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França Teixeira comandava a "Resenha do Meio-Dia" |
O prédio do Tribunal de Contas do Estado (TCE) no Centro Administrativo da Bahia (CAB) não foge ao padrão encontrado nas repartições públicas por aí. As paredes e divisórias são muito parecidas e a quantidade de documentos é grande. Haja papelada atrás de cada porta. No meio desse ambiente um tanto sem graça e de ausência de cores vivas, um dos sete conselheiros do TCE destoa: Antônio França Teixeira. Um dos principais comunicadores da Bahia nos anos 60 e 70, ex-deputado federal e advogado ou ex-aluno de Direito, ele hoje tem 67 anos e mantém a irreverência dos tempos de radialista. Conhecido pelo bordão "É ferro na boneca, minha cara e nobre família baiana" e vanguardista, como ele mesmo se reconhece, recebeu a equipe do
iBahia com uma simpática gravata borboleta em um fim de tarde, no seu gabinete nada extravagante, mas com espaço para molduras com camisas do seu Ypiranga e do Botafogo de Salvador. Sem falar nos "porquinhos" que carregam os escudos da dupla BaVi. "Você não está me vendo aí de gravata borboleta? Eu sou vanguardista. Ter gravata borboleta não é vanguarda, não é?! Volta a ser no meu pescoço", exalta França, que comandou uma das mais famosas resenhas esportivas da história do estado. A "Resenha do Meio-Dia", na Rádio Cultura da Bahia. Por sinal, se antigamente ele acordava cedo para preparar o programa que detinha a liderança da rádio baiana, atualmente o meio-dia é o momento de levantar. "Eu leio e escrevo até às 5h da manhã. Eu leio a noite toda, eu não durmo como você dorme. Os meus horários são diferentes. Durmo 4h30, 5h da manhã e geralmente acordo 11h, 11h30, meio dia, a partir daí eu venho trabalhar. Mas pela manhã eu não trabalho mais pra ninguém. Só à noite que eu acho muito melhor para você ler, escrever... Eu sempre fui notívago. A noite é mais silenciosa, mais tranquila", justifica. Desde 1989 atuando como conselheiro do TCE, França Teixeira admite que a vida mudou seus planos e a comunicação, sua grande paixão, acabou ficando para trás. "Olha, eu não me adaptei aqui em 22 anos. Sabe por que? Tem muita interferência do executivo. E esse órgão não era pra ter interferência nenhuma, de ninguém. Ser independente, autônomo. Tô há 22 anos já, vim para passar cinco. Minha vida estava toda programada, eu ia voltar ao rádio depois de cinco anos, que era o tempo para eu me aposentar. Eu fui deputado federal sete anos e seis meses. Vim para passar cinco, mas se você me perguntar porque estou há 22... Eu sei lá", diz em tom tragicômico, uma vez que sente falta da atividade que o tornou conhecido nacionalmente.
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Ypiranga é o time de coração do conselheiro do TCE |
"Sinto muita saudade. Eu sou um frustrado. Gostaria de estar no rádio, na televisão. As coisas que eu sabia fazer, né?! Aqui (no TCE) eu não sei fazer nada, sou um eterno aprendiz", brinca e ainda completa: "não sou advogado, não sou bacharel em direito, sou ex-aluno. Sou ex-aluno de direito. Terminei o curso em dezembro de 1971". Enquanto se formava na Universidade Federal da Bahia (Ufba), França já fazia suas estripulias na rádio há quase uma década. "Comecei em 1959 ou 1960 fazendo esporte, locução comercial, transmitia futebol. Conheci um pedaço do mundo. Na época não tinha internet, a gente tinha que viajar para transmitir. Isso me possibilitou a ir. Eu não conheço um pedaço do mundo, perdão, eu fui a um pedaço do mundo. A nossa viagem se resumia a aeroporto, hotel, estádio e gandaia. Gandaia era a sacanagem noturna, cabarés, essas coisas. Eu podia ter visto mais. Onde a seleção brasileira foi naquele tempo eu fui", relembra sem esconder a nostalgia da juventude.
Medo da capital - Criado no bairro da Liberdade, o conselheiro revela levar uma vida reclusa. Se antes o notívago vivia a caminhar pelas ruas soteropolitanas, ele agora restringe-se a um pequeno espaço da capital. "Meu limite é a Pituba. Eu moro em Patamares e meu limite é a Pituba. Eu não transito mais como já transitei antes. Embora goste muito do Centro, mas confesso que tomei medo. Raramente, muito raramente, eu passo da Pituba. Na Pituba tem os shoppings, o cinema, é uma pena que não passe filme de arte". Se a capital desagrada e "não tem mais qualidade de vida", como exclama França, a cultura musical da Bahia deixa o ex-radialista desanimado. "Não gosto. Acho que isso é ruim. Negócio de Axé. Quem inventou o termo Axé foi Chocolate da Bahia. Axé é uma saudação e ele trouxe isso do Mercado Modelo para o nível cultural da Bahia. Axé enquanto música não faz meu gênero. Não posso vir aqui lhe dizer que estou satisfeito". França estende as críticas ao futebol brasileiro. "Uma esculhambação, uma merda. Hoje rola muito dinheiro e o futebol brasileiro é extremamente comprometido porque é mal dirigido. Eu não sei como fizeram esse campeonato que todo mundo gosta, esse campeonato brasileiro. Eu faria pontos corridos e mata-mata com os quatro melhores". A empolgação com o futebol vem mesmo dos tempos de cronista esportivo. Depois de lembrar do "Juventude Transviada", time de jovens do Bahia que substituiu o principal quando em viagem pela Europa no final dos anos 50, ele fala da equipe de coração. "Na minha infância, eu fui Ypiranga. O Ypiranga só me dá prazer e alegria. Não treina, não ganha, não perde, não joga. Eu só tenho com o Ypiranga prazer e alegria", conta, desprezando o retorno do Mais Querido aos gramados há alguns anos. Atualmente, o amarelo e preto disputa a divisão de acesso do Campeonato Baiano.
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Fã do zagueiro Roberto Rebouças, França assistiu ao filme Bahêa Minha Vida há pouco tempo e dispara contra a película: "Um filme que não tem Roberto Rebouças pode falar do Bahia?", questiona, "Roberto Rebouças foi o maior craque nascido e criado no futebol da Bahia. Craque, craque, era Roberto Rebouças. Não fizeram uma alusão à Roberto Rebouças. Ninguém fala, ninguém diz nada. Foi vereador, bom vereador, se interessava, morreu muito jovem". Confiante para falar de diversos assuntos, Antônio França Teixeira faz crítica à televisão brasileira e diz não assistir mais. "Aboli televisão dos meus hábitos. Ainda mais agora que tiraram as pernas bonitas da Patrícia Poeta do Fantástico", diverte-se, falando sobre a migração da jornalista para o Jornal Nacional. Ele justifica o desânimo com a tevê. "Acho muito medíocre. O homem mais importante da televisão brasileira não está atuando. Tá atuando na dele, lá em Ribeirão Preto. Boni. Esse é o homem. Foi o homem que fez a televisão brasileira".
Vida - Aos 67 anos, França Teixeira não se mostra um senhor satisfeito com a vida que levou. Não que lamente o que fez ou deixou de fazer, mas exatamente por não mirar um ponto final. "Muita aventura, muita vida, meu amigo. Eu acho que quando você se considerar um homem realizado, você será um homem frustrado. Nunca se considere realizado, tem sempre alguma coisa por fazer. Sempre, sempre, sempre", aconselha. Sem jamais esquecer a vida de comunicador, ele revela qual o tipo de veículo favorito. "Rádio. Tevê eu fazia porque precisava fazer, porque ganhava dinheiro. Mas em primeiro lugar rádio. Comunicação pra mim é rádio. Hoje já não é mais. Comunicação hoje é televisão. Aliás, nem televisão. É a máquina de fazer maluco: internet. Computador. A máquina é um perigo. Porque quando ela cresce muito, vira bicho e come o homem. O computador vai terminar comendo gente aí e vocês não vão saber que estão sendo comidos. Já tem gente aí que está maluca. Eu conheço amigos meus que estão loucos por causa disso. Sou um exilado e excluído digital. Deus me defenda. Eu sou um leitor inveterado, eu gosto de música, de ler. Isso que eu gosto, mas eu sentar em frente a uma tela de computador... Eu não me submeto a máquina", conta com orgulho. Perguntado se sequer lerá a matéria sobre ele no iBahia, o conselheiro do TCE mantém a descontração. "Você me avisa que essa eu leio, dou uma colher de chá. Sabe como eu vou ler? Vou mandar imprimir e me trazer. Vou ler com o maior prazer, mando imprimir vários até. Agora sentar na frente de um computador pra ler, confesso, não sento não", afirma aos risos. A irreverência, marca registrada dos tempos de radialista, virava polêmica na voz do personagem Zé Veneno.
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"É ferro na boneca, minha cara e nobre família baiana" |
"Era um fofoqueiro, falava da vida dos outros. Agora não era França o Zé Veneno, era você, era eu, eram todos. Sempre tinha alguém que tinha uma história para contar e eu juntava em Zé Veneno. Agora, eu interpretava a história ao meu modo". Isso fazia até com que França corresse perigo. "Vários foram lá na rádio para me agredir. Para implantar um rádio destemido, corajoso, imparcial, você nunca agrada todos. Vai ter sempre alguém que não vai gostar. Isso é como o mundo foi criado. Você não consegue agradar a todos". O bate-papo durou pouco mais de uma hora. Tempo bastante para saber que infinitas histórias estão ali, na mente de Antônio França Teixeira, prontas para serem contadas. Deu para conhecer um pouco dele. Difícil é escrever e tentar passar as sensações. Vanguardista, ypiranguense, baiano, comunicador, político, ex-aluno de direito, conselheiro do TCE. Resumindo, um homem de várias facetas. Como ele mesmo dizia, "É ferro na boneca, minha cara e nobre família baiana". Pode imprimir a matéria, seu França.
Colaborou Rafael Sena