do processo de titulação ainda não ter sido concluído.
Através da figura da yalorixá, o quilombo promoveu ações sociais como a criação de grupos agroecológicos para produção de alimentos orgânicos e de qualidade para a comunidade, a movimentação da economia local, através da realização de feiras de agricultura familiar. Além disso, foi a partir das reinvindicações promovidas por Mãe Bernadete que uma escola foi instalada na comunidade, assim como redes elétricas.
"[Mãe Bernadete] batalhou por projetos de agroecologia sustentável para comunidade viver com dignidade do que plantava, liderou a luta pela produção de alevinos, de mandioca, frutas, [além] da luta pela escola quilombola, por estradas, eletrificação", detalha Ângela Guimaraes, secretária de Promoção da Igualdade Racial.
Para além dos desenvolvimentos para a comunidade, a líder quilombola realizava também o tradicional Samba de Roda - evento cultural que remonta e preserva as raízes africanas no quilombo. "Quilombos são grandes polos ativos da resistência negra, secularmente falando desde o período escravista até os tempos atuais. É onde nossas práticas, princípios civilizatórios, nossa solidariedade, nossa luta pelo fim da escravidão e do racismo se materializa. Mãe Bernadete representava exatamente isso", pontua Ângela.
E foi dentro do quilombo que Mãe Bernade foi assassinada. O imóvel onde ela e a família moravam foi invadido por dois homens armados, que fizeram familiares dela reféns e fugiram com celulares. A suspeita é que o caso tenha relação com a invasão e apropriação de terras na região. O filho da líder quilombola também pode ter sido uma vítima desse problema, quando foi assassinado em 2017. Ela sempre cobrava celeridade nas investigações.
O velório da yalorixá aconteceu nesta sexta-feira (18), no Quilombo Pitanga dos Palmares. A cerimônia reuniu familiares, amigos e representantes políticos, em reconhecimento e luto pela morte de Mãe Bernadete.
"Em 2011 nós começamos a fazer parte do CONAQ [Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos] e trabalhar junto no fortalecimento da articulação das mulheres quilombolas [na Bahia]e é inexplicável o trabalho que ela fazia, a forma como ela fazia. Ela foi, é e continuará sendo um exemplo de liderança, de mulher negra e mãe de santo", lamentou José Ramos, um dos coordenadores nacionais do CONAQ, e amigo da Yalorixá.
Violência
Conforme levantamento da Rede de Observatórios de Segurança, realizado com apoio das secretarias de segurança pública estaduais e divulgado em junho deste ano, a Bahia é o segundo estado do Brasil com mais ocorrências de violência contra povos e comunidades tradicionais. Atrás apenas do Pará, a Bahia registrou 428 vítimas de violência no intervalo de 2017 a 2022.
Além disso, segundo dados da CONAQ, nos últimos 10 anos outros 30 quilombolas foram assassinados no Brasil. Nesse recorte, a Bahia também é um destaque de violência, acumulando 11 casos.
"A gente recebe [essa notícia] com indignação, lamenta, diante de uma violência que é tão recorrente aos defensores de diretos humanos, como mestre Môa do Katendê, o que aconteceu com Marielle Franco e outras lideranças. Recebemos com indignação [mas também] com responsabilidade ampliada para desmontar essa estrutura tem causado tanta morte, dor e desigualdade", enfatiza a secretária de Promoção da Igualdade Racial
Iamany Santos
Iamany Santos
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