|
---|
Pedestres em Salvador sofrem com o bloqueio das calçadas |
De todas as formas encontradas para se locomover em Salvador, uma das mais desafiadoras, sem dúvidas, é fazendo o trajeto a pé. Caminhar, na capital baiana, exige mais do que disposição para enfrentar o calor escaldante e as subidas das ladeiras: requer paciência, atenção e o convívio intenso com tudo com o que há de menos educado no trânsito da cidade. Calçadas esburacadas, falta de calçadas, carros estacionados em lugares irregulares, insegurança própria das ruas, o desrespeito pela faixa de pedestres e demais sinalizações, além do forte apelo que o carro exerce na sociedade, praticamente desestimulam esse tipo de mobilidade urbana. Essa realidade, sentida pela maioria dos soteropolitanos em trajetos curtos, como a ida para padaria ou para a farmácia do bairro, tem impacto muito maior na rotina de quem circula para além do perímetros da própria vizinhança. A estudante de letras da Universidade Federal da Bahia, Priscila Santos, de 23 anos, realiza o percurso diariamente da sua casa, na Federação, até a faculdade, no bairro de Ondina, andando. O percurso, de média distância, que poderia até mesmo ser um momento para exercitar-se, é feito sob tensão: "É perigoso. Porque além de tomar cuidado com os carros, já que os motoristas não respeitam ninguém com manobras proibidas e excesso de velocidade, eu tenho de ficar atenta com o movimento e a dinâmica da rua. Não há policiamento e fica a sensação plena de insegurança. A cidade é caótica". A estudante, apesar de nunca ter sofrido nenhum de assalto, foi furtada enquanto atravessava um outra via da cidade pela passarela. Mesmo para quem só costuma caminhar a lazer ou por atividade física, algumas das dificuldades, sobretudo, as que se referem a estrutura, se fazem presentes. É o caso do editor gráfico, Augusto Junior, 29 anos, morador da Barra. Ele conta que as caminhadas feitas na orla da cidade poderiam ser melhores se as vias públicas estivessem mais conservadas: "Quando fazia fisioterapia, caminhava dos Barris até a minha casa. No trajeto, tinha que dividir o espaço com os camelôs e vendedores em geral. Hoje, circulando pela orla, vejo que a situação é muito similar. O pedestre tem que fazer equilibrismo porque as calçadas são muito esburacadas e sempre tem o carro atrapalhando a sua passagem".
Nem tudo são pedras no caminhoDa mesma maneira que há diversas pontos contrários, caminhar pela cidade também tem pontos positivos. De imediato, pode-se citar a economia que o indivíduo pode fazer por mês não tomando o transporte coletivo ou pegando o carro particular para tudo. As distâncias mais curtas podem ser feitas só com um pouco de disposição. A outra vantagem são os benefícios trazidos para a saúde do corpo e da mente. Um estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP), de Ribeirão Preto, divulgado em 2011, apontou que caminhar 40 minutos diariamente tem a capacidade de reduzir a pressão arterial durante 24 horas após o término do exercício. Isso porque o fluxo de sangue aumenta, permitindo a expansão dos vasos sanguíneos e diminuindo, consequentemente, a pressão. A caminhada também melhora a oxigenação do corpo, combate a osteoporose, aumenta a sensação de bem-estar, deixa o cérebro mais saudável, diminui a sonolência, mantém o peso em equilíbrio e emagrece, controla a vontade de comer, protege contra derrames e infartos e ajuda na prevenção a alguns tipos de diabetes. "Além da redução de gastos com transportes, para mim foi uma quebra do meu sedentarismo. Também acho que caminhar faz com que eu seja uma pessoa a menos para poluir cidade, uma pessoa a menos no ônibus, enfim, é um benefício coletivo e, de alguma maneira, você vive mais a cidade, conhece mais os lugares e tudo", pondera Priscila. Opinião semelhante foi compartilhada pelo vereador Gilmar Sampaio (PT). No Dia Mundial Sem Carro, o vereador fez o trajeto de sua casa, em Luiz Anselmo, até a Câmara de Vereadores andando. No percurso de uma hora, ele identificou algumas vantagens possibilitadas pelo gesto: "Embora tenha notado fragilidades na infra-estrutura, caminhando tive a chance de falar e de conversar com mais pessoas, coisas que com o carro a gente nunca pode". O vereador destacou ainda a necessidade de uma maior mobilização para os próximos anos: "Uma vez que a gente reconheça que já existe uma parcela da população fazendo uso dessa modalidade, o poder público pode perceber que é mais fácil e mais barato investir em sistemas de mobilidade alternativo do que somente em grandes sistemas viários".
Mudanças em vistaMuita gente desconhece, mas a responsabilidade pela limpeza e pela conservação das calçadas, que é um dos principais empecilhos para caminhadas, é de responsabilidade do morador ou do comerciante. Em Salvador, somente as calçadas públicas - de parques, grandes avenidas e de órgãos públicos- são de responsabilidade da prefeitura. No final do mês de agosto, a Câmara de Vereadores do Município aprovou uma nova lei para as calçadas da cidade. A PLC 166/11, de autoria das vereadoras Andrea Mendonça (DEM), Vânia Galvão (PT) e Aladilce de Souza (PCdoB), tem como objetivo padronizar e regularizar as vias, facilitando a acessibilidade dos cidadãos. A calçada deverá ter obrigatoriamente 1,90 m, sendo que desse total 1,20m será só para pedestres. Já a faixa de serviço das calçadas deve ter, no mínimo, setenta centímetros e ser destinada à instalação de equipamentos e mobiliário urbano, como lixeiras, postes de sinalização, iluminação pública e eletricidade. "É uma lei técnica mesmo, porém fundamental para a mobilidade. Evitará acidentes, facilitará a vida das pessoas com necessidades especiais e beneficiará quem se locomove a pé numa cidade que, sabemos,infelizmente, é feita só para carros", afirma a vereadora Aladilce. Se sancionada pela prefeitura, os moradores e comerciantes terão que promover ajustes: "O Projeto ainda é pouco conhecido, mas acredito que, com esforço, as mudanças começam a surgir. E vamos ajustando o que já existe para melhorar a acessibilidade. É um processo educativo".